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© Hugo Amaral

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Falhar é não tentar. Histórias de quando nem à terceira foi de vez

Vasco Pedro fracassou três vezes antes de lançar a Unbabel. Sofia Pessanha diz que falhou como gestora e a José Simões nem CR7 lhe valeu. São as histórias de empreendedores que falharam para vencer.

Aljezur, junho de 2013. Uma casa alugada em frente à praia de Monte Clérigo para um fim-de-semana de ondas na costa vicentina. Fazer surf com quatro cadernos na mochila, um para cada amigo: João Graça, Hugo Silva, Bruno Silva e Sofia Pessanha. Deste encontro, nasceu a Unbabel, a quarta startup que Vasco Pedro se arriscou a lançar e a quinta em que esteve envolvido. Nenhuma sobreviveu. Padeceram de doença prolongada nas equipas ou tiveram morte súbita. Desde que foi lançada, a Unbabel está a crescer 40% por semana. À quarta é de vez?

Empreendedorismo, empreendedores, startups. Nunca se leram tanto estas palavras como agora. Está na moda, dizem algumas pessoas ligadas ao tema. Certo é que o conceito é relativamente novo. Consta que o termo nasceu na década de 1990 em Silicon Valley. Teorias possíveis: empresa que está a trabalhar na resolução de um problema sem garantia de sucesso, um estado de espírito ou uma empresa em fase embrionária capaz de crescer muito e rapidamente. Nos primeiros cinco meses de 2014, nasceram 16 mil novos projetos em Portugal, segundo a Ignios. Quantos falharam? Depende da fase em que se encontram. No longo prazo, apenas 1% das startups tem sucesso, avança Hugo Pereira, sócio da Shilling Capital Partners. O estigma do fracasso é uma pena para toda a vida?

"Estamos a falar de uma taxa de insucesso muito elevada. Os investidores percebem que têm de existir muitos empreendedores que falham uma e duas vezes", diz Hugo Pereira. 

Vasco Pedro tem 37 anos e desde 2006 que anda à procura do seu projeto de vida. Engenheiro de linguagem de conhecimento – um curso que diz já não existir – fixou-se nos Estados Unidos da América (EUA) em 2001, onde fez um doutoramento na Universidade Carnegie Mellon. Estagiou em gigantes como a Honda, Google e Siemens, mas o que queria era criar algo com “impacto”. Lançou a Mindkin em 2006. Trabalhava no projeto à noite com três colegas de doutoramento, mas saiu na fase de pré-investimento. Um ano e meio depois, o projeto ruiu.

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Em maio de 2007, começou a trabalhar noutro projeto, o Begifter, com outro colega. Nova desilusão. O conceito de sugestão de prendas online já existia. Mas não desistiu. Um ano depois, os dois empreendedores voltaram a juntar-se para trabalhar na tecnologia que Vasco Pedro tinha desenvolvido durante o doutoramento. Nasceu a Bueda, em janeiro de 2009, ano em que foi pai pela terceira vez.

O projeto foi selecionado para integrar um programa de aceleração de empresas norte-americano, que investiu 20 mil dólares no projeto. Recebeu mais 50 mil de um fundo de investimento, numa primeira ronda, e outros 100 mil, numa segunda. “Levantámos mais ou menos 200 mil dólares no total [146,8 mil euros].” Contratou pessoas, criou o produto, mas a Bueda não estava a funcionar. Começa a nostalgia. Para quando um regresso a Portugal?

Vasco Pedro esteve dez anos nos EUA. Regressou em 2011, dois anos antes de lançar a Unbabel.

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Vasco Pedro estava casado com a Bueda, mas num divórcio com o país de Barack Obama. O visto com que tinha ido para os EUA estava perto do fim. Dez anos de sonho americano, três filhas e o dinheiro investido na startup a acabar. Resolveu regressar a Portugal. “No último dia, antes de vir, tenho uma reunião com uns tipos que estavam a criar outra empresa que se chama Flashgroup e, em 20 minutos, decidimos que eles vão comprar a Bueda”, revela.

Foi o quase “adeus” ao projeto que fez nascer. Comprou a passagem de regresso à terra-mãe e reuniu a equipa de desenvolvimento que continuou a trabalhar na tecnologia que, em breve, pertenceria à Flashgroup. Convidou João Graça, colega no Instituto Superior Técnico e atual co-fundador da Unbabel, a juntar-se. Surgiu a primeira vontade de criar algo que fizesse com que “as melhores pessoas de Portugal não quisessem ir para fora trabalhar”.

