João Cotrim Figueiredo subiu ao palco do Cineteatro da Nazaré com um estilo relaxado, em mangas de camisa de ganga, e pronto para traduzir aos jovens, em pouco tempo e com poucas palavras, aquilo que a IL ambiciona para o país. De um “jovem de espírito” para algumas dezenas de jovens liberais, agradeceu aos “heróis” que não emigraram para se focarem no país e na ideia de mudança para um Portugal mais liberal. Mas não perdeu a oportunidade para sublinhar as linhas vermelhas que tem traçado para manter o Chega à distância.

Foi quando o discurso estava a chegar ao fim que o presidente da Iniciativa Liberal quis aproveitar a plateia de jovens que tinha à sua frente para recordar o que une o partido: “Os valores da liberdade têm de ser defendidos todos os dias.”

“Ao ser um partido que não ignora nenhuma dimensão do exercício da liberdade humana, somos a principal frente de combate ao populismo. Não titubeamos. Admitimos um dia poder ser poder em Portugal, mas nunca com forças totalitárias, xenófobas, estatistas e que têm no exercício da democracia e dos poderes políticos uma noção que está nos antípodas da IL.” A mensagem foi muito aplaudida e traçava um claro cordão sanitário ao Chega — sendo que Cotrim Figueiredo já tinha dito que se recusaria a trabalhar com André Ventura mesmo que em cima da mesa estivesse a possibilidade de formar um governo de direita.

Toda a declaração foi focada naquilo que a IL quer para o país e o professor Cotrim tocou em cada um dos pontos da checklist: sistema fiscal, saúde, educação, segurança social e administração pública. Um por um, pintou o quadro de tudo o que estava mal e explicou as razões que levariam o liberalismo a tornar cada área melhor.

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Mas focou-se em quem tinha à sua frente e na razão pela qual estava na Nazaré, no “Just X IL”, o primeiro evento de jovens liberais. “Vocês são uns heróis.” O mote estava lançado e iria acompanhar todo o discurso.

“Vocês olham para a realidade e em vez de ficarem em casa, ou pior, em vez de emigrarem para resolver a vossa vida, vocês gastam tempo com a política e vêm a uma sexta à noite para a Nazaré ouvir falar de política e saber como se podem envolver mais.” Cotrim Figueiredo considera até “absolutamente compreensível” que estes jovens “não se dessem ao trabalho”, mas sabe que quem está ali procura uma forma diferente de olhar para o país.

As palavras estão escolhidas: ambição, vontade de mudar e agarrar as oportunidades. E é com elas que Cotrim Figueiredo recorda a história com que pinta aqueles jovem liberais.

“Marta Valente é uma vendedora de uma fábrica de sapatos que manda dois vendedores para um país muito pobre em África. O vendedor Costa [referência ao primeiro-ministro], um vendedor conformado e pouco ambicioso e sem visão, chega ao país e manda uma mensagem para a fábrica a dizer que não há hipótese nenhuma porque metade das pessoas andam descalças e a vendedora Marta Valente, com a sua ambição, vontade de mudar as coisas, capacidade de venda e oportunidades que os outros não veem, manda uma mensagem a dizer que existe uma oportunidade de venda brutal porque metade das pessoas andam descalças”, conta o líder liberal.

Marta Valente são, nas palavras de Cotrim, todos os jovens que ali estão e sublinha-o vezes sem conta no discurso, nomeadamente quando cita vários estudos para revelar que em Portugal “72% dos jovens diz que não tem sequer mil euros líquidos para viver por mês e 1/3 destes 72% nem 600€ líquidos”; que “metade dos jovens afirma não se sentir realizado profissionalmente”, que “1/3 dos jovens considera seriamente emigrar” e que “80% acha que há cada vez menos oportunidades de arranjar emprego e subir na vida”.

Estes jovens, realça, estão ali por terem a “capacidade de acreditar que ideias liberais poderão fazer de Portugal um país desenvolvido”.

