Era quase impossível imaginar uma noite eleitoral mais difícil para o Chega. Depois de eleger 50 deputados nas legislativas, o partido caminhava em cima de confiança. André Ventura elevou a fasquia para o patamar mais elevado, ainda que Tânger fosse sendo mais humilde, mas ninguém no partido acreditava num resultado que apenas permitisse a eleição de dois eurodeputados. A hecatombe ficou por um fio — no fim da noite ainda deu para festejar a permanência no pódio como terceira força política.
A música dos Queen, mesmo ao cair do pano e depois dos discursos de quase-derrota, deixa um desejo para futuro: “Don’t stop me now.” Mais do que um desejo, a crença de que o resultado das eleições legislativas não seja, como chegou a dizer em campanha, um “epifenómeno”. Ventura acreditava que o resultado nestas europeias seria a prova de que esse “não foi um resultado ao acaso”, mas a queda de 785 mil votos e de mais de oito pontos percentuais — estacionando nos 9,8% — estragou-lhe os planos e deu ao Chega um amargo que praticamente não tinha sentido em cinco anos. O agora eurodeputado Tânger Corrêa resumia o sentimento de uma sala fria durante toda a noite: “Hoje não foi um dia bom para o Chega.”
Para festejar, há duas razões: a chegada ao Parlamento Europeu e o conseguir manter-se como terceira força política. Ambas longe do sabor da vitória que o Chega tem vindo a provar de eleição para eleição. Desde logo, a Iniciativa Liberal, com Cotrim como protagonista, conseguiu mais votos do que nas últimas eleições e aproximou-se muito do Chega. Não foi suficiente para alcançar o terceiro lugar e esse acabou por se transformar num dos poucos motivos de festejo da noite.
“A noite trouxe-nos uma realidade que não podemos ignorar e que faz sempre falta ser assinalada: nem liberais nem extrema-esquerda, continuamos a ser a terceira força política portuguesa”, enalteceu André Ventura, que sublinhou um “entusiasmo” ao início da noite com “frenesim por todas as televisões, jornais e sedes partidárias” e que terminou com um sentimento misto: “O Chega não venceu, mas ninguém ultrapassou em ranking de força política em Portugal.”
De resto, numa noite sem entusiasmo e onde só se cantou quando Ventura e Tânger chegaram à sala do quartel-general, o partido acabou a tentar desviar-se de leituras ainda maiores ao ver o copo meio-cheio: o Chega não tinha eurodeputados e passa a ter dois. Tiago Moreira de Sá, ex-PSD, vai fazer companhia a Tânger Corrêa em Bruxelas — pelo caminho ficam Mariana Nina, ex-IL, e Francisco Almeida Leite, ex-secretário de Estado no governo de Passos Coelho. As contas mais humildes do cabeça de lista foram sempre apontado um mínimo de quatro deputados — ainda que Ventura fosse acrescentando ambição.
Mesmo assim, Tânger chegou a assumir que o resultado agora conseguido não servia, de todo, as suas intenções. Em declarações ao Observador, durante a “Última Chamada”, o cabeça de lista disse que “uma derrota seria eleger dois deputados” — “Isso seria claramente uma derrota”, acrescentou, sublinhando que se o partido conseguisse quatro ou cinco já não considerava “de todo uma derrota”. Ficou-se por aquilo que acreditava ser uma derrota no discurso em que reiterou que o Chega tinha a melhor lista, reconheceu ter “pena” que vão apenas dois — “mas bons”, garantiu.
O sabor amargo de “um resultado que não foi uma vitória assim tão grande”
A apanhar os cacos de uma noite que foi tudo menos de festa, Ventura foi dando o peito às balas dizendo-se o “único responsável” pelos resultados e defendendo que Tânger foi uma “boa escolha” — ainda que o número um tenha chegado a assumir que uma derrota seria responsabilidade própria. Apesar de considerar “impossível falar de derrota” quando o partido se estreia no Parlamento Europeu, também diz que não é dos que “tiram vitórias morais em todo o lado”.
