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O programa nuclear no Irão começou, tal como em Portugal, nos anos 1950, depois da II Guerra Mundial. O objetivo era o desenvolvimento de tecnologia com fins pacíficos ao abrigo do programa “Átomos para a Paz” proposto pelo então Presidente norte-americano Dwight Eisenhower. Anos depois nascia o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares – que, em 1995, já tinha sido assinado por 190 partes. Agora, este tratado, justifica o acordo que foi negociado com o Irão para redução da capacidade de desenvolvimento de armamento nuclear.
Os Estados Unidos estimam que se o acordo fosse posto em prática, o Irão levaria anos a preparar uma bomba nuclear e não uns quantos meses como se receia, escreve a Bloomberg. A ideia é reduzir a capacidade do Irão de enriquecer o urânio, o material essencial para a produção de armas nucleares. Mas o urânio enriquecido também é usado para a investigação científica e para a produção de eletricidade.
Energia, investigação ou armas: qual a diferença?
A diferença está no enriquecimento. Nem todo o urânio extraído na natureza tem as características que lhe permitem produzir energia, seja para converter em eletricidade ou para a explosão de uma bomba. Por isso é preciso concentrar o tipo de urânio mais favorável a esta reação, ou seja, enriquecê-lo.
O urânio é um elemento químico pesado, com 92 protões no núcleo, mas com um número de neutrões variável. Cada átomo de urânio que tenha um número de neutrões diferente é um isótopo – os mais comuns são o urânio-238, com 146 neutrões no núcleo, e o urânio-235, com 143 neutrões. E é este isótopo do urânio, o 235, que tem mais interesse nas reações nucleares por ser mais instável.
Do urânio que é retirado da natureza, apenas cerca de 0,7% é urânio-235. O enriquecimento implica que o urânio-238 seja separado e que se aumente a proporção de urânio-235 numa amostra. Se o objetivo é produzir eletricidade a proporção de urânio-235 não precisa de ser superior a 5%, para os reatores de investigação científica deve chegar perto de 20%, mas para produzir armas nucleares o urânio tem de ser enriquecido no mínimo a 90%, explicou José Marques, responsável pelo reator no Campus Tecnológico e Nuclear do Instituto Superior Técnico (IST), na Bobadela (Loures).
Como enriquecer o urânio?
O material que se extrai das minas é dissolvido num ácido ou numa base para isolar o urânio num óxido. Este “yellow cake” (bolo amarelo), como é chamado, tem cerca de 85% de urânio, refere José Marques. Mas a maior parte deste é urânio-238 com pouca utilidade na indústria nuclear.
O óxido de urânio que é um sólido tem de passar a gás – um hexafluoreto de urânio – que é centrifugado de forma a separar o urânio-235 do urânio-238, que é mais pesado. O gás vai passando por uma cascata de centrífugas para a proporção de urânio-235 ser cada vez maior. Quanto maior a rede de cascatas, quanto maior o número de cascatas ou quanto mais vezes o resultado final voltar ao processo inicial, mais enriquecido ficará o urânio no isótopo que tem 235 nucleões (partículas do núcleo).
Parte do acordo que tem estado em cima da mesa prevê que o Irão reduza para um terço as 19 mil centrífugas com capacidade para fazer enriquecimento de urânio, escreveu a Bloomberg. Apenas o suficiente para enriquecer urânio-235 a 5% para a produção de energia. Mais, o Irão também deve reduzir a quantidade de urânio enriquecido armazenado para 4% da quantidade atual, para reduzir a possibilidade de conseguirem enriquecer o urânio mesmo depois de perderem grande parte das centrífugas. Se precisarem de mais material têm de o comprar e essas quantidades serão totalmente controladas.
O que é preciso para fabricar uma bomba?
Não basta ter urânio enriquecido a 90% para construir uma bomba. É preciso ter uma quantidade mínima de urânio-235 junta para que a cisão nuclear (a divisão de um núcleo do átomo em dois fragmentos) se mantenha. Mas também é preciso que não aconteça antes do tempo, que a bomba não rebente antes de atingir o alvo. E que aconteçam uma série de cisões num curto espaço de tempo para aumentar o rendimento da bomba, refere José Marques.
A massa crítica é a quantidade mínima de urânio enriquecido (neste caso) para que se mantenha uma reação em cadeia – quando da fissão do núcleo em dois fragmentos há libertação de neutrões que desencadeiam a cisão de outros núcleos propagando a reação. Mas a cisão dos núcleos vai libertando energia e diminuindo a massa, logo diminuindo a massa crítica antes que esta tenha o efeito explosivo que se pretende numa bomba.
No caso das bombas nucleares, a massa crítica é de cerca de 25 quilogramas (ou menos, caso se consiga aumentar a densidade). Para garantir que a reação na bomba se mantém e que as cisões acontecem a um ritmo rápido para haver uma explosão, o urânio tem de estar dentro de uma cápsula de um material pesado como o tungsténio que impede a perda de neutrões necessários para provocar novas cisões.
A bomba nuclear funciona com uma reação em cadeia em que os neutrões resultantes de uma cisão de urânio-235 provocam cisão de outro núcleo deste átomo, mas neste caso é uma reação em cadeia não controlada, que pode provocar a cisão de todos os núcleos em um segundo. Para que a reação em cadeia não se inicie antes do momento, a massa de urânio enriquecido não pode estar toda junta na bomba para não se atingir a massa crítica. No momento em que se deseja detonar a bomba os dois ou mais compartimentos juntam-se rapidamente e têm início as cisões.
