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RODRIGO MENDES/OBSERVADOR

RODRIGO MENDES/OBSERVADOR

O "fetiche" animalista do PAN e o "verde meio avermelhado" do Livre. Como Tavares e Sousa Real disputam o voto animal e verde

Rui Tavares entende que antes das causas estão as pessoas e, enquanto esquerda, critica a indefinição ideológica do PAN. Inês Sousa Real acusa Livre de fazer dos animais "slogan eleitoral".

Inês Sousa Real e Rui Tavares enfrentam-se nos debates televisivos a 14 de fevereiro, mas o confronto eleitoral já começou e a relação entre os dois partidos de génese ecologista e animalista já viu melhores dias, com acusações mútuas de indefinição ideológica — do Livre para o PAN — e de falta de comprometimento com as causas pelas quais dão a cara — do PAN para o Livre.

O porta-voz do Livre entende que na área da proteção dos animais e na defesa do ambiente e da biodiversidade “é muito mais o que une os dois partidos do que o que os separa” e acusa Inês Sousa Real de “querer criar uma diferença onde ela não existe” e até mesmo de ter criado um “factóide de campanha” após ter afirmado numa entrevista que o Livre entendeu que “colocar os animais na Constituição é um fetiche de forças políticas como o PAN”.

Rui Tavares utilizou a rede social X para desmentir a acusação e, ao Observador, reforça a mesma ideia. “O Livre sempre defendeu a inclusão dos animais e da Natureza na constituição e a obrigação do Estado português de proteger o bem-estar e criminalizar os maus tratos contra os animais e dar-lhes personalidade jurídica”, assegura. Mas, explica, acabou a votar contra a proposta de Sousa Real, porque “o PAN queria que a Assembleia da República (AR) assumisse poderes extraordinários de revisão constitucional já após a demissão do Governo e num momento em que já estávamos em crise política”. Rui Tavares entende que se estaria a dar um livre passe ao PS e ao PSD, que juntos perfazem dois terços do Parlamento e “a capacidade de mudar a constituição a poucas semanas das eleições”.

“Por muito que gostemos de um determinado tema, não devemos normalizar esse tipo de metodologia”, aponta o político e admite que o Livre deixou cair propostas como a “defesa da língua mirandesa”, pelas quais tinha grande apreço, tal como o PAN tinha pela proteção constitucional dos animais. Para o líder partidário, “se amamos verdadeiramente uma causa, mais obrigação temos de a proteger e não deixar que ela seja colocada sobre a sombra de uma suspeição de que as coisas não estão a ser bem feitas”.

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Em declarações ao Observador, Inês Sousa Real diz que o Livre apresenta uma “desculpa de mau pagador” e considera que a AR perdeu uma oportunidade de acautelar constitucionalmente a proteção animal. “Não nos pareceu uma justificação viável até porque não votou uma vez contra, mas sim duas vezes contra a proposta do PAN de revisão extraordinária da constituição para este efeito”, afirma a porta-voz do partido. Esclarecendo que a primeira proposta de resolução não foi admitida pelo Presidente da Assembleia da República e que, perante a apresentação do recurso da decisão, o Livre votou contra o recurso da decisão.

“Voltámos a apresentar esta proposta, antes da dissolução, para garantir que conseguíamos aproveitar o trabalho que já tinha sido feito, porque já tinha havido toda a auscultação e trabalho feito que era aproveitável e o Livre votou mais uma vez contra”, acrescentou. Sousa Real diz que a meta para garantir a inscrição da revisão constitucional no Parlamento já existia e teme que depois de 10 de março “não volte a ser atingida”. “Esta é uma das diferenças do PAN e do Livre. Um voto no PAN é um voto na proteção animal e no Livre não“, defende a deputada única.

A indefinição do PAN e o Livre à esquerda. A diferença determinante no “mar de semelhanças”

Rui Tavares estranha que o PAN “se queira agarrar a uma diferença que é preciso ir desencantar num mar de semelhanças” e garante que tem uma ” lista de dezenas de projetos, incluindo de proteção dos animais, que os partidos votaram em conjunto”. Entre eles, o da criação do estatuto de refugiado climático, da garantia do direito à mobilidade com animais de companhia, eliminando a discriminação por raças e ainda o reconhecimento da figura do animal comunitário e da promoção da esterilização de animais errantes.

O deputado único do Livre destaca uma recente ação de pré-campanha eleitoral na União Zoófila, uma associação de animais de companhia que acolhe animais abandonados ou maltratados. “Comprometemo-nos com medidas de apoio e integração da proteção e bem estar animal nos programas educativos”, refere.

