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Dono de um pé esquerdo brilhante, Chalana sempre garantiu que era completamente destro e que escrevia com a mão direita
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Dono de um pé esquerdo brilhante, Chalana sempre garantiu que era completamente destro e que escrevia com a mão direita

LUSA

Dono de um pé esquerdo brilhante, Chalana sempre garantiu que era completamente destro e que escrevia com a mão direita

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O 10 que nasceu a 10 para nos deixar a 10. Chalana, o iluminado destro que era dono de um pé esquerdo que ninguém esquece

Começou no Barreirense, podia ter jogado no Sporting mas acabou no Benfica graças a Coluna e tornou-se ídolo, no clube e na Seleção. A história de Chalana, o iluminado que morreu esta quarta-feira.

Por vezes, quando o protagonista é especial, o universo encarrega-se de transformar o mais banal dos pormenores no mais importante dos detalhes. Fernando, o Chalana, nasceu a 10 de fevereiro e morreu a 10 de agosto. Nas duas datas que balizam a própria vida, Chalana tem o número 10 que tantas vezes carregou nas costas para atacar as outras balizas. E ninguém, nem mesmo o mais cético dos descrentes, pode dizer que é por acaso.

Morreu aos 63 anos Fernando Chalana, símbolo do Benfica e da Seleção Nacional

Esta quarta-feira, uma quarta-feira normal de um normal agosto, desapareceu alguém que sempre foi tudo menos normal. Aos 63 anos, depois de uma doença que o afastou da vida pública e que antecipou de forma trágica uma despedida para a qual ninguém estava preparado, Fernando Chalana morreu e entrou no reino das memórias. Ainda que, tal como disse um dia José Mourinho a propósito de Bobby Robson, as pessoas só morram verdadeiramente quando morre a última pessoa que as amou.

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Ouça aqui o episódio do podcast “A História do Dia” sobre Fernando Chalana.

Chalanix, o génio tímido que explodia em campo

Chalana, Chalanix, Astérix, o Pequeno Genial, passa à história como um símbolo do Benfica e da Seleção Nacional que sempre colocou a totalidade do corpo e do coração à disposição da camisola que tinha vestida. Figura maior do Europeu 1984, ídolo dos encarnados tanto na primeira como na segunda passagem pela Luz, crónico adjunto tornado interino sempre que foi necessário, é indiscutivelmente um dos principais nomes do futebol português. Um iluminado, como poucos, que sempre teve mais azar do que sorte. Um destro que impressionava com o pé esquerdo. Um número 10 que nasceu a 10 para se despedir a 10.

Chalana chegou ao Benfica em 1974, ainda adolescente, por indicação de Mário Coluna e depois de ter dado nas vistas no Barreirense

AFP

Fernando Albino, como é também recordado em jeito de brincadeira principalmente pelos adeptos encarnados, nasceu em fevereiro de 1959 no Barreiro — esse autêntico viveiro de talentos para o futebol nacional, criado de geração espontânea no seio de uma classe operária que tratava a bola por tu. Sempre de estatura baixa para a idade, sempre demasiado magro para a idade, o inevitável “perninhas de alicate” ainda começou por ser rejeitado pela CUF, virando-se para o Barreirense para dar os primeiros passos da carreira. Como em quase tudo e como quase sempre ao longo da vida, Chalana só precisava de ter uma bola nos pés para dar nas vistas. E, ao fim de um ano no clube da Margem Sul e ainda na formação, rumou ao Benfica por indicação de Mário Coluna depois de o Sporting se recusar a pagar demasiado por um miúdo que podia ou não explodir.

Ouça aqui o comentário de Gabriel Alves, que recorda Chalana.

