Os lesados da pandemia têm estado no centro da campanha de Tiago Mayan Gonçalves. Quando soube que o país ia voltar a confinar, o candidato da Iniciativa Liberal foi a uma barbearia — a do seu barbeiro de décadas, Tozé Veloso — clamar por mais apoios num momento de exceção. Não é, tem-se fartado de garantir o candidato, incongruência com o liberalismo, com a crítica ao Estado, com a avaliação que faz de um Estado “gordo”, “burocrático”, “ineficaz”, “pesado”, que muitas vezes “atrapalha” o cidadão mais do que o ajuda. É o momento que o impõe e é a recompensa a quem contribuiu para ele: “Se o Estado não serve para isto, para que é que serve?”

Esta segunda-feira, Tiago Mayan tinha uma conversa por Zoom agendada com mais de uma dezena e meia de empresários e associações do Algarve, de setores tão díspares como a hotelaria, a restauração, a agricultura, o turismo, os eventos e o setor dos ginásios. E a ideia era ouvir os problemas de negócios que atravessam “uma severa dificuldade” por causa da Covid-19, mas também “mensagens e histórias de esperança”, que ilustrassem como o setor privado se tem reinventado e reajustado. “Sem ajudas suficientes do Estado”, faz sempre questão de lembrar.

Houve tempo para ouvir histórias que trazem otimismo. Houve tempo para tudo, na verdade. A conversa por Zoom durou quase duas horas e meia. Tiago Mayan Gonçalves ouvia, ouvia, ouvia e depois comentava as intervenções — divididas por setor de atividade. Mas se também houve mensagens positivas, o tom geral foi de desalento, de alertas de abandono, de queixas do Estado. Lamentos que por vezes reforçavam a visão que o liberal faz dos problemas, que no diagnóstico soavam a música aos ouvidos do candidato: queixas sobre a carga fiscal excessiva (que partilha), sobre a desigualdade de tratamento entre públicos e privados, sobre a burocracia que trava o avanço e desenvolvimento e que trava até apoios pandémicos. Outras vezes, nem tanto — apontava-se a falta de investimento estrutural na região algarvia.

O tom geral foi de desalento e um dos momentos mais sintomáticos aconteceu quando chegou a vez de João Sotto Mayor, empresário da restauração e da noite, intervir. O líder do Movimento A Pão e Água, que teve Ljubomir Stanisic como um dos porta-vozes e que pedia mais apoios para a restauração, começava por um aviso: “Tiago, da minha parte vai ser difícil ter palavras de esperança”.

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Na imagem que surgia no ecrã do candidato à Presidência da República — que ouvia e ia escrevendo anotações a caneta azul num caderno para mais tarde comentar —, João Sotto Mayor mostrava uma chave. Depois de dizer que “em nome da restauração posso dizer que todos os apoios foram insuficientes e tardios, quase irrisórios” e que “um lay-off de 50% para um trabalhador não existe nas contas de um restaurante” que continua a ter outras despesas fixas, explicou de que se tratava.

“Vou partilhar isto convosco, é importante partilhar uma história pessoal”, dizia João Sotto Mayor. A chave mostrava uma falência: a sua e muito recente. “Fechei hoje um negócio que tinha há 12 anos. Este verão, no Algarve, trabalhei 27 dias. É insustentável manter as contas em dia”, prosseguia, dizendo que “é um discurso triste mas é a realidade da restauração do nosso país: famílias atra´s de famílias vão fechando os seus estabelecimentos”.

Tiago Mayan Gonçalves ouvia e anotava com a canhota, ele que só tende para a esquerda nas ações manuais. Escutava que boa parte da economia algarvia depende, talvez excessivamente, de um setor que em 2020 minguou como uma bola de sabão. Ouvia que o travão ao turismo britânico fora explosivo de tão destrutivo. Reforçava a ideia que as moratórias só adiam problemas para os quais os empresários não veem solução. Escutava quem dizia que o Estado legisla demais, regula demais — houve por exemplo queixas de Nuno Fernandes, um proprietário de hostels em Faro, sobre uma recente portaria do Governo que implicará obras em muitas destas unidades de alojamento. E ouvia queixas sobre os maus cuidados de saúde públicos no Algarve, uma história sobre “um rapaz que fraturou um braço e acabou por ter de ir ao privado, queriam mandá-lo para Lisboa…”.