No que toca ao sistema fiscal, lembra que “se um empregador quiser subir 100 euros de um salário de 1250 euros brutos, por exemplo, o Estado fica com mais de metade em IRS e TSU” e recorda a proposta da taxa única, que acusa de olharem como “insuficientemente progressiva”. Perante os nãos que descreveu sobre o tema da taxa única de IRS, conclui: “O que não querem é mudar absolutamente nada.”

As críticas estenderam-se ao sistema educativo, para o qual Cotrim olha como não exigente, sem avaliação e incapaz de preparar as pessoas para as exigências. “É um sistema estadista, controlado centralmente, sem autonomia das escolas, sem liberdade de escolha nenhuma.”

A promessa de analisar o tema nas jornadas ficou feita, mas o presidente da IL garante que o partido vai voltar a pedir mais autonomia para as escolas, mas também que a rede de creches abranja toda a gente, nomeadamente as escolas primárias, mas também referiu a “reintrodução, no básico e secundário, dos contratos de associação”.

No seguimento, um dos grandes rivais entre o eleitorado jovem: o modelo de contratos de associação foi “exterminado por mera obsessão ideológica , provavelmente por exigência do Bloco de Esquerda, essa grande força niveladora por baixo do nosso espectro partidário.”

Na saúde, Cotrim Figueiredo assegura que “não é inevitável nas urgências ou noutras especialidades, que haja listas de espera desta dimensão, nas consultas, nas cirurgias, que seja demissões de serviço todos os dias, que haja total desrespeito pelo que devia ser um direito básico”.

E lembra que Portugal é “um dos países em que há mais seguros privados”. “O tal país em que a Constituição assegura acesso universal e tendencialmente gratuito à saúde, a única coisa que assegura é acesso às listas de espera, porque as pessoas vir desespero acabam por recorrer a seguros de saúde para resolver os seus problemas”, afirma, sublinhando ainda que Portugal tem a “mais alta taxa das despesas com saúde que são pagas do próprio bolso” da OCDE.

Assim, culpou ainda a esquerda, acusando quem não quer renovar o SNS de “estar a fazer o maior favor à medicina privada”.

Numa altura em que o tema das pensões continua a marcar a atualidade, e mesmo perante uma plateia de jovens, João Cotrim Figueiredo fez questão de trazer o tema para assegura que “António Costa mente” e que existe um “corte de pensões”.

“Este sistema tem de ser reformado sem mentir, sem esconder, sem usar truques, sem ser ilusionista como PS tem sido”, insta o presidente liberal.

E prossegue: “É mentira o que António Costa está a dizer: António Costa repete que em 2024 nenhum pensionista ganhará menos do que em 2023. Era só o que faltava, com inflações de 7,5% este ano e de 5% no ano que vem, era o que faltava que alguém ganhasse menos”, começa por dizer, defendendo que o que o primeiro-ministro “não está a dizer é que o valor real da pensão é inferior às pensões que vão ser pagas a partir de janeiro de 2023”.

Ainda sobre a necessidade de mudanças na Administração Pública, Cotrim Figueiredo esclareceu que “os liberais defendem um Estado pequeno, com menos gente, mais bem paga e muito mais competente” e realçou que “só há uma maneira de conseguir isso: mudar a forma como funcionários são avaliados, promovidos e recompensados”.

E atira aos maiores partidos, culpando-os pelo estado da Administração Pública: “Tantos cargos do estado ocupados por boys e girls do PS e PSD que dominam o aparelho do Estado.”

No final do discurso, a promessa para o dia seguinte: “Somos um projeto político cultural e estético. Não é possível mudar o aparelho do estado se não mudarmos a cultura política que está na origem das nomeações, das decisões, da forma de funcionamento.” Cotrim Figueiredo voltará a estar com os jovens do partido durante o fim de semana e vai focar-se na necessidade de a IL ser um projeto “cultural e estético”.