Se no campo das causas, o Livre assume a proximidade com o PAN, recusa a mesma realidade em relação ao posicionamento ideológico e à forma de fazer política com os outros partidos portugueses. “O Livre é muito claro no seu posicionamento esquerda-direita, é de esquerda e tem essa clareza com as pessoas”, assegura Rui Tavares, que diz que tal influencia “onde termina a sua política de alianças”, que considera ser um aspeto relevante da política central contemporânea.

Para o deputado único, é importante “saber com o que se conta em relação às afinidades e cooperações”, lembrando que o PAN “está aliado ao PSD Madeira e que na sequência das investigações judiciais que decorrem tem demonstrado disposição para continuar a apoiar o partido apenas com uma mudança de cara”.

Inês Sousa Real diz que o Livre apresenta uma "desculpa de mau pagador" e considera que a AR perdeu uma oportunidade de acautelar constitucionalmente a proteção animal.

Rui Tavares entende ainda que “cada um escolhe os ataques que quer fazer” e que o Livre “concentra os seus ataques nos inimigos da democracia e naqueles que podem representar a regressão ambiental e social no nosso país, alguns dos quais o PAN não disse que não trabalharia com eles“. E acusa o oponente de  trabalhar com “quem durante décadas contribuiu para a densificação da construção na Madeira e a privatização do espaço público e o desordenamento do território.”

Inês Sousa Real devolve a crítica no que respeita às posições relativas a casos judiciais. “Na área da proteção ambiental, o Livre votou de forma incoerente, não acompanhando quando o PAN pediu a suspensão de projetos tão polémicos como os que estão em causa na Operação Influencer”, acusa a porta-voz, referindo o caso judicial que envolve ministros do Governo demissionário de António Costa e o próprio primeiro-ministro e a construção do Data Center de Sines, que está a ser construído em terrenos que incluem uma zona especial de conservação.

A deputada única admite ainda uma diferença clara do ponto de vista ideológica entre os dois partidos. “O PAN não diaboliza a iniciativa privada, nem as empresas e o empreendedorismo e o Livre, por exemplo, não votou favoravelmente à criação da linha financeira de apoio extraordinário dos titulares de crédito à habitação e até mesmo na isenção de IMT Jovem, o que mostra um preconceito ideológico com o direito a ter casa própria”, afirma.

Segundo a porta-voz, o PAN tem sido uma “força moderada, de centro e progressista, sem preconceito ideológico” e assume que “é a verdadeira força ambiental e de proteção animal da AR”, mas, acima de tudo, “uma força que trabalha para as pessoas e com medidas pensadas para as mesmas”.

O PAN tem sido a única força política, no âmbito do processo legislativo, a apresentar iniciativas e a agendar declarações políticas e debates temáticos levar a temática animal
Inês Sousa Real

“Na hora de apresentar iniciativas que sejam coerentes com esse mesmo princípio, o PAN tem demonstrado a sua coerência e apresentado medidas que traduzem quer uma justiça social quer uma justiça ambiental”, acrescenta a deputada, que diz que a defesa destas causas “não pode ser um mero slogan eleitoral” e tem que ter “efetivamente expressão nas mudanças na vida das pessoas e na proteção do planeta, não nos esquecendo que dentro deste planeta existem também os animais e por isso é que o voto no PAN é um voto na biodiversidade e verdadeiramente verde e não um verde meio avermelhado“.

O ataque de Sousa Real a Rui Tavares é claro, a proximidade do Livre com a esquerda é vista como um obstáculo à defesa das causas animalistas e ambientalistas. “Não nos podemos esquecer que o PAN tem sido a única força política, no âmbito do processo legislativo, a apresentar iniciativas e a agendar declarações políticas e debates temáticos levar a temática animal”, defende a deputada, acrescentando que o partido nunca teve “qualquer receio, quer em relação a lóbis instalados, quer em relação à tauromaquia”.

Além disso, reclama para o PAN a autoria de medidas que fizeram a diferença na vida das famílias, tais como os “milhões para a proteção animal e para as famílias” e ainda para que as vítimas de violência doméstica “possam ter animais de estimação e aceder às casas de abrigo com eles”. Refere ainda as medidas de IVA 0% para que as associações de animais possam adquirir ração.

Livre é membro pleno dos verdes europeus. PAN “queria partido animalista europeu” e agora espera lugar à mesa

O Livre foi fundado a 31 de janeiro de 2014, cinco anos depois do PAN, “para corrigir uma lacuna histórica”. Segundo Rui Tavares, faltava “um partido da família verde europeu que concorresse autonomamente nas eleições”. Ainda assim, só quase 10 anos depois da sua criação, em junho de 2023, é que o partido se tornou um membro de pleno direito do Partido Verde Europeu. O porta-voz justifica a demora