“Não vou dizer que tivemos a vitória que não tivemos”, começou por dizer André Ventura, que foi atenuando nas palavras para descrever a não-vitória, desde “não nos deixamos afetar por um resultado que não foi uma vitória assim tão grande”, à ideia de que “em política há que saber ter momentos de grande vitória e momentos de menos vitória” ou até que a “mensagem foi passada, mas não foi tão forte que nos desse a vitória” e “esta não foi a noite que desejávamos, mas foi uma noite de vitória também”. Entre uma vitória poucochinha e a vitória que Ventura pretendia ficou uma realidade que deixa o Chega a pensar no que pesou para um resultado tão distante de 10 de março.
Até porque, no partido, não só há desilusão com a eleição de apenas dois eurodeputados, como se acreditava que o Chega já tinha um eleitorado mais fiel e que não deixaria de ir votar, independentemente do candidato ou das eleições. As contas não se confirmaram e ficou instalada a dúvida sobre se os fugitivos regressaram à abstenção ou castigaram o partido pelos últimos meses — e a certeza de que não há certezas. André Ventura recusou a segunda tese, ao dizer que “os eleitores certamente querem baixar portagens, certamente querem o IRS mais baratos, certamente querem ter menos encargos na sua vida e uma vida melhor” e quando questionado sobre se a posição do Chega no que toca ao Orçamento do Estado, por exemplo, pode ter algum impacto, assegurou que não: “O Chega mantém a sua firmeza de posições, vamos manter a mesma linha que temos tido até agora porque foi essa que nos levou aos resultados de vitória e não nos deixamos afetar por um resultado que não foi uma vitória assim tão grande.”
Entretanto, não respondeu se entende as razões que levaram a uma queda eleitoral desta dimensão, mas justificou que estas “são eleições completamente diferentes”, em que “votou muito menos gente e não se estava a escolher o candidato a primeiro-ministro”, porém, recordou que “o Chega continua com 50 deputados na Assembleia da República” e se mantém como terceira força política.
Mais a mais, não entrou num caminho diferente daquele que tem vindo a seguir e optou mesmo por atacar Luís Montenegro durante o discurso ao dizer que o é o PSD que “dá a mão ao PS” e que “tem sido a muleta do PS em Portugal”. Para se distanciar, desvendou um posicionamento que nem sempre foi assim tão claro: “Quero deixar a garantia de que, ao contrário do que diz o primeiro-ministro e líder do PSD, o líder do Chega nunca permitirá que se apoie António Costa para qualquer cargo no mundo.”
A ambição que não sai abalada
Ciente de que esta noite terá um lugar na história de um partido que não conhecia nada que não uma consequência de eleições sempre a crescer, André Ventura quis mostrar que em política “há noites de vitória, noites de derrota e noites de meias-vitória”, mas também noites que ensinam o poder da resistência. “Quero deixar a todos, todos, todos, a garantia pessoal e intransmissível que para nós esta é mais uma etapa do caminho e quero deixar aos portugueses a certeza de que nada nem ninguém se intrometerá num caminho que só acabará com a vitória do Chega nas eleições em Portugal”, prometeu o líder do Chega.
Ventura deixou claro que depois de 10 de março “o Chega entra em todas as eleições para vencer”, alertou o país político para que “não pense que pode extrapolar destas eleições resultados de eleições legislativas ou de outras” e assegurou que, a partir de “amanhã mesmo”, “começará a trabalhar para vencer Portugal e para ganhar, cedo ou tarde, o governo de Portugal”. Por enquanto, a ferida destas eleições fica aberta, mas Ventura recusa a narrativa de que este tenha sido um cartão amarelo do eleitorado ao Chega.
Agora, fica por saber se quer assim tanto umas legislativas antecipadas que já disse estarem para “breve” ou se quer colocar o pé no travão com receio de uma desilusão que podia ser mais uma pedra no caminho.
Até lá, Ventura tem um desafio que foi durante toda a campanha um tabu: decidir como será a vida do Chega numa família política europeia. Depois do discurso, revelou que na próxima quarta-feira haverá uma reunião em Bruxelas com líderes dos partidos do Identidade e Democracia (ID), onde vai tentar estar presente dependendo da agenda, e referiu que a partir desse dia “haverá novidades sobre isso”.