Não chega, portanto, ter a tecnologia para enriquecer o urânio. É preciso dominar a tecnologia para a criação de uma bomba que assegure que a explosão só acontece no momento pretendido e que tem o rendimento desejado. E, segundo José Marques, o Irão ainda não terá este tipo de tecnologia. E mesmo que a consiga desenvolver, se não tiver urânio enriquecido a 90% não consegue fabricar uma bomba.
E nos reatores, há explosões?
Num reator nuclear, seja de produção de eletricidade ou de investigação, o processo é equivalente ao de uma bomba: é a cisão dos núcleos de urânio-235 que vai libertar energia e produzir radiação. Mas uma explosão, como a de uma bomba atómica, é impossível num reator nuclear – não se atinge a massa crítica.
“Não é fisicamente possível que aconteça uma explosão numa central de produção de energia nuclear”, diz José Marques. Referindo-se ao acidente no reator nuclear de Fukushima (Japão) em 2011 acrescenta que: “Foi uma explosão ‘no’ reator e não ‘do’ reator. A explosão foi química e estava relacionada com a quantidade de hidrogénio.”
A cisão nuclear é um fenómeno raro e acontece sobretudo em núcleos pesados, que quando incorporam um neutrão ficam instáveis e fragmentam-se em dois núcleos de massas consideráveis libertando dois ou três neutrões. O urânio-235 é o único nucleído existente na natureza que é cindível com neutrões lentos e de baixa energia (também chamados de neutrões térmicos), embora também seja cindível com neutrões de qualquer outra energia.
Os núcleos de urânio-238, pelo contrário, não se cindem com neutrões térmicos. Assim, como os neutrões libertados na cisão podem interagir com outras partículas e perder energia, já não conseguem provocar a fissão de urânio-238 e podem preferencialmente interagir com urânio-235. A presença de um moderador no reator, como a água ou grafite, também tem esta função, provocar a dispersão dos neutrões provocando a perda de energia.
Na bomba atómica acontece uma reação em cadeia não controlada, mas nos reatores a reação em cadeia também tem de acontecer, mas neste caso controlada. Na verdade, basta que pelo menos um dos neutrões libertados durante a cisão provoque uma nova fissão nuclear, mas é preciso que existam mecanismo de controlo para que as reações não aconteçam de forma exponencial ou para se poder interromper totalmente o processo, utilizando, por exemplo, barras de cádmio.
Um reator é composto por um núcleo com um combustível à base de materiais cindíveis, como urânio-235 ou putónio-239, que estão envolvidos numa bainha de alumínio ou aço inoxidável para que os produtos da cisão não se escapem e contaminem os meios envolventes. Entre os elementos do núcleo podem descer as barras de controlo, de cádmio ou boro, que gerem a progressão da reação ou a interrompem totalmente. O reator também pode ter um refletor que evita a fuga de neutrões para fora do núcleo.
Outros elementos importantes do reator são o moderador – que reduz a energia dos neutrões emitidos depois da cisão do núcleo – e a blindagem – um ou mais dispositivos para evitar que se escape radiação para o exterior, como a parede do reator ou o edifício. E não podemos esquecer o fluido de refrigeração que remove o calor libertado pela reação para que possa ser transformado em energia, mas que ao mesmo tempo impede o sobreaquecimento do núcleo que podia levar à fusão das várias partes e permitir a contaminação com materiais radioativos.
No reator do Campus do IST a água desempenha todas estas funções – exceto o aproveitamento de energia. Diminui a velocidade dos neutrões e modera as reações de cisão, arrefece o núcleo do reator e serve como barreira de proteção contra as radiações.
E se o Irão não respeitar o acordo?
A Agência Internacional para a Energia Atómica, que resultou do programa “Átomos para a Paz” tem como missão assegurar a segurança, fazer inspeções e apoiar a investigação relacionadas com a tecnologia nuclear e a aplicação pacífica da mesma. Um dos objetivos é garantir a não-proliferação de armas nucleares.
Sobre o acordo com o Irão e ao clima de desconfiança sobre o não cumprimento dos termos do mesmo, José Marques considera que “não é muito fácil escapar à Agência Internacional para a Energia Atómica porque estes têm acesso a imagens via satélite”. “E mesmo nos casos em que as instalações são subterrâneas há outros indicadores, como os consumos anormais de eletricidade ou de água. Nestes casos, é possível isolar áreas dos países onde recaem suspeitas e lançar-se uma investigação nesse local.”
Para que serve o reator nuclear em Portugal?
O Laboratório de Física e Energia Nuclear foi criado para desenvolver investigação após a inauguração do Campus em 1961. “Esta grande infraestrutura foi criada para treinar pessoas para usarem a tecnologia”, refere José Marques. A título de exemplo das áreas de investigação diversificadas lembra António Manuel Batista, que foi diretor do Laboratório de Isótopos do Instituto Português de Oncologia de 1961 a 1983, um dos pioneiros na utilização de física nuclear ao serviço da medicina.
Atualmente o reator nuclear continua a produzir mutações benéficas em materiais biológicos, como videiras, à procura de variedades mais resistentes ou com outras características importantes para a produção agrícola e a tentar descobrir novos isótopos que possam ter aplicação em medicina. A análise dos elementos presentes numa amostra pode ajudar a encontrar a origem de um achado arqueológico ou a determinar o tipo e quantidade de poluentes que existem na atmosfera.
O reator pode ainda simular situações em que determinados equipamentos, como os circuitos eletrónicos, estão sujeitos à radiação, desde a radiação cósmica nos satélites à radiação no acelerador de partículas (LHC, Large Hadron Collider) do CERN (Centro Europeu para a Pesquisa Nuclear). “Fizemos no reator uma instalação que simulava a radiação que a eletrónica do LHC para controlo de temperatura ia receber em 10 anos”, refere José Marques.