Gabriel Alves recorda o início da carreira de Fernando Chalana. “Era arte em movimento”

E explodiu. Com apenas 17 anos, tornou-se o mais novo de sempre a estrear-se no Campeonato até ali, fazendo a alegria de um Terceiro Anel do antigo Estádio da Luz que ainda estava por concluir. “O Chalana era um génio. Era extraordinário, um jogador fantástico, fantástico. Tanto com um pé como com o outro. Jogava com os dois pés, tinha uma visão de jogo incrível. Foi dos melhores jogadores que vi jogar e com quem joguei. Desequilibrava, era um jogador que desequilibrava”, explicou ao Observador Humberto Coelho, antigo central do Benfica que se cruzou com Chalana nos encarnados quando ele próprio estava prestes a terminar a carreira e quando o avançado estava ainda a começar.

Figura maior do Europeu 1984, ídolo dos encarnados tanto na primeira como na segunda passagem pela Luz, crónico adjunto tornado interino sempre que foi necessário, é indiscutivelmente um dos principais nomes do futebol português. Um iluminado, como poucos, que sempre teve mais azar do que sorte. Um destro que impressionava com o pé esquerdo. Um número 10 que nasceu a 10 para se despedir a 10.

“Está numa segunda linha de jogadores logo depois do Eusébio, do Figo e do Ronaldo, claro. Exatamente por aquilo que fazia dentro de campo, porque era um jogador espantoso, desequilibrava muito, criava espaços. Dos melhores que vi”, acrescentou o antigo internacional português. De forma inevitável, quase todos os que se recordam de Chalana recordam-se também de um pé esquerdo irrequieto, rebelde, protagonista de fintas e dribles que não davam hipótese aos adversários — mas, curiosamente, o jogador não era canhoto. Destro tanto a escrever como a jogar futebol, foi aprimorando a capacidade e a qualidade do pé esquerdo, que acabou por se tornar preferencial e uma autêntica imagem de marca.

“As pessoas pensam que sou canhoto, mas sou destro. As pessoas é que diziam e continuam a dizer que eu tinha um magnífico pé esquerdo. Mas não sou esquerdino, nunca fui. Sou destro e, talvez por isso, enganava muitos adversários. Mas as pessoas, incluindo os jornalistas, nunca viram isso. Eu jogava mais vezes do lado esquerdo, fazia o corredor ofensivo, mas também fletia muito para o interior. Tanto assim é que as grandes penalidades que marquei ao longo da minha carreira foram sempre com o pé direito e nunca com o esquerdo. Dá-me vontade de rir mas é mesmo verdade”, chegou a contar numa das últimas entrevistas que deu, à revista do Sindicato dos Jogadores.

“Agarrem em cassetes do Euro ’84 e aprendam com ele.” Chalana pelos colegas e rivais no dia do 60.º aniversário

Em novembro de 1976, antes ainda de completar 18 anos, estreou-se pela Seleção Nacional — tornando-se também, até à altura, o mais jovem de sempre a representar Portugal, algo que acabaria por fazer em 27 ocasiões. O ponto alto da ligação à Seleção, porém, aconteceu no verão de 1984, no Europeu de França, quando a par de Rui Jordão deixou impressionada meia Europa. Nesse ano, Portugal encerrava um jejum que durava há quase 20 anos: a equipa então orientada por Fernando Cabrita tinha conseguido um inédito apuramento para um Campeonato da Europa e a Seleção regressava a uma grande competição de seleções 18 anos depois do Mundial de 1966 e dos Magriços.

O antigo internacional português foi uma das figuras maiores do Euro 84, onde Portugal chegou às meias-finais

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O sorteio ditou que a seleção portuguesa ficasse no Grupo 2, com a RFA de Rummenigge e Völler, a Espanha de Camacho e a também estreante Roménia (que tinha László Bölöni no plantel). A vitória frente aos romenos e os empates com os espanhóis e os alemães garantiram à Seleção Nacional o segundo lugar do grupo e a qualificação para a meia-final. Domergue marcou dois golos, Jordão outros dois e Platini pôs França na final no penúltimo minuto do prolongamento — Portugal ficava pelo caminho e os franceses seriam campeões europeus ao bater Espanha no derradeiro jogo. Portugal saía do seu primeiro Europeu nas meias-finais, derrotado pela que viria a ser campeã da Europa, mas o balanço final tinha ainda mais que se lhe diga.