O candidato ia deixando algumas intervenções: já percebera, dizia, que “o Carnaval e a Páscoa são períodos absolutamente perdidos para vocês” e que para que haja “um verão para o Algarve”, minimamente normal, “as coisas têm de ser feitas já”. Insistia na importância de assegurar à população bons cuidados de saúde sejam eles públicos ou privados, para tratar a Covid-19 mas também para responder a doenças não-Covid. E deixava uma mensagem que sintetiza o seu pensamento sobre como deve o Estado reagir à pandemia: “As medidas do Governo que decretam encerramento de atividades ou limitações severas têm de vir acompanhadas do cheque. É isto que o Governo não tem feito, ou tem feito de forma que seria normal num cenário de crise — com medidas como o play-off, por exemplo — mas que não é resposta para este situação de total exceção”.

Mais tarde dava um exemplo, comentando a intervenção de uma empresária do setor dos ginásios que só pedia menos impostos: “Eis um exemplo simples do que o Estado pode fazer, simplesmente baixar o IVA. É um apoio direto e imediato. Pode começar a isentar setores que não estão a ter receita da cobrança de TSU, do pagamento especial por conta. É absolutamente incompreensível que o Estado seja o único a ter receita neste período”.

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Um candidato com vontade de crashar um casamento

Quase duas horas e meia de conversa online dão para tudo. Para problemas técnicos, inevitavelmente. A dado momento, já a conversa ia adiantada, ouvir-se-iam os seguintes comentários de candidato presidencial e da moderadora que chamava os oradores: “Doutora Lurdes, está com dificuldades, se depois conseguir entrar… [uns minutos depois] Não sei se já temos aqui a doutora Lurdes, parece que sim… [um ou dois minutos depois] Pode falar à vontade, doutora Lurdes, pode falar. Aqui deste lado está tudo bem, toda a gente está a ouvi-la bem. Pode continuar, se faz favor”. E até dão para uma promessa de encontro físico e já não virtual num casório. Depois de ouvir Noélia, uma empresária da área dos eventos e casamentos, Tiago Mayan despediu-se dela com um desafio: “Noélia, não me vou casar nos próximos tempos mas se me convidar para um posso fazer wedding crashing [‘crashar’ um casamento]”.

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Marcelo foi o alvo matinal, o Governo é o alvo de sempre

De manhã, Tiago Mayan Gonçalves tivera Marcelo Rebelo de Sousa em ponto de mira: num debate com três rádios em que ignorou quase olimpicamente os candidatos à esquerda, o candidato concentrou as críticas entre o Governo (pela gestão da pandemia) e Marcelo Rebelo de Sousa, que acusou de tudo e mais alguma coisa. À tarde, ao ouvir empresários agastados com o impacto da Covid nos seus negócios — mas também com a falta de resposta do Estado, que muitos consideraram não ser só de agora, que muitos consideraram ser até prejudicial aos seus negócios —, foi deixando várias críticas ao Governo que só reforçou na reação às novas medidas anunciadas por António Costa. Todos os dias, Tiago Mayan Gonçalves tem chamado à pedra um executivo que vê como uma desgraça — e esta segunda-feira, depois de ouvir Costa, insistiu que a culpa do descontrolo da pandemia não é dos cidadãos, é de um Governo que não se chega à frente para pagar “a fatura” do confinamento, que “criou exceções” que permitiram às pessoas sair à rua e agora se queixa, que fez Portugal chegar “a um ponto a que nenhum país da Europa chegou”.