Em 2015, um jornalista do site Rede Angola foi ao Mercado dos Kwanzas, em Luanda, em busca de consumidores do famoso chá de pau de Cabinda, feito a partir da casca de uma árvore que existe na província que lhe dá nome e em toda a África Ocidental, e que se popularizou como um poderoso afrodisíaco, capaz de devolver força e pujança a homens de todas as idades.
A reportagem descobriu personagens como Nando David, mecânico de 28 anos que começou a beber o chá aos 12, incentivado pelo pai, e que admite que já só “funciona” com ele; e Bessa, de 36, que uma vez misturou a bebida com whisky e acabou no hospital, depois de dois dias de sofrimento e priapismo (uma ereção contínua).
“Foi uma mera curiosidade. É que a minha mulher se queixava que fazia muito tempo que não conseguia atingir o orgasmo. Num certo dia quis oferecer-lhe este prazer, fui a uma ervanária do bairro e solicitei o pau de Cabinda. Fiz uma mistura do próprio chá com whisky e a reação foi demasiada. Quase que o pénis ia rebentar de tanta erecção”, cita a reportagem, pelo menos no que aos afrodisíacos naturais diz respeito.
Em Lisboa, quatro anos depois e a escassos dias da entrada em vigor da diretiva da Comissão Europeia que proíbe o uso do pau de Cabinda — nome científico Pausinystalia yohimbe — em Portugal e no resto da UE, é impossível encontrar colorido semelhante.
Apesar de ser vendido em ervanárias e até hipermercados, o pau de Cabinda, também conhecido como “viagra dos pobres” ou “viagra africano”, é comprado e consumido com discrição, garante Maria João Afonso, proprietária da loja de artigos esotéricos Meu Sexto Sentido, no Centro Comercial da Mouraria. “Se for eu a atender, em vez de o meu marido, os senhores ou não pedem ou dão uma grande volta à conversa. Eu percebo, ponho-lhes o produto à frente e nem olho para eles. Não há que ter esse sentimento, mas a vergonha existe.”
Existe, confirma a funcionária de uma ervanária em Alvalade, onde o produto (ainda) é vendido em casca, xarope ou cápsulas: quem compra o estimulante sexual não faz grande alarde disso, nem pergunta como se deve tomar ou se deve temer efeitos secundários. No fundo, a vergonha existe, explicará também mais tarde ao Observador um português de Trás-os-Montes a trabalhar em Cabinda desde 2017, porque quem toma o chá toma-o por precisar dele —, e “se precisa, não é um macho”. “Mesmo assim, já houve três senhores, clientes habituais, que vieram perguntar como vai ser agora. Tomam há vários anos e resulta, não percebem por que motivo vai ser proibido”, relata a funcionária da loja de artigos naturais.
Na verdade, a venda de pau de Cabinda passa a estar interdita a partir desta terça-feira, 14 de maio, não porque se provou que faz mal, mas porque não foi possível garantir que a substância não é nociva para a saúde. A decisão é da Comissão Europeia, apoiada por um parecer do Painel dos Aditivos Alimentares e Fontes Nutricionais Adicionadas aos Alimentos, da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos, elaborado já em 2013, mas que só agora entra em vigor.
“A caracterização química e toxicológica da casca de pau de Cabinda e suas preparações utilizadas nos alimentos com origem no pau de Cabinda não é adequada para tirar conclusões acerca da sua segurança enquanto ingredientes em alimentos. Assim, não foi possível à Autoridade proporcionar aconselhamento acerca de uma dose diária de casca de pau de Cabinda e das suas preparações que não seja preocupante para a saúde humana”, pode ler-se no texto do regulamento. Para já, as lojas podem escoar os stocks, pelo que, durante algum tempo, ainda será possível encontrar pau de Cabinda em Portugal.
Um ataque às terapias não convencionais?
Para Fernando Neves, presidente da Associação de Medicina Natural e Bioterapêutica, esta é uma proibição com segundas intenções. “Toda a gente sabe que isto é um afrodisíaco. Nasci em Moçambique e vivi lá até aos 18 anos, sei que na década de 60 esteve uma equipa de químicos e especialistas portugueses em Moçambique e Angola a estudar aquilo, mas os resultados nunca foram conhecidos. Porquê? Se calhar porque isto entrou em concorrência com os medicamentos convencionais e, mais recentemente, com o Viagra, que faz muito pior. Pressinto que o que está por trás desta proibição é o objetivo de liquidar o mercado das terapias não convencionais”, acusa.
