O processo de venda do Novo Banco está a entrar numa nova fase, numa altura em que, sabe o Observador, a auditoria forense encomendada pelo Banco de Portugal à PwC está quase pronta. Um documento que poderá revelar o quão “airosa e formosinha” é esta “carochinha” para quem o Banco de Portugal procura um “noivo”. O governo quer, “sem pressa”, mas “o mais rapidamente possível”, que as “manifestações de interesse” de que falou a ministra das Finanças se transformem em propostas. Quem irá ficar com o Novo Banco e, por falar em propostas, serão para comprar o banco como um todo ou “às postas”?
“Há um prazo de dois anos para vender. Mas haverá condições para vender muito antes desse prazo“, afirmou a ministra das Finanças, no Parlamento, a 8 de outubro. Porquê? Porque “tem havido manifestações de interesse de várias instituições”, explicou Maria Luís Albuquerque. Do ponto de vista do interesse que já foi tornado público, pelo menos um interesse em “estudar” um possível investimento, contam-se o BPI, o Santander Totta e, esta semana, os chineses da Fosun, que compraram a Fidelidade e a Espírito Santo Saúde. No mercado, admite-se também um possível interesse de mais dois espanhóis – o BBVA e o Banco Popular – e, também, de investidores brasileiros e britânicos. Sem excluir, é claro, o surgimento daquilo que os analistas chamam “dark horse”, isto é, alguém que surja aparentemente vindo do nada e que se assuma como um candidato de peso.
A expectativa entre os analistas é a de que o Banco de Portugal, que contratou o BNP Paribas para ajudar no processo de venda, conseguirá vender o Novo Banco nos próximos meses. Mas, para já, “acredito que antes de ser divulgada a auditoria forense [da PwC] será difícil haver propostas concretas, porque há muito pouco a que os interessados se possam agarrar nesta fase”, diz um analista do setor ao Observador. Falta informação: “não há um balanço que possa ser analisado e não há indicação de que sejam divulgados resultados trimestrais”, salienta o especialista. Isto, claro, diz o analista, sem prejuízo da informação que o próprio governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, terá levado consigo, por exemplo, quando visitou potencias investidores na capital espanhola, em finais de setembro.
“O maior risco para os potenciais investidores é a possibilidade de serem revelados ativos tóxicos que não foram identificados quando o banco foi separado. Apesar da divisão em “banco bom” e em “banco mau”, o Novo Banco poderá ainda conter ativos problemáticos”, diz um gestor da corretora XTB Portugal, Steven Santos. Um outro gestor de investimentos ouvido pelo Observador diz que “o mais importante para quem comprar o Novo Banco é ter a certeza de que não sofre uma chicotada legal logo a seguir e que se arraste ao longo de décadas nos tribunais“.
Tendo em conta a complexidade dos acontecimentos que levaram ao colapso do Banco Espírito Santo (BES) e à criação do Novo Banco, “ninguém pode garantir que a impermeabilização tenha sido feita de forma perfeita e que não continuem a existir riscos de litigância” no banco ou nas suas várias unidades, afirma o investidor. Estes “receios residuais” de litigância são, a par da “incerteza em torno do crescimento económico em Portugal”, uma das razões por que uma fonte da banca de investimento disse ao Financial Times que “só com sorte [o Banco de Portugal] conseguirá obter metade do valor contabilístico”, isto é, os 4.900 milhões de euros com que o Fundo de Resolução capitalizou o Novo Banco.
Novo Banco vai ajudar a devolver a diferença da própria venda
O analista do setor com quem o Observador falou conta que, no mercado, a expectativa atual diz que “nesta altura, o valor de que se fala ronda dois mil milhões de euros“. O que, a confirmar-se, configuraria uma diferença de quase três mil milhões de euros face ao montante que o Fundo de Resolução injetou no Novo Banco. 4.900 milhões? “Nem pensar nisso”, diz o analista. Já Steven Santos explica que “o montante injetado no Novo Banco serviu para repor os então depauperados rácios de capital, não representando o valor de mercado do banco”. Como já é bem sabido, serão os outros bancos do sistema financeiro português a suportar, na medida da sua quota de mercado, a perda do montante que já havia sido colocado no Fundo de Resolução, mas também a ressarcir o Estado.
