Um arroz de choco, uma viagem de elétrico, um encontro com quatro protagonistas políticos e — em menos de 24 horas em Lisboa — a presidente do Parlamento Europeu ainda elogiou um quinto.
Sobre uma candidatura de António Costa à presidência do Conselho Europeu, Roberta Metsola começou por dizer que essa não é uma decisão que cabe ao Parlamento Europeu, mas acabou por tecer rasgados elogios ao antigo primeiro-ministro: “O que posso dizer é que o António [Costa] é um velho e próximo amigo meu. Conheço-o há muitos anos. Tem capacidades únicas de liderança e humanidade. E essas são habilidades que acredito que podem levar uma pessoa a qualquer lugar.”
A presidente do Parlamento Europeu anda num périplo pelos 27 países da União Europeia numa assumida campanha de apelo ao voto nas próximas eleições europeias: “Estou aqui com um último apelo: que não se esqueçam de votar. O dia 9 de junho determinará o rumo da Europa e de Portugal para os próximos cinco anos.”
Em Portugal pela quarta vez, aterrou em Lisboa, vinda de Bruxelas, ao início da noite desta quinta-feira e seguiu para o seu restaurante de eleição na capital, o Solar dos Presuntos, para comer um dos seus pratos favoritos: arroz de choco. Sexta-feira seria uma dia curto para tantos encontros bilaterais e ainda uma cerimónia de reconhecimento e mérito pelo meio, com a atribuição do título de Honoris Causa pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade de Lisboa.
O Observador acompanhou os bastidores deste dia da presidente do Parlamento Europeu, andou na sua comitiva e esteve em todos os momentos normalmente fechados à comunicação social.
Metsola para Pedro Nuno Santos: “Ah, aqui está você”
A manhã começou com um encontro com o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, na sede do partido, no Largo do Rato, para uma reunião que durou pouco mais de 20 minutos. Pedro Nuno veio à porta da sede receber Metsola e, a caminho do seu gabinete, passaram pela parede onde estão todos os antigos secretários-gerais do PS. “Ah, aqui está você”, apontando Metsola para o último retrato dessa parede: a fotografia de Pedro Nuno Santos.
No fim do encontro, Pedro Nuno Santos e Roberta Metsola passearam pelos jardins do palacete onde trocaram presentes: Pedro Nuno entregou uma escultura de Mário Soares da coleção “Os Figurões” da Bordallo Pinheiro; Metsola entregou uma fotografia de Mário Soares, no Parlamento Europeu a 9 de março de 1977, na altura em que Soares estava em visitas diplomáticas às capitais europeias para obter apoio dos Estados Membros para a adesão de Portugal à CEE.
Metsola recebe título Honoris Causa
Os quatro carros da comitiva da presidente do Parlamento Europeu dirigiram-se, então, para Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa para a entrega a Metsola do título Honoris Causa. Uma cerimónia que teve casa cheia de políticos no ativo, mas também diplomatas. Estavam presentes representantes de alguns partidos com assento parlamentar, eurodeputados, ministros do atual Governo e Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Também Pedro Passos Coelho esteve presente (recorde-se que Passos Coelho deu aulas naquela universidade no ano letivo de 2018/2019), estando sentado na segunda fila, ao lado do embaixador do Irão em Portugal.
Paulo Rangel, um dos ministros presentes, fez questão de, no fim da cerimónia, ir cumprimentar o antigo primeiro-ministro (e autor de várias declarações polémicas nos últimos dias) e Passos disse-lhe: “Agora pessoalmente, muitos parabéns, tenha paciência.” Rangel riu-se e trocou breves palavras com o embaixador do Irão — tema quente também na atualidade, depois de o Irão ter capturado um navio com bandeira portuguesa.
Na cerimónia, Roberta Metsola apelou ao voto nas eleições europeias de 9 de junho, pedindo aos portugueses que “não cedam ao conforto do cinismo fácil”, enquanto enalteceu o que chamou de “efeito português”.
“Levanta-te, sê a mudança, faz com que a tua voz seja ouvida. Pára de esperar que alguém o faça. No dia 9 de junho, vai votar e faz parte desse histórico efeito português”, pediu Metsola. A presidente do Parlamento Europeu advertiu ainda que os valores europeus estão cada vez mais ameaçados, mas defendeu também que a Europa está mais forte que nunca.