A verdade é que, por muito que falte conhecer quase tudo sobre a árvore africana, é sabido que o pau de Cabinda contém ioimbina, uma substância alcalóide que pode provocar ataques de ansiedade, aumento da pressão arterial, insónias, alucinações, dores de cabeça, tonturas, convulsões e insuficiência renal. Nos Estados Unidos, há vários casos documentados sobre o abuso da substância e até referências, em 1985, a uma “nova droga afrodisíaca” chamada “yo-yo”, que na verdade não passava de ioimbina, e provocou, a uma rapariga de 16 anos, todos os efeitos descritos acima e mais alguns — como náuseas, palpitações, dores no peito, tremores e até uma erupção cutânea — durante um período de 36 horas. Em Angola, há até relatos de mortes após o consumo da substância.
Por que motivo há quem registe efeitos tão adversos na sobretoma e há quem garanta não sentir mais do que uma mera dor de cabeça? Ângela Oliveira, química portuguesa a trabalhar há seis anos em Angola, tem uma teoria: muito provavelmente há quem esteja a consumir a casca de outra árvore qualquer como Pau de Cabinda. “Quem domina a floresta do Maiombe são os sobas [feiticeiros], as pessoas de lá não conseguem identificar a árvore do pau de Cabinda nem chegar ao sítio. É alguém de confiança da comunidade que vai colher, seca e depois distribui o produto aos miúdos, que o vendem nos mercados ou à cabeça nas ruas. Não sei garantir sequer que o produto que chega aos consumidores é o genuíno ou não.”
Já Maria João Afonso, ao balcão da Meu Sexto Sentido, a única loja portuguesa em todo o Centro Comercial da Mouraria, diz que tem a certeza de que muitos dos consumidores abusam da dose — e que será por isso que registam os efeitos adversos descritos acima.
Quando o assunto é tão delicado assim e envolve líbido, desejo, frustração ou masculinidade (não necessariamente por esta ordem), é fácil desesperar e cometer erros. Ela própria que o diga: um dia, depois de três anos sem desejo sexual e na sequência de uma depressão pós-parto, decidiu tentar o pau de Cabinda. “Sabia que não funcionava com senhoras e que este produto é direcionado para a parte masculina, mas fiz o chá à mesma. O meu marido tinha-me avisado de que era muito forte e que só podia pôr uma colher de chá — fiz a casca inteira, ficou escuro… Ele disse-me que era uma loucura, que podia ter um ataque cardíaco, mas eu não senti nada! Se tivesse bebido café, tinha-me sentido mais acelerada”, recorda Maria João, 51 anos. “Para senhoras não funciona mesmo, não sei se há uma componente mais psicológica que nos influencia…”
Das injeções e das bombas penianas ao Viagra — passando pelo pau de Cabinda
Trazida para Portugal em 1993 por Júlio Sousa Lopes, um português nascido em Angola que, primeiro, a comercializou via anúncio de jornal, e, depois, através das centenas de autocolantes que colou com um número de telefone nas paredes de Lisboa e subúrbios — “Vendo Pau de Cabinda” –, a casca da Pausinystalia yohimbe celebrizou-se rapidamente. Pelo menos, numa determinada franja da sociedade — e sempre no masculino.
O homeopata Fernando Neves, que até tinha crescido a ver homens e mulheres a beberem a seiva da árvore — “Sim, porque isto dá para os dois lados: neles tem tendência para fazer crescer o pénis, nelas tem a faculdade de as pôr a produzir leite, vi muitas mulheres de carapinha branca, já depois da menopausa, a alimentarem a mama os filhos das netas, que iam trabalhar para as machambas” –, terá sido dos primeiros a experimentar a casca.
Por motivos puramente profissionais, garante: “Experimentei, não há nada que eu comercialize que não experimente primeiro, mas graças a Deus ainda não tenho precisado”. “Aquilo não tem efeitos adversos, a única coisa que dá é uma dor de cabeça tremenda e só se não houver função, tem de haver ejaculação. Como o chá sabe mal e não podemos controlar o que o doente toma — posso dizer que é uma chávena de chá por 30 gramas da planta, mas eu sei lá se o doente não vai o pôr o pacote inteiro?! Um homem desesperado é capaz de cometer asneiras –, prefiro o uso em comprimidos, ampolas ou gotas. Mas também lhe garanto, se um gajo tem uma hipertensão controlada não vai ser um chá de pau de Cabinda que o vai fazer ter um AVC! Agora, temos muitos cardíacos em Portugal e há muitas mortes por ataque cardíaco, e não vejo ninguém ir pedir responsabilidades ao comprimido azul!”
Exatamente na mesma altura em que Júlio Sousa Lopes importava a casca da árvore proveniente da floresta do Maiombe, uma das maiores reservas naturais do mundo — partilhada por Angola, República Democrática do Congo, República do Congo e República do Gabão — e em que Fernando Neves fazia as suas primeiras provas, na medicina convencional o combate à disfunção erétil travava-se (ou tentava travar-se) com bombas de vácuo e injeções penianas, auto-administradas quinze minutos antes da relação sexual.