Oito meses depois, o sonho caía por terra. Afinal, a Flashgroup não queria comprar a Bueda. Não via valor em adquirir a tecnologia, disseram a Vasco Pedro. De um dia para o outro, saiu do projeto.

A Flashgroup acabou por não comprar a Bueda. "Afinal", os fundadores não viam valor em adquirir a tecnologia, disseram a Vasco Pedro. 

O descanso foi temporário. Duas semanas depois, foi convidado por Shaukat Shamim para integrar a equipa de fundadores da Dezine. Um ano depois, “problemas complicados” levaram a uma “sensação de desconexão entre a equipa de fundadores”. Foi o quarto projeto que não resultou.

“Acabou-se o dinheiro este mês e não temos como pagar”, disse Gaurav a Vasco, em junho de 2013. Bruno Silva e Hugo Silva também faziam parte do projeto.“Queriamos muito trabalhar juntos”, lembra o empreendedor. Não houve margem para dúvidas: a Dezine era passado. Sofia Pessanha juntou-se ao grupo, a convite de Vasco Pedro. O surf fez o resto.

A equipa de fundadores da Unbabel: Hugo Silva, Bruno Silva, João Graça, Sofia Pessanha e Vasco Pedro

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Naquele fim-de-semana em Aljezur, o sol do Algarve ditou o futuro dos cinco: dois meses sem receberem para trabalhar a fundo na Unbabel, a startup que junta inteligência artificial com pós-edição humana na tradução online, como se o Google Tradutor casasse com uma tradutora real. “Era diferente de tudo o que tinha feito”, revela.

Somaram-se os acontecimentos. O primeiro protótipo surgiu em setembro de 2013 a par da busca pelo investimento. Queriam cerca de 60 mil euros, para “provar algumas coisas iniciais”, explica Vasco Pedro. “Houve tanto interesse por parte dos investidores que, às tantas, estávamos a negociar uma ronda de investimento de 450 mil euros”, revela.

Não assinaram. No dia em que iam fechar o negócio com os investidores, receberam a boa-nova: tinham sido chamados para participar no Y Combinator, um dos programas de aceleração mais prestigiados do mundo. Sofia Pessanha fez as malas e está nos EUA desde janeiro. O interesse dos investidores pelo projeto cresceu, mas Vasco adianta que já não precisava do dinheiro: o Y Combinator tinha avançado com 100 mil dólares, cerca de 73,4 mil euros.

A equipa cresceu – já não são cinco, são 12 e, em breve, serão 15. Das sete pessoas novas, quatro são estrangeiras. Mudaram-se para Portugal para trabalhar na Unbabel. A segunda ronda de investimento está a ser negociada com investidores portugueses e estrangeiros. O que é diferente desta vez? “A equipa”, diz Vasco Pedro.

“As startups morrem, porque as equipas não funcionam. Uma boa equipa pega num problema e encontra uma boa solução. Uma má equipa pega numa boa ideia e não consegue executá-la”, revela Vasco Pedro. 

são “empreendedores veteranos”

A Unbabel é a quarta startup de Vasco Pedro – as outras três falharam. Hugo Pereira, da Shilling Capital Partners, é um dos investidores. As histórias de fracasso estiveram em cima da mesa, mas não foram suficientes para fazê-lo desistir.

“Os projetos tinham sido bem desenvolvidos, tinha havido um grande esforço e não resultaram por motivos alheios aos fundadores”, adianta. Hoje, dá a Unbabel como exemplo daquilo que considera “empreendedores veteranos”. “Acho que sempre que os falhanços contribuem para um crescimento pessoal, aumentam as probabilidades de sucesso nos projetos seguintes”, revela.

Em Silicon Valley, nos EUA, existem eventos para celebrar os projectos que não tiveram sucesso. É o caso do Failcon. Por cá, existe o World Failurists Congress, por exemplo. Mas o estigma existe? “É muito perigoso estar a fazer generalizações”, diz Francisco Banha, presidente da Federação Nacional de Associações de Business Angels, para quem o falhanço é a consequência de estar a experimentar projetos “normalmente disruptivos”.

