O Governo permitiu este sábado a escala no porto de Lisboa de um porta-contentores associado a um alegado esquema irregular de transporte de armamento para Israel. A passagem foi contestada pelo movimento BDS — Boicote, Desinvestimento, Sanções e questionada pelos grupos parlamentares do Bloco de Esquerda e Partido Comunista Português. À Rádio Observador, o comandante da capitania do Porto de Lisboa, explica que não foi feita nenhuma verificação independente ao navio porque “não havia motivo”.
Mas o que está em causa?
O movimento que fez a denúncia sobre o navio referia que, nos últimos meses, a embarcação fez mais de 400 viagens de transporte de armamento militar com origem nos Estados Unidos e com destino a Israel. A empresa garante que, na passagem por Lisboa, a carga não continha material de guerra — que só deveria ser carregado numa passagem futura por Tânger, em Marrocos.
O próprio Presidente da República acabou por falar sobre o caso para dizer que o histórico do navio “foge ao controlo português” e que também não há informação sobre o que pode vir a ser carregado para a embarcação em paragens futuras — está previsto que volte a atracar em Marrocos numa próxima paragem. “Neste momento, o que me foi dito é que não havia justificação para tomar [medidas]. Informaram-me isto”, rematou Marcelo.
Em 16 pontos, explicamos o que está em causa neste caso.
Que navio é este?
Trata-se do navio Nysted Maersk (IMO9220897), propriedade da Maersk Shipping Hong Kong Lda, com bandeira de Hong Kong.
O que lançou a suspeita sobre o navio?
Uma denúncia do movimento internacional BDS — Boicote, Desinvestimento e Sanções, que diz “trabalhar para acabar com o apoio internacional para a opressão dos palestinianos de Israel”. Esse alerta levou o grupo parlamentar do Bloco de Esquerda a questionar o Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre o navio previsto de atracar em Lisboa neste sábado à noite e que teria como destino Israel. De acordo com a denúncia, o navio estaria envolvido no transporte de armas e munições, com origem nos EUA, para o exército de Israel, tendo, nos últimos meses, realizado cerca de quatro centenas de missões dessa natureza. “Vai o Governo permitir a utilização do porto de Lisboa por um navio cuja missão é manter um esquema ilegal de abastecimento de armas destinadas ao exército genocida de Israel?”, perguntaram os bloquistas.
Como reagiu o Governo?
O Governo recusou, com base no manifesto de carga, haver justificação para negar a entrada no porto de Lisboa. Confrontado com as acusações, o Ministério das Infraestruturas e Habitação emitiu um comunicado dizendo que não iria proibir a entrada do navio no porto de Lisboa por não ser “transportada qualquer carga militar, armamento ou explosivos”, lia-se numa declaração enviada às redações.
Governo diz que carga não justifica negar entrada em Lisboa a navio que ruma a Israel
O Bloco de Esquerda acabou por contestar a resposta do Governo, já que a questão não seria tanto a carga da embarcação, mas sim o facto de esta seguir para Tânger, onde deverá carregar o material destinado a Israel.
Na RTP3, o líder parlamentar do Bloco defendeu que o “Governo está errado”. O Estado espanhol não autorizou que este navio atraque em Algeciras porque ele tem estado envolvido no transporte ilegal de armamento dos Estados Unidos para Israel”
E o que disse o Presidente da República?
Marcelo desvalorizou o histórico recente do navio no que diz respeito ao transporte de armamento ou material militar para Israel. Depois de, num primeiro momento, se ter recusado a comentar a polémica, o Chefe de Estado afastou responsabilidades do governo sobre o assunto.
“Se há um ano, dois anos, três anos [o navio] fez outro tipo de transporte, isso, neste momento, foge ao controlo português”, começou por dizer Marcelo .
Marcelo Rebelo de Sousa desvaloriza histórico de navio suspeito de transportar armas para Israel
“A questão ética”, considerou Marcelo, é saber perceber se “se pode apurar que [o navio] não tinha nada naquilo que transportava, nem no que descarregou nem no que podia ter carregado, relacionado com armamento para um determinado país, nomeadamente Israel”. Sobre o material que ainda poderia vir a transportar, acrescentou, não é possível determinar. “Sabe-se que ele para cá carregou o que não era armamento e foi isso que o Governo explicou”, disse ainda. “Agora, o que vai fazer daqui a três dias, dez dias, um ano, dois anos, no âmbito da atividade da empresa, Portugal, na altura devida, se encontrar razões para estar preocupado e considerar que é censurável, pode então tomar medidas”, sublinhou. “Neste momento, o que me foi dito é que não havia justificação para tomar [medidas]. Informaram-me isto”, rematou.
Quando chegou o navio a Lisboa?
O navio atracou em Lisboa este sábado à noite, motivando um protesto de dezenas de pessoas em frente ao porto de Lisboa.
O navio ainda está em Portugal?
De acordo com o comunicado do Ministério das Infraestruturas e Habitação, estava previsto que o navio partisse do porto de Lisboa na manhã deste domingo, 10 de novembro. Paulo Vicente, comandante da capitania do Porto de Lisboa, confirmou ao Observador que o navio já não está em Lisboa e que partiu este domingo por volta das seis da manhã.
O navio transportava armas para Israel?