“Já vi que tirou as grades de frente do Parlamento”
Chegada à Assembleia da República, Roberta Metsola foi recebida na escadaria exterior por José Pedro Aguiar-Branco, Presidente da Assembleia da República. Depois dos habituais cumprimentos, as primeiras palavras da presidente do Parlamento Europeu foram sobre uma das primeiras medidas de Aguiar-Branco: “Já vi que tirou as grades que estavam à volta do vosso Parlamento.” Surpreendido com a observação, Aguiar-Branco ri-se e responde que a Assembleia da República é para estar aberta a todos.
À reunião bilateral seguiu-se um momento para a uma fotografia oficial e uma visita à “Casa do Parlamento — Centro Interpretativo”, do outro lado da estrada do Parlamento. Lá, além de terem visitado todo o espaço inaugurado há apenas um dia, ambos tiraram uma selfie num dos ecrãs do centro, uma montagem automática que coloca Metsola e Aguiar-Branco como participantes do 25 de Abril, numa fotografia histórica da altura.
A viagem de elétrico até ao Palácio de Belém (e aos pastéis)
Foi provavelmente a distância mais pequena entre um ponto e o outro, mas foi a deslocação que demorou mais tempo — cerca de 35 minutos. Roberta Metsola aceitou o desafio de alguns jovens e viajou de elétrico — acompanhada por Carlos Moedas — da Basílica da Estrela até ao Palácio de Belém, onde tinha uma audiência marcada com o Presidente da República. Durante a viagem, os jovens tiveram oportunidade de fazer várias perguntas à presidente do Parlamento Europeu e ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa.
O elétrico aproximava-se do Palácio de Belém e quem lá estava dentro apercebia-se de um enorme aglomerado de pessoas na estrada, no local onde o elétrico iria parar. Havia uma pessoa que se destacava desse aglomerado: Marcelo Rebelo de Sousa, que desceu do Palácio para vir buscar Roberta Metsola pessoalmente à rua. Enquanto isso, já um dos seus assessores ia até ao fundo da rua buscar um saco com quatro caixas de pastéis de Belém.
O elétrico parou, abriu as portas e Marcelo não esperou que ninguém saísse: entrou e deu um longo abraço à presidente do PE e a Carlos Moedas. Este último despediu-se e Marcelo e Metsola entraram no Palácio, a pé, pela rampa. “Há muito pouca gente que entra aqui em Belém a pé, pela rampa. Eu fiz este caminho quando tomei posse a primeira vez”, disse o Presidente a Roberta Metsola.
Depois da fotografia oficial e da assinatura do livro de honra do Palácio de Belém, seguiu-se uma nova reunião bilateral, agora entre os dois, e outra troca de presentes, ambas fotografias emolduradas. Metsola ofereceu uma fotografia de Marcelo no Parlamento Europeu, no dia em que lá discursou, a 10 de maio de 2023; Marcelo ofereceu a Metsola uma fotografia em Cascais de um Conselho de Estado em que a presidente do PE participou.
Montenegro, o velho e grande amigo
Da mesma família política, Metsola e Montenegro já se encontraram diversas vezes antes e depois do líder do PSD tomar posse como primeiro-ministro: duas em Bruxelas e agora em Lisboa.
O discurso estava alinhado entre ambos. Na conferência de imprensa conjunta, Luís Montenegro, assumiu estar a estudar a possibilidade do voto em mobilidade e disse também que, com alguns membros do seu Governo, “iam dar o exemplo”, votando antecipadamente a 2 de junho.
Ambos reconheceram que a data das próximas eleições europeias não é de todo favorável a Portugal, por ter o feriado nacional a 10 de junho e um feriado municipal logo no dia 13 de junho, em Lisboa. Montenegro admitiu que há muitas pessoas que aproveitam estes dias para viajar e tirar férias.
Metsola, ao Observador, reconhece esse problema, mas sai satisfeita do país. Já no aeroporto de Lisboa, responde: “Esse é o problema, sim. No entanto estou muito satisfeita por ver que o Governo promulgou há algum tempo uma série de medidas a fim de maximizar a possibilidade de o maior número possível de pessoas irem votar. Não só foi introduzida a possibilidade de votar uma semana antes, mas também que, no dia das eleições, se possa votar em todo o território nacional”.
Em jeito de despedida do país, mas também da equipa de segurança que esteve com a presidente do Parlamento Europeu todas estas horas, Roberta Metsola entregou à polícia que esteve a garantir a sua segurança o ramo de flores que tinha recebido, horas antes, na universidade.
Já a entrar no autocarro que a ia levar ao avião, Metsola ainda fez um último apelo: “Tirem uma hora do vosso fim de semana de férias e escolham. Essa decisão é importante para os próximos cinco anos, para a Europa e para o vosso país.”