“Vemos isso como parte de um jogo empresarial. Se me perguntar se tenho estigma, não, não tenho qualquer estigma”, avança, acrescentando que faz investimentos em startups desde 2000 e que ainda não conseguiu ter sucesso com nenhuma. “Olhamos para os empreendedores num contexto de análise do projeto, independentemente de eles terem falhado ou não no passado. O que nos interessa é saber como estão a abordar as oportunidades que estão agora a apresentar”, revela.

Francisco Banha assume o falhanço como parte do jogo empresarial que é o investimento em startups. A investir desde 2000, diz que ainda não conheceu o sucesso. 

Na Beta-i, as experiências passadas, ainda que fracassos, são bónus nas candidaturas aos programas de aceleração. “Se os empreendedores tiverem uma experiência passada isso é valorizado, a não ser que percebamos na entrevista que são pessoas teimosas, que não sabem ouvir. Existem erros que se fazem nas primeiras vezes que são típicos de quem não tem experiência, o que é normal. Quando se dá uma terceira oportunidade, há coisas que se conseguem evitar”, diz Pedro Rocha Vieira, presidente da associação.

Álvaro Ferreira e Afonso Santos lançaram a Tuizzi em abril de 2011, depois de perceberem que a Puredreams não lhes daria o futuro que queriam. Quatro anos dedicados a uma empresa de webdesign acabaram no lançamento de uma espécie de “booking.com” para o mercado da publicidade exterior. Quando bateram à porta dos investidores com a segunda ideia, contaram a história toda.

“Acho que não teve qualquer impacto na decisão”, conta Álvaro Ferreira. Na perspetiva do empreendedor do Porto, o que é valorizado é o impacto do projecto no mercado, a ideia, mas, sobretudo, a equipa. “Uma ideia boa sem uma equipa boa, que execute, não vale de nada”, adianta, acrescentando que é o passado das pessoas, o seu currículo, que conta. “Acho que lhes dá mais segurança apostar em pessoas que já mexeram, já fizeram e já falharam”, diz.

“mea culpa”, diz a emoção

Erros comuns? Ligações emocionais, incompatibilidades com a equipa, falhas na adequação dos projetos ao meio. “Learning is what you get, when you don’t get what you want” [Aprender é o que consegues, quando não consegues o que queres], diz Sofia Pessanha a meio da conversa com o Observador. Também ela veterana, sentiu na pele o falhanço quando regressou a Portugal em maio de 2013, com um ano e meio de vida investido na Actual Sun, startup que lançou com Luc Murray nos EUA, para comercializar um software que gere parques solares.

“Foi horrível, porque falhar é horrível. Senti que falhei como gestora, porque não consegui encontrar as regras certas para a minha equipa, não consegui negociar o contrato, perdi o dinheiro dos meus investidores”, conta. A ideia que deu origem à Actual Sun nasceu na cabeça de Luc Murray, namorado de Sofia, em 2011. Um ano depois, o casal mudou-se para os EUA. O projeto tinha sido seleccionado para participar num programa de aceleração de empresas ligadas à energia e recebeu o primeiro investimento, cerca de 30 mil dólares, 22 mil euros.

O que correu mal? “A equipa”, diz Sofia Pessanha, repetindo Vasco. Primeiro, uma ligação emocional muito instável com Luc, recorda. “Havia muita tensão e muito stress por causa do negócio, que acabava por espelhar-se na startup e vice-versa. Não conseguimos encontrar um equilíbrio.” Depois, a falta de compatibilidade – os membros da equipa tinham competências semelhantes. “Havia gestores a mais, produtores a menos, uma mistura emocional. Só poderia acabar por explodir”, diz. Explodiu. Cansou-se emocionalmente de “tanta luta” e voltou para Portugal “nas lonas”.

Sofia Pessanha voltou para Portugal depois de um ano e meio dedicado à Actual Sun

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Conhecer a história de Sofia Pessanha é pegar num avião e partir sem data para o regresso. Começa em 2003, em Madrid, quando, recém-saída da faculdade, foi para a Sonae trabalhar. Dois anos depois, despediu-se, vendeu o carro, comprou uma mochila e seguiu para a Índia. “Chamei-lhe o meu MBA da vida”, conta.