“Em resposta a pedido de esclarecimento, foi-nos reconfirmado que não é transportada qualquer carga militar, armamento ou explosivos.” É o que diz o comunicado do Ministério das Infraestruturas e Habitação enviado às redações, “com base no manifesto do navio e informações prestadas com o armador e autoridades relevantes”. “Mais se informa não haver nenhum contentor com destino a Israel”, diz o mesmo texto.
Numa curta nota enviada à Agência Lusa, a própria empresa que detém a embarcação garantiu não haver carga ou armamento militar a bordo. “A carga em questão está em total conformidade com as leis e regulamentos nacionais e internacionais. A carga a ser transbordada não inclui nenhuma arma ou munição militar”, referiu a Maersk nessa nota.
O navio foi verificado no Porto de Lisboa?
Não. À Rádio Observador, Paulo Vicente, comandante da capitania do Porto de Lisboa, explica que não foi feita nenhuma verificação independente ao navio porque “não havia motivo” para essa verificação por parte das autoridades nacionais. “Não há um mandato nem uma determinação, não há nada que faça isso. O navio veio de um porto que não é do espaço Schengen, tem um manifesto de carga”, continua. As informações foram prestadas com base num “inventário” e “comunicação” prestados.
O que ficou em Portugal?
Segundo o comunicado do Ministério das Infraestruturas, a descarga de 144 contentores continha: roupa de homem, automóvel SKODA, frutas de casca rija e outras sementes, ISOTANQUES vazios sujos, lingotes de cobre, vestuário feminino, produtos de confeitaria sem cacau, plantas, partes de plantas, sementes e frutos, filetes de peixes, congelados, preparações e conservas, sabões, granalha de ferro, mobiliário de madeira, chá, desperdícios e resíduos de cobre, alfarroba fresca, refrigerada, congelada ou seca, mesmo em pó, massas alimentícias não cozidas, azeitonas, louça sanitária, aparelhos elétricos para controlo elétrico ou distribuição de eletricidade, ligas à base de cobre-zinco (latão) em formas brutas, sementes de coentro, não trituradas nem em pó, quadros, pinturas e desenhos, feitos inteiramente à mão, citrinos, preparados ou conservados, champôs, obras de cerâmica, sacos de quaisquer dimensões para embalagem de matérias têxteis, copos de vidro e cabos de fibras óticas.
O que foi carregado em Lisboa?
De acordo com o Governo, o navio passou por Lisboa “sem efetuar qualquer carga”.
O que seguiu dentro do navio?
“Na carga que transporta e transita (sem ser descarregada em Portugal), estão incluídos três contentores com componentes de aviões (peças de asas) com destino aos EUA”, pode ler-se na declaração do ministério.
Onde esteve o navio antes de chegar a Lisboa?
Antes de se dirigir a Lisboa, o navio atracou nos últimos dias em Casablanca (5/11), Valência (2/11), Barcelona (1/11), Fos-Sur-Mer (31/10), Génova (30/10), Haifa (25/10), Mercin (22/10), Alexandria (20/10), segundo o comunicado do ministério.
Para onde segue o navio?
Paulo Vicente, comandante da capitania do Porto de Lisboa, informou à Rádio Observador que a embarcação seguiu agora para Tânger. De acordo com o comunicado do Governo, há contentores “com componentes de aviões (peças de asas) com destino aos EUA”.
O navio foi redirecionado de Espanha para Lisboa?
Sim. O navio Nysted Maersk, esperado em Lisboa, tinha chegada prevista ao porto espanhol de Algeciras no dia 9, mas terá sido redirecionado para Portugal, na sequência da proibição do Governo espanhol, reportou o jornal Público este sábado.
Como surgiu o caso em Espanha?
O caso surgiu na imprensa espanhola quando uma investigação da Progressive International (Internacional Progressista) e do Palestinian Youth Movement, publicada no El Diario, denunciou o facto de navios deste género vindos dos Estados Unidos da América com destino a Israel fazerem escala em Espanha, ainda que o Governo de Pedro Sánchez já tivesse proibido esta prática.
Como reagiu o governo espanhol?
Segundo o jornal El País, o executivo de Pedro Sánchez negou a escala em Algeciras de dois navios procedentes dos Estados Unidos suspeitos de transportar armamento para Israel, depois de, nessa manhã, já depois da investigação publicada, um deputado da coligação de esquerda espanhola Sumar, Enrique Santiago, também ter denunciado a suspeita sobre as embarcações. Porém, o Governo espanhol não explicou porque decidiu impedir que os navios Maersk fizessem escala em Espanha.
Essa é, alias, uma das questões colocadas pelo PCP ao Governo português. “Em algum momento, nesse processo, o Governo português procurou obter junto do Governo de Espanha informações sobre as razões para a proibição da acostagem do navio no porto de Algeciras?”, perguntam os comunistas, que acreditam que foi a suspeita de transporte de armas para Israel que levou o governo espanhol a tomar uma atitude preventiva. “Terá sido aliás essa razão que levou as autoridades do Estado espanhol a impedir a acostagem do navio em Algeciras, razão próxima para a sua passagem por Lisboa. É sabido que, depois de Lisboa, o navio se dirige para Tânger, prosseguindo a rota para leste em direção a Israel”, refere o PCP.