O Novo Banco, uma vez vendido ou incorporado noutra instituição, e tendo em conta a posição de mercado que herdou do BES, será um dos bancos a ter de compensar o Fundo de Resolução caso a venda seja feita a um preço inferior. Este será um dos desafios imediatos da instituição assim que esta encontre um “noivo”, diz o gestor de investimentos que preferiu não ser identificado, além de “recuperar a perda de depósitos registada no auge da crise” e que, segundo a carta enviada pelo Governo a Bruxelas a pedir a autorização para a resolução do BES e criação do Novo Banco, atingiram um valor até dois mil milhões de euros só em julho.
O “buraco” no Fundo de Resolução resultante de uma provável venda abaixo da injeção de capital terá de ser tapado de imediato, ou seja, assim que a venda for concluída. Mas poderá haver uma negociação entre os bancos e o regulador para diferir, ao longo de vários anos, o impacto contabilístico dessa imparidade. Esta será uma das principais reivindicações dos bancos nacionais que, segundo um dos especialistas ouvidos, “estarão certamente a fazer um lóbi intenso para tentar compensar de várias formas uma perda” que será tanto maior quanto a diferença entre o valor de venda do Novo Banco e o montante que o Fundo de Resolução injetou na entidade.
Uma venda por inteiro ou “às postas”?
O “lóbi intenso” de que fala o gestor de investimento lisboeta que falou com o Observador está longe de se limitar à forma como a banca nacional tentará menorizar o impacto da perda com a venda do Novo Banco a um valor mais baixo. Antes de mais, os bancos nacionais estarão a “fazer o possível para garantir que o Novo Banco é vendido a quem já está no mercado português, em oposição a uma venda a alguém que venha entrar no mercado português através da compra de um banco que, apesar de tudo, já tem uma quota de mercado significativa e que será vendido a preço de saldo”. “São eles [os bancos portugueses] que vão assumir a perda se o Novo Banco for vendido a um preço mais baixo. Se, além disso, este episódio ainda resultar na entrada de mais um concorrente de peso, é uma dupla perda para os bancos nacionais”, remata o especialista.
Ainda é cedo para fazer prognósticos sobre quem irá garantir o concurso do Novo Banco, dizem os especialistas, mas cresce a expectativa no mercado de que se o Novo Banco for vendido a um investidor estrangeiro será entregue como um todo. Se, ao invés, “for encontrada uma solução interna, o mais provável é que o banco seja retalhado e vendido em partes separadas“, diz um gestor de carteiras de uma instituição financeira nacional. “Uma venda ao exterior poderia maximizar o valor para o Estado e ser mais benéfica, depois, para os consumidores [de serviços bancários em Portugal]. Mas veremos”, diz o especialista. A alternativa é uma venda do Novo Banco “às postas”, a expressão utilizada pelo deputado socialista João Galamba, no Parlamento, durante a audição a Carlos Costa e Maria Luís Albuquerque, a 8 de outubro.
Os possíveis pretendentes. Pelo menos, os já conhecidos
Os chineses da Fosun surgiram nos últimos dias como um possível candidato de peso ao concurso do Novo Banco. A empresa que comprou a Fidelidade à Caixa Geral de Depósitos e, agora, a Espírito Santo Saúde, disse em entrevista à Bloomberg que vai “analisar” o processo. “Conhecemos o Novo Banco. Vamos rever todas estas oportunidades de investimento. Se for um bom valor para a Fosun, vamos ter isso [o Novo Banco] em conta. Mas não apenas o Novo Banco”, afirmou o administrador financeiro do grupo, Ding Guoqi, na quarta-feira.
“Poderá ter sido apenas conversa de circunstância, mas não é de excluir que a Fosun possa mesmo ter um interesse consequente no Novo Banco”, diz um analista do setor ao Observador. Trata-se de uma empresa que “não se ficou por comprar uma seguradora e juntou a esse investimento uma rede de hospitais privados. Um banco desta dimensão pode fazer sentido para eles”, diz o analista. Steven Santos, da XTB Portugal, considera que esta poderia ser, para os chineses, uma “entrada de rompante na banca portuguesa”.