No onze ideal do Campeonato da Europa, escolhido pela UEFA, estavam dois jogadores portugueses: Fernando Chalana e João Pinto figuravam ao lado de nomes como Michel Platini, Jean Tigana e Rudi Völler. A equipa estreante, que nunca tinha estado num Campeonato da Europa e cujo único Mundial tinha sido duas décadas antes, tinha dois jogadores entre os onze melhores do torneio. E um deles, o rapaz de cabelo comprido, bigode farto e curtos 1,65 metros, ombreava com Platini no estatuto de melhor jogador do Euro 1984. A enorme prestação de Chalana ao serviço da Seleção Nacional roubou-o ao Benfica logo nesse verão, voando para França e para o Bordéus — e garantindo aos encarnados o encaixe necessário para terminar a finalização do mítico 3.º Anel com Fernando Martins como presidente.

O reino de Chalanix, o Pequeno Genial do Barreiro que saiu para pagar o 3.º Anel mas ainda voltou para fazer de tudo

Em França, ao longo de três temporadas, não fugiu ao calvário das lesões e cumpriu apenas 16 jogos pelo Bordéus. No clube francês, poucos se lembram do jeito desengonçado de Chalana, da correria desenfreada em que colocava o corpo sempre à beira do abismo mas onde a bola parecia estar ligada ao pé esquerdo através de um íman. Em 1987, aos 28 anos, decidiu voltar ao sítio onde tinha sido feliz e regressou ao Benfica. Ainda muito marcado pelos problemas físicos, já sem a destreza nem a consistência de outros tempos, não conseguiu dar aos encarnados tudo aquilo a que os tinha habituado entre o final dos anos 70 e o início da década de 80. Nada que o tenha impedido de continuar a ser um exemplo para os mais novos.

Em novembro de 1976, antes ainda de completar 18 anos, estreou-se pela Seleção Nacional — tornando-se também, até à altura, o mais jovem de sempre a representar Portugal, algo que acabaria por fazer em 27 ocasiões. O ponto alto da ligação à Seleção, porém, aconteceu no verão de 1984, no Europeu de França, quando a par de Rui Jordão deixou impressionada meia Europa. 

Domingos Paciência e Fernando Chalana encontraram-se em sentidos contrários. Estava o jovem avançado a começar a despontar no FC Porto, vindo dos juniores dos dragões, quando Chalana já não caminhava para novo. Ainda coincidiram em cinco épocas no Campeonato, quando o Pequeno Genial já jogava apenas uma dúzia de partidas por temporada. Circunstâncias que, inevitavelmente, não ajudaram à memória de Domingos: “Sinceramente, não me lembro se cheguei a jogar contra ele! Mas também não preciso disso para falar sobre o Chalana”, disse ao Observador. Uma ida rápida ao baú permite recordar que se cruzaram uma única vez, em setembro de 1990, quando Chalana já estava no Belenenses e Domingos estava ocupado a marcar golos no FC Porto.

Contudo, e tal como explicou Domingos Paciência, a memória de um jogo contra Chalana não é obrigatória para se lembrar bem dele. “Ele era um ídolo para todos nós. Eu era miúdo, tinha uns 10 anos, e mesmo sendo do rival já apreciava as suas qualidades. Toda a gente gostava da super-equipa do Chalana, em cada jogada ele levantava o estádio. Jogava numa posição em que toda a gente gostava de jogar. Os jovens queriam todos ser extremos-esquerdos, também um pouco por causa dele. Dele e do Futre. Naquela posição eram as maiores referências. Excluindo o Cristiano, que é bom jogador por outras qualidades, o Futre e o Chalana têm os melhores pés esquerdos de sempre”, contou o antigo avançado do FC Porto.

“Não houve um outro génio como ele”: as reações à morte de Chalana, aos 63 anos

Em 1990, precisamente no ano em que acabaria por defrontar Domingos Paciência, Chalana mudou-se para o Belenenses, terminando depois a carreira no Estrela da Amadora, aos 33 anos. Permaneceu na estrutura do Benfica após deixar os relvados, tendo um papel indelével enquanto treinador da formação numa altura crucial para a evolução das camadas jovens encarnadas. Chegou a adjunto da equipa principal em 2002/03, ao lado de Jesualdo Ferreira, estreando-se na condição de interino numa única partida, contra o Sp. Braga, depois de o técnico ser despedido.

