Casa arrumada, líder consumado, olhos postos no futuro. André Ventura pôs uma pedra sobre o caso dos desalinhados com a corrente da direção e garantiu que era preciso olhar para fora, jurando a pés juntos que o partido está pronto para governar. A começar pela Madeira, o primeiro objetivo do ciclo eleitoral e a primeira prova de fogo do partido depois de umas eleições legislativas que mudaram o rumo do Chega. Mais: servirá de antecâmara para aquilo que pode ou não acontecer nas alianças entre os dois partidos durante o reinado de Luís Montenegro.
Depois, dá-se uma circunstância particular: ao contrário do que aconteceu nos Açores ou do que acontece no continente, o grande adversário do Chega, a força que importa derrubar, não é o PS; o alvo é o PSD, o único partido que liderou a Madeira desde o 25 de Abril. Ou seja, o partido liderado por André Ventura está pela primeira vez na pele de quem, querendo governar com o partido instalado no poder, vai ter de atacar o regime representado pelo PSD/Madeira.
“Temos uma equipa que vai fazer tremer o Governo da Madeira.” O mote foi lançado logo no primeiro discurso de André Ventura e criou o ambiente perfeito para que fossem reunidos todos os ingredientes necessários. Os ecos das críticas que iam saindo de Santarém chegaram à Madeira e a pimenta que faltava igualmente do arquipélago. No dia seguinte, pela voz de Miguel Albuquerque, que desvalorizou o partido de André Ventura. E fê-lo sem meias medidas: “No contexto regional, o Chega não tem relevância.”
Quando faltam poucos meses para que a Madeira vá a votos — e com Chega e IL a quererem cavalgar os resultados nacionais no arquipélago —, Miguel Albuquerque reforçou que o PSD/Madeira irá às urnas novamente coligado com o CDS e com o intuito de assegurar a maioria absoluta.
O presidente do Governo Regional da Madeira sublinhou até que “tudo o que são questões laterais são questões interessantes para os partidos que não estão no poder, que são oposição ou nem sequer têm assento parlamentar”. Era a prova final de que o Chega não está na equação dos sociais-democratas. Não para o PSD, não para quem olha de cima, sugeriu Albuquerque.
Miguel Castro, do Chega/Madeira: “Miguel Albuquerque tem tiques de ditador”
Fazer a Albuquerque o mesmo que a Costa
A resposta não demoraria a chegar. Em entrevista ao Observador, Miguel Castro, líder do Chega/Madeira e provável candidato do partido ao Governo Regional, acusou Miguel Albuquerque de ter “tiques de ditador“. Depois, já em cima do palco do CNEMA, dirigiu-se diretamente ao presidente social-democrata: “Senhor Miguel Albuquerque, continue a ignorar o Chega, continue de casamento feito com o defunto CDS porque o casamento do Chega/Madeira só poderá ser com os madeirenses. Não somos compadres, nem temos de o ser, o Chega vai entrar no parlamento regional”.
“Miguel Albuquerque está incomodado com a presença do Chega”, sintetizou Miguel Castro. Sem nunca se comprometer com resultados concretos (para ter “revelância política”, o dirigente sugeriu que era preciso ter “três, quatro, cinco, seis, sete deputados”), o líder do Chega/Madeira focou-se apenas em atingir o objetivo mínimo: entrar no parlamento regional pela primeira vez na história do partido.
Depois, tudo dependerá da força relativa de cada partido, sendo que ninguém esconde que o plano passa por roubar a maioria à coligação PSD/CDS. Ora, grande parte do segredo para fragilizar os sociais-democratas passa por fazer a Miguel Albuquerque o mesmo que o Chega faz a António Costa no continente: colar os sociais-democratas a um cultura de “nepotismo, corrupção e compadrio”.
Aliás, em entrevista ao Observador, Miguel Castro sublinhou várias vezes que está instalado um “clima de medo” e até um “défice democrático” na Madeira. “As pessoas têm medo em dizer em que vão votar. O Governo Regional manda e desmanda. Ao longo de 48 anos, foi-se incutindo uma governação muito autoritária. As pessoas ficaram sem oposição”, foi repetindo o dirigente do Chega.
E, tal como acontece com o PS no continente, importa centrar os ataques numa figura, no caso Miguel Albuquerque. Nessa mesma entrevista, Miguel Castro responsabilizou Albuquerque pelos alegados casos de compadrio, nepotismo e corrupção — sem nunca concretizar as acusações. Em cima do palco, serviu a mesma estratégia: “Vamos fazer cair a máscara daquele governo que ao longo de décadas tem governado e gerido os dinheiros públicos como quer”, prometeu.
A grande questão que se impõe só terá resposta no dia seguinte às eleições e com base naquilo que o Chega/Madeira estará disposto a aceitar para entrar num acordo com Miguel Albuquerque. Recusa ser “muleta” ou “estender a mão”, diz não à repetição de uma geringonça de direita à semelhança dos Açores, porém garante que cargos não são uma condição sine qua non — ou seja, está tudo em aberto.
Se conseguir ter o peso político que sonha vir a ter, na hora da negociação o Chega/Madeira vai escrutinar todos os “rabos de palha” do líder regional e vai exigir ter uma “mão pesada” dentro do executivo — signifique isso o que signficar. “Esta governação tem deixado indícios de situações de nepotismo, corrupção, de compadrio. Se governássemos com o PSD/Madeira esses casos tinham de estar completamente esclarecidos. Seria uma nova página”, fez questão de sublinhar Miguel Castro.
Por resolver continua a aparente contradição: como é que o Chega vai justificar perante o seu eleitorado que quer governar com alguém que tem “tiques de ditador” e que é pessoalmente responsável pelo caldo de “corrupção, nepotismo e compadrio” que se instalou há décadas na Madeira. Para já, os responsáveis pelo Chega vão ensaiando meias-respostas.
“O Chega/Madeira está disponível para se sentar e conversar [com o PSD/Madeira]. Não temos a ambição de fazer parte de um governo e só viabilizaríamos um governo se tivéssemos uma mão forte, [com] a importância de fiscalizar, aprovar ou reprovar”, sugeriu Miguel Castro. Está encontrado o discurso, faltarão encontrar as soluções práticas — que dependerão sempre dos resultados eleitorais.
O Chega sabe que não pode voltar a permitir uma solução como a que existe nos Açores. Tem consciência de que os tempos são outros (José Pacheco, do Chega/Açores, disse mesmo ao Observador que o acordo está “rasgado” e que “falhou tudo”) e que é preciso não voltar a cometer os mesmos “erros”: a ambição é garantir um bom resultado na Madeira; mas este não será nunca usado para ser um Açores 2.0.