O interesse da Fosun junta-se, assim, à possível cobiça por parte do BPI e do Santander, vistos pelo mercado como os principais candidatos ao concurso do Novo Banco. Além destes, é frequentemente referido o interesse do BBVA e do Banco Popular, além de outros potenciais investidores britânicos ou brasileiros que possam surgir.
O BPI admitiu a 8 de outubro que pode estar interessado. “Penso que é um dever profissional de quem tem uma equipa executiva de um banco que está a operar no mesmo mercado e que tem uma dimensão que lhes permite encarar esta oportunidade [de compra do Novo Banco], como é o caso do BPI, estudar o que essa oportunidade pode representar“, afirmou Fernando Ulrich, o presidente-executivo do BPI. A vantagem do BPI face a concorrentes como o Santander, o BBVA e o BIC – que em setembro o Diário Económico também colocou no rol de interessados – será Isabel dos Santos, acionista do BPI, para quem o negócio representaria uma posição de relevo no panorama bancário português. Há que considerar também o facto de o BPI ter como maior acionista o CaixaBank (do grupo espanhol La Caixa), com 44,1% do capital.
A venda do Novo Banco, “além de ser uma oportunidade, é simultaneamente um grande risco, porque a responsabilidade pelo Fundo de Resolução é dos bancos. Se o preço ficar aquém do capital que foi investido no Novo Banco, quem suporta esse prejuízo são os outros bancos, entre os quais o BPI”, afirmou Fernando Ulrich, à margem da cerimónia de entrega dos prémios BPI Sénior, a 8 de outubro.
De Espanha pode também vir o interesse do BBVA, que sempre ambicionou ter uma posição de relevo no mercado português. Mas depois de a operação portuguesa ter tido prejuízos de várias dezenas de milhões de euros nos últimos anos, o banco espanhol decidiu sair do mercado nacional, segundo a imprensa espanhola. “Perante a possibilidade de comprar o Novo Banco e de ganhar uma forte posição de mercado a preço de saldo, não é segredo que o BBVA estará a repensar a intenção de sair“, diz um analista do setor ao Observador.
Além do BBVA, o “Novo Banco é uma oportunidade única para o Santander assumir a liderança da banca em Portugal, que, a par da posição de destaque em Espanha, o tornaria no maior banco ibérico”, diz Steven Santos. O presidente-executivo do Santander Totta, António Vieira Monteiro, também mostrou interesse em estudar o processo e reforçou os rumores de que está, a par do BPI, na “linha da frente” para comprar o Novo Banco.
Insistentes são, também, os rumores de interesse por parte do Banco Popular. Rumores que foram alimentados pelas declarações do presidente do banco, no início de outubro. “Posso dizer que pode ser uma oportunidade interessante para o comprador. Nenhum operador desdenharia ou iria desprezar a presença do Novo Banco em alguns segmentos de mercado.” O presidente do Banco Popular disse, citado pelo Expresso, que, contudo, esta é a sua apreciação pessoal. Quanto a um interesse concreto, “cabe ao acionista decidir”, afirmou Rui Semedo.
Será o Banco de Portugal a decidir como e a quem será vendido o Novo Banco. Isto sem prejuízo da “orientação do Governo” que será refletida no voto de Elsa Roncon dos Santos, a representante do Executivo no Conselho Diretivo do Fundo de Resolução. Um conselho presidido por José Ramalho, administrador do Banco de Portugal, e que conta também com José Bracinha Vieira, um terceiro membro nomeado por acordo entre o Banco de Portugal e as Finanças.
Um gestor de investimentos lisboeta diz ao Observador que, seja o banco vendido como um todo ou retalhando geografias, operações, carteiras de crédito e outros ativos, “é muito provável que as manifestações de interesse subam de tom nas próximas semanas”. “Para quem compra, será importante negociar com o Banco de Portugal formas de se escudar dos riscos”, diz o especialista. Já para quem vende, diz o especialista, “importará salvaguardar, nesta negociação, que se não se materializam cenários de risco para os quais já foram feitas provisões, nomeadamente relacionadas com as operações em Angola e se, por isto, houver receitas significativas, esse ‘upside’ seja canalizado para compensar o Fundo de Resolução pela provável venda abaixo do capital injetado”.