Fernando Chalana foi adjunto de vários treinadores do Benfica e chegou mesmo a ser interino em períodos de transição. Orientou, por exemplo, Rui Costa, atual presidente encarnado

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Manteve-se na equipa técnica depois da chegada de José Antonio Camacho e repetiu o papel ao lado de Fernando Santos, regressando à responsabilidade de interino de transição em 2008, quando Camacho apresentou a demissão já na segunda passagem pelo Benfica. Em maio desse ano, na sequência de meia época ao comando da equipa, voltou a assumir a posição de adjunto, desta feita com Quique Flores. Nesta fase em que tão depressa era adjunto como treinador principal, orientou Nuno Gomes, que recorda a forma como Chalana queria inverter a situação complexa em que os encarnados se encontravam.

“O Chalana mais parecia um colega nosso do que o nosso treinador. Sentíamo-nos à vontade e percebíamos que quem estava ali à nossa frente tinha sido um excelente jogador de futebol. A experiência dele ajudava-nos a ultrapassar esse momento mais conturbado que estávamos a viver, com muita falta de confiança. No fundo era alguém que falava a nossa linguagem”, explicou o antigo avançado ao Observador, acrescentando a boa disposição daquele que foi seu treinador.

“Estava sempre bem-disposto. Lembro-me de que muitas vezes, no início do treino, ele vinha jogar connosco ao meinho, à rabia. E notava-se que aquele pé esquerdo continuava intacto! Era sempre difícil ele perder a bola e era uma festa quando dava uma ‘cueca’ a algum de nós. Nisso era exímio. E esses momentos ajudaram-nos a recuperar a alegria, na altura, sem dúvida”, disse Nuno Gomes. Depois da era de Quique Flores, teve paragens por várias equipas técnicas dos escalões mais jovens do Benfica, no Seixal — que esta quarta-feira, assim como o Estádio da Luz, tem a bandeira dos encarnados a meia haste.

Permaneceu na estrutura do Benfica após deixar os relvados, tendo um papel indelével enquanto treinador da formação numa altura crucial para a evolução das camadas jovens encarnadas. Chegou a adjunto da equipa principal em 2002/03, ao lado de Jesualdo Ferreira, estreando-se na condição de interino numa única partida, contra o Sp. Braga, depois de o técnico ser despedido.

Nuno Gomes, precisamente, foi diretor do centro de formação do Benfica durante dois anos e garante que, enquanto lá esteve e por mais que passassem os anos, Chalana não era esquecido: “Havia jovens que nunca tinham visto o mister Chalana jogar mas ele passava imenso tempo no Seixal, era impossível não terem contacto com ele. E a equipa técnica a que ele pertencia também não deixava que os miúdos não o conhecessem. Havia um ritual, todos os anos, que era mostrar aos jogadores mais novos, na sua apresentação, um vídeo do Chalana, para perceberem a dimensão de quem os ia treinar. Ele amava o futebol mas, principalmente, amava o Benfica. Foi das pessoas que melhor me passaram aquilo que é ser benfiquista e ser jogador do Benfica”, completou o antigo internacional português.

Afinal, o Pequeno Genial era um dos poucos que sabia explicar por palavras, ainda que parcas, o que é a mística encarnada. “É sentir vergonha quando a equipa não ganha. A mística tem de ser transmitida dos mais velhos para os mais novos. É trabalho de balneário. São as vitórias, é sentir o Benfica. Quando se ganha, ri-se. Mas quando se perde há que sentir essa derrota e nem sair de casa”, chegou a dizer. Fernando, o Chalana, deixou-nos esta quarta-feira. Mas aquele pé esquerdo vai perdurar na memória de muitos, de todos, até que morra o último que o amou.

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