“Houve um cirurgião vascular francês que descobriu que os inibidores das prostaglandinas injetados no pénis provocavam ereção. Problema: também provocavam priapismo [uma ereção que não passa] e injeções dolorosas, já para não dizer que não fazia grande coisa pelo romance, 15 ou 30 minutos antes da relação sexual, um tipo dizer: ‘Agora espera aí um bocadinho que eu vou ter de dar aqui uma injeção no pirilau’”, recorda com o humor o urologista Manuel Sousa Marques. “E depois existiam as bombas de vácuo, vendidas sobretudo nos Estados Unidos com a ideia de que aumentavam o pénis. Ora, não só não aumentavam como, por exercerem uma pressão negativa, provocavam hematomas. E ainda obrigavam a pôr um anel na base do pénis, o que fazia com que ficasse frio, o que também não é lá muito recomendável…”
Na altura, faltavam ainda cinco anos para o advento do Viagra. Não foi por isso que, explica o especialista ao Observador, o chá de pau de Cabinda se tornou um sucesso em Portugal. “Vai ser proibido? Isso está um bocadinho em desuso, praticamente não ouço falar em pau de Cabinda há mais de uma vintena de anos. E quando ouvia era mais entre as populações africanas… Vamos lá a ver, isso das substâncias afrodisíacas é um mito, em termos científicos isso não existe, não existe um medicamento para aumentar o desejo, para aumentar a líbido. O que existe são medicamentos para tratar a disfunção erétil, que é provocada por um mecanismo neuro-vascular, e o primeiro a surgir com eficácia, a grande revolução, foi o Viagra. O pau de Cabinda é um mito, como tantos outros. Quando mais não seja, tem um efeito placebo.”
Afinal o pau de Cabinda resulta ou não?
Em 1997, um estudo da Universidade Técnica de Munique reuniu 86 pacientes com disfunção erétil sem causas orgânicas ou psicológicas “facilmente detetáveis”. Durante oito semanas, um grupo recebeu dois comprimidos de 5 gramas de cloridrato de ioimbina três vezes ao dia e ao outro foram entregues, com a mesma periodicidade, comprimidos de açúcar.
No final, os resultados deitaram por terra a teoria-placebo advogada por Manuel Sousa Marques: os pacientes tratados com os comprimidos sem princípio ativo tiveram uma taxa de resposta menor do que os medicados com a ioimbina — 45% contra 71%. Para além disso, só 7% deles registaram “ligeiras experiências adversas”, sendo que nenhum relatou qualquer efeito secundário grave.
João (nome fictício), 36 anos, é engenheiro civil e, desde 2008, com alguns hiatos, trabalha em Angola. Em 2012, na primeira vez que visitou a capital de Cabinda — a província mais a norte das angolanas —, comprou, “por curiosidade”, a casca de Pau de Cabinda.
Quando regressou a Portugal, tratou de preparar a substância em licor, pareceu-lhe melhor do que desfazer a casca num copo de whisky, como lhe tinham sugerido que fizesse. Agarrou numa garrafa de aguardente e deitou a casca lá para dentro. Depois, deixou a mistura repousar. Quando regressou a Angola, na mala, levou uma garrafinha de xarope com o líquido. “Como aqui as moças são mais assanhadas e atrevidas e precisam muito mais de amor e carinho, achei que devia experimentar, para elas não acharem que os europeus ficam atrás dos angolanos”, explica ao Observador.
Diz que se limitou a beber um shot, do tamanho de uma tampa, e confidencia que não sentiu os efeitos apregoados: “Para aquilo que dizem que serve, comigo não funcionou, a não ser depois de ser estimulado para isso. Dizem que ‘aquilo’ nunca mais baixa, pelo menos comigo não foi assim. A única coisa que fez foi prolongar o ato, o que demoraria 5 ou 10 minutos demorou entre 30 minutos a uma hora”.
Por outro lado, recorda, ficou hiper agitado e não conseguiu dormir a noite inteira. “Parecia que tinha bebido dez Red Bull! Aquilo para quem tem hipertensão pode provocar mesmo um fanico, fiquei com o coração a bater muito, não ganhei sono, é mesmo muito estimulante.”
Apesar de garantir que nunca mais voltou a tocar na aguardente, não rejeita a hipótese de voltar a fazê-lo, até porque a proibição não chega a Angola e, na adega da casa da família, ainda está guardado o resto da mistura. “Ficou para lá, nunca ninguém quis, as pessoas têm medo. Agora tenho uns cunhados novos, espero que não bebam aquilo ao engano!”