Foram oito meses de viagem. Índia, Singapura, Tailândia, Cambodja, Laos, Vietname, China, EUA. A paragem em Portugal devia ter sido temporária mas, dois dias depois de ter aterrado em Lisboa, ligaram-lhe da Timwe. Queriam trabalhar com ela. “Era um comboio que não podia perder”, conta. Retomou as viagens, desta vez em trabalho. Estava fora do país durante seis semanas e voltava. Cansou-se. “Preciso de raízes, de me sentir envolvida na comunidade onde estou. É muito importante para mim ter uma casa, um sítio ao qual pertenço”, diz. A Timwe estava a crescer e a tornar-se “grande demais” para Sofia.

A história repetiu-se. Quatro anos depois de ter deixado Madrid, Sofia Pessanha deixou a Timwe. Não fez as malas, “estava farta”. Foi para a praia todos os dias e aprendeu a fazer Kitesurf. “Tive um verão sabático”, conta. Entretanto, juntou-se a Pedro Rocha Vieira no lançamento da Beta-i. Daí à Actual Sun foi um salto. Foi outro até ter conhecido Vasco Pedro.

À quarta-feira, a equipa de fundadores da Unbabel tem uma dívida para saldar. Não a pagam com dinheiro, tecnologia ou conhecimento, pagam-na ao passarem uma manhã por semana a praticar surf. É a dívida emocional, conta Vasco Pedro. “O tipo de dívida que mais mata as startups”.

Fevereiro de 2013: o surf já une os empreendedores desde a altura da Dezine.

Nem o CR7 transformou a mobitto em ouro

Dezembro de 2012. Cristiano Ronaldo anuncia ao mundo, através das suas contas de Facebook e Twitter, que vai investir numa startup portuguesa, a Mobitto. José Simões e Diogo Teles são os rostos por trás da aplicação móvel, que prometia aconselhar empresas, lojas e abrir o acesso a descontos, com base em recomendações dadas pelos utilizadores.

A ideia surgiu em 2010, na Rússia, durante o doutoramento de José Simões. Em julho de 2011, o projeto foi selecionado para participar num programa de aceleração de startups em Madrid e começou a crescer. A procura por investimento começou em maio de 2012 e é nesta altura que José Simões deteta o primeiro erro: o investimento foi feito através de suprimentos, ou seja, pagava apenas as despesas da startup. Sete meses depois, queria sair de Portugal e que a Mobitto se tornasse num projeto global.

“Pensámos que seria interessante ter um embaixador da marca e começámos a pensar em alguém que fizesse sentido globalmente. Esse alguém era o Cristiano Ronaldo”, conta. Os contactos começaram e o craque português acabou por se juntar ao projeto. Mas as coisas na equipa não estavam a funcionar.

“Contratámos muitos fornecedores externos, sobretudo de webdesign, o que foi um grande erro. Atrasámos o pagamento em cerca de uma semana a uma pessoa, que resolveu tirar tudo o que tinha feito dos servidores e isso também gerou uma questão legal”, conta. Os problemas com a equipa tinham começado e depressa chegaram aos investidores. Diogo Teles saiu do projeto em abril de 2013 e José Simões tentou um acordo com os investidores. Seis meses depois, desistiu. “Não valia a pena lutar contra algo que não dependia de mim”, conta.

O fracasso da Mobitto não assustou José Simões. O empreendedor está a trabalhar no Brasil e quer ganhar dinheiro para poder voltar a arriscar.

São Paulo, Brasil, Fevereiro de 2014. José Simões trabalha num site de comércio eletrónico. Quer ganhar dinheiro, ter conforto financeiro para poder voltar a arriscar. “Gostei tanto da minha experiência que aprendi que é isto que quero fazer: criar coisas, criar projetos”, revela. Sobre a Mobitto, acha que as coisas não correram mal, foram, antes, uma aprendizagem. Se fosse tirar um MBA, não aprendia metade do que aprendeu, revela.

“Hoje, estou numa posição privilegiada em termos de mercado de trabalho não só em Portugal, mas globalmente, pela experiência que tive”, conta. Diz que lançar startups está na moda, o que é positivo e negativo. Positivo, porque há muita gente a empreender. Negativo, porque parece fácil quando não é, sobretudo por causa da rápida mediatização dos projectos.

José Simões confessa que lhe faltou pensar mais como empresário. Caiu no erro de tentar mediatizar a Mobitto e focou-se pouco no negócio. “Começo a admirar as pessoas mais velhas, que diziam que as empresas eram para dar dinheiro e não para aparecer nas notícias. Os mais jovens têm essa tendência e eu também a tive, mas é uma lição que aprendemos”, conclui.

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