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Russian President Putin addresses the nation
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Vladimir Putin no discurso desta segunda-feira

Alexei Nikolsky/TASS

Vladimir Putin no discurso desta segunda-feira

Alexei Nikolsky/TASS

O dia em que Vladimir Putin matou os Acordos de Minsk — e abriu a porta a uma possível guerra

Com um discurso “agressivo”, mas “ambíguo”, Putin reconheceu independência de separatistas. Horas depois, enviou “força de paz”. Com tropas no terreno, conflito parece cada vez mais próximo.

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O aviso foi feito a Emmanuel Macron e Olaf Scholz antes ser dito aos próprios russos: a Rússia vai reconhecer a independência das repúblicas separatistas de Donetsk e Lugansk, no leste da Ucrânia, rasgando efetivamente os Acordos de Paz de Minsk, nos quais está envolvida com a Ucrânia, a França e a Alemanha.

De seguida, teve início o discurso à nação. Durante cerca de uma hora, Vladimir Putin embarcou numa senda de revisionismo histórico para justificar porque considera que a Ucrânia é em espírito russa, elencou um rol de queixas contra o Ocidente e a NATO, acusou os EUA de controlarem de facto a Ucrânia e desfilou as suas críticas aos governantes de Kiev, que apelidou de oligarcas e genocidas.

Putin humilhou membros do governo em direto na TV. De seguida, fez discurso “negro e agressivo” ao país

“Quase todos os dias estão a atacar aldeias em Donbass e estão a reunir grandes conjuntos de tropas”, afirmou o Presidente russo, dizendo mesmo que estão a ser “torturados” idosos e crianças. “Não há um fim à vista. (…) Tudo porque estas pessoas não quiseram apoiar o golpe de Estado de 2014”, disse, referindo-se à revolução de 2013/2014 em Kiev que afastou Viktor Yanukovich, na sequência de o seu governo ter recuado da assinatura de acordos comerciais com a União Europeia.

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“O mundo dito civilizado, como os nossos parceiros ocidentais gostam de se intitular, prefere não reparar no genocídio de quase quatro milhões de pessoas”, disse Putin sobre a situação em Donbass — uma acusação que o Kremlin já faz há semanas, muito embora a missão de acompanhamento da OSCE no local só tenha registado um aumento muito significativo das hostilidades nos últimos dias, não sendo claro qual dos lados cometeu essas violações.

Russian President Putin signs decrees to recognize independence of Donetsk and Lugansk People's Republics

Os líderes das autoproclamadas repúblicas independentes de Donetsk e Lugansk na assinatura do reconhecimento russo com Vladimir Putin

Alexei Nikolsky/TASS

Foi um discurso duríssimo. Tanto que Sam Greene, diretor do Instituto da Rússia da King’s College e um dos observadores mais moderados do país, não hesitou em classificar o conteúdo da comunicação como “incrivelmente negro e agressivo”. “Já vi muitos discursos de Putin e acho que nunca vi um assim”, escreveu no Twitter. Assim que os microfones se desligaram, Putin e os líderes das autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk assinaram uma série de acordos.

Horas antes, Vladimir Putin tinha conduzido um exercício ao vivo na televisão estatal, deixando claro que é ele quem toma as decisões no Kremlin. A reunião do Conselho de Segurança Nacional, com a presença de ministros e responsáveis militares, teve momentos próximos da humilhação dos seus colegas. Quando Sergei Naryshkin, diretor dos serviços de informação externos, hesitou em responder sobre se apoiava a decisão de reconhecer a independência das repúblicas separatistas, foi recebido com um brusco “Fale diretamente!” de Putin. Respondeu que as repúblicas deveriam “tornar-se parte da Rússia” e foi admoestado pelo Presidente — “não é isso que está a ser discutido”. “Tomarei uma decisão ainda hoje”, anunciou Putin no final da sessão, perante uma audiência em silêncio.

Pouco depois, ali estava ele em frente ao país. Sobre a Ucrânia falou muito, bem como sobre “O Império Russo” ou os “erros” dos líderes soviéticos — como Lenine, que batizou de “criador da Ucrânia”, frase que faria muitos historiadores franzirem o sobrolho. Sobre Donbass, muito pouco, a não ser o anúncio de reconhecimento da independência de Donetsk e Lugansk e ameaças vagas de “consequências” caso os civis — muitos com passaporte russo — não sejam protegidos.

Putin summons meeting of Russia's Security Council

Putin na reunião com o seu Conselho de Segurança da manhã desta segunda-feira

Anadolu Agency via Getty Images

Para Steven Pifer, antigo embaixador norte-americano em Kiev, Putin “manteve alguma ambiguidade” no discurso. Mas o diplomata deixou o alerta: “Tendo em conta as suas ações ao longo dos últimos três meses, os EUA e a Europa devem assumir o pior… Que a Rússia irá lançar um ataque mais lato à Ucrânia.”

Não tardou muito a que Putin assinasse um decreto a anunciar o envio de “forças de paz” para Donbass. Ou seja, tropas russas a caminho do leste da Ucrânia. Se tal configura ou não uma invasão depende do entendimento das várias potências. Se resultará em guerra aberta, ainda é uma incógnita.

Ocidente une-se em condenação à Rússia e avança com sanções

Ainda o discurso de Vladimir Putin não tinha terminado e já surgiam reações do Ocidente. “É uma repudiação do processo de Minsk e dos acordos de Minsk e acho que é um muito mau presságio e um sinal muito sombrio”, afirmou Boris Johnson.

As seguintes vieram em catadupa e todas repetindo as mesmas expressões: “Violação da lei internacional” e “ataque à soberania e integridade territorial da Ucrânia”. Chegaram da Comissão Europeia, Conselho Europeu, da NATO, de países vizinhos como a Letónia, que não hesitou em anunciar imediatamente o envio de mísseis anti-tanque para a Ucrânia.

Tudo aconteceu à velocidade da luz. Minutos depois desta ronda de condenações, começaram a surgir os anúncios de sanções. Os primeiros foram os Estados Unidos, que quiseram avançar com medidas punitivas sozinhos, ainda antes das coletivas. A Casa Branca não deu muitos pormenores mas garantiu que ia proibir “novos investimentos, comércio e financiamento, por qualquer americano, para, de, ou nas duas províncias separatistas ucranianas de Donetsk e Lugansk”.

Tudo aconteceu à velocidade da luz. Minutos depois desta ronda de condenações, começaram a surgir os anúncios de sanções. Os primeiros foram os Estados Unidos, que quiseram avançar com medidas punitivas sozinhos, ainda antes das coletivas. A Casa Branca não deu muitos pormenores mas garantiu que ia proibir “novos investimentos, comércio e financiamento, por qualquer americano, para, de, ou nas duas províncias separatistas ucranianas de Donetsk e Lugansk”, que foram reconhecidas como independentes pela Rússia.

“Estas medidas são distintas das medidas económicas rápidas e severas que temos vindo a preparar em coordenação com os aliados a parceiros, caso a Rússia continue a invadir a Ucrânia”, podia ler-se no comunicado da Casa Branca.

Broadcast of address by Russian President Putin

Cidadão de Donbass retirado do território acompanha o discurso de Putin na TV

Erik Romanenko/TASS

Logo a seguir foi a União Europeia. Em comunicado, Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, e Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, disseram condenar “nos mais fortes termos possíveis” a decisão de Putin e afirmaram que “a União vai reagir com sanções contra os envolvidos neste ato ilegal”.

O Reino Unido não quis ficar atrás, e depois de comentários da ministra dos Negócios Estrangeiros de que as ações de Putin não iam “ficar impunes”, Liz Truss foi mais longe e garantiu que o Reino Unido ia avançar com sanções próprias na terça-feira. Mas, mais uma vez, não foram dados detalhes sobre estas sanções. Até a ONU subiu mais o tom que o habitual, com o secretário-geral, António Guterres, a dizer, em comunicado, que a decisão é “incompatível com os princípios da Carta das Nações Unidas”.

Former Portuguese Prime Minister Is Named As The Next Secretary-general Of The United Nations

O secretário-geral da ONU, António Guterres, considerou que a ação russa viola a "Carta de Princípios" das Nações Unidas

Corbis via Getty Images

Biden e Zelensky pegaram no telefone e falaram durante 35 minutos, mas pouco se sabe do conteúdo. Um comunicado da Casa Branca indica que “Biden reafirmou o compromisso para com a soberania e a integridade territorial da Ucrânia, condenando a decisão de Putin” e “reiterou que os Estados Unidos vão responder de forma rápida e decisiva, alinhados com os aliados e parceiros a mais agressões russas contra a Ucrânia”.

Além de anunciar conversas com líderes ocidentais, pouco foi dito ainda pelo governo ucraniano, mas a procuradoria-geral do país anunciou que abriu um processo crime relacionado com as ações de Vladimir Putin para mudar as fronteiras do país. Irina Venediktov escreveu no Facebook que se viu forçada a agir depois do reconhecimento da independência das províncias separatistas ucranianas, e explicou que abriu o processo ao abrigo do artigo 11º código penal, que proíbe apelos deliberados para mudar as fronteiras do país.

Até o ex-campeão mundial de xadrez Gary Kasparov, um dos maiores opositores do presidente russo, não quis deixar esta jogada de Putin em branco: “Ninguém devia dar-se ao trabalho de decifrar este lixo. Putin quer conflito porque precisa de conflito. Tem de distrair a atenção dos seus falhanços na Rússia, destruir qualquer modelo democrático próximo”.

As reações oficiais coincidem no uso da palavra “sanções”. Putin, porém, deixou claro no seu discurso que não se sente ameaçado por elas: “Tentaram chantagear-nos, ameaçar-nos com sanções. Acho que as vão impor e continuar a usá-las à medida que o nosso país se tornar mais poderoso. Vão sempre invocar uma desculpa para aplicar sanções, o objetivo deles é travar o desenvolvimento da Rússia”, disse, sobre o Ocidente, que acusou de usar “as mesmas velhas palavras” ao longo dos últimos dias.

Tropas russas a caminho de Donbass em “missão de paz”. Ficarão por aí?

O espaço para a diplomacia é, por isso, cada vez mais diminuto. O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergey Lavrov, vai encontrar-se com o secretário de Estado americano, Anthony Blinken, esta quinta-feira. Blinken avisou, porém, que cancelará o encontro caso a Ucrânia seja invadida, o que significa que pode cair com o envio destas tropas para a “manutenção da paz”.

“Têm de parar estas hostilidade e derramamento de sangue em Donbass. Caso contrário, qualquer consequência terá de pesar nas suas consciências.”
Vladimir Putin no seu discurso desta segunda-feira, dirigindo-se aos governantes de Kiev

No seu discurso, Vladimir Putin colocou o ónus nos “governantes de Kiev”. “Têm de parar estas hostilidade e derramamento de sangue em Donbass. Caso contrário, qualquer consequência terá de pesar nas suas consciências”, disse, antes de concluir o discurso. Antes disso, já tinha deixado uma ameaça velada aos ucranianos: por entre as declarações sobre a História do pós-Guerra Fria e críticas ao derrube de estátuas de Lenine, Putin assegurou estar pronto para “mostrar à Ucrânia o que é a descomunização [nome dado na Ucrânia ao processo de afastamento do legado soviético] à séria”. Avisos que Max Seddon, correspondente do Financial Times em Moscovo, interpretou como sendo “apenas o início”. “O discurso deixa isto claro: a guerra está em cima da mesa.”

Com a chegada das “forças de paz” russas a Donbass, a tensão sobe para níveis nunca vistos. A grande dúvida, neste momento, é se as tropas de Moscovo irão entrar e, se o fizerem, se permanecerão apenas no território do leste da Ucrânia controlado pelos rebeldes (atrás da chamada “linha de controlo”) ou se tentarão avançar para as partes de Donbass controladas pelo exército ucraniano. Resta também saber como irá Kiev reagir a estes últimos acontecimentos. Na tarde desta segunda-feira, Andriy Zagorodnyuk, ex-ministro da Defesa ucraniano, afirmou que, se tropas russas entrarem em cidades pró-russas controladas pelos ucranianos, como Mariupol e Kramatorsk, “haverá guerra”.

DPR Head Pushilin asks Russia to recognize independence of Donetsk People's Republic

Estátua de Lenine na cidade de Donetsk, uma das poucas que ainda se mantém de pé na Ucrânia

Alexander Ryumin/TASS

Por enquanto, as críticas podem subir de tom, mas tudo dependerá da ação das tropas russas no terreno. Por muito que António Guterres fale em “violação da Carta das Nações Unidas”, a verdade é que grande parte de Donbass já é controlada de facto pela Rússia, tendo em conta a lealdade das repúblicas independentes a Moscovo. Mas qualquer avanço para lá desse território ou agressão de ou contra os soldados ucranianos significará guerra aberta entre Rússia e Ucrânia.

Ao cair da noite, o especialista Sam Greene resumia a situação como sendo “o trabalho preliminar” para uma ocupação da Ucrânia. “Não quer dizer que é para aí que ele vai. Mas está a dar corda às pessoas nesse sentido.” Em Donetsk e Lugansk, o discurso de Putin e envio das tropas foi recebido com festejos: fogo de artifício e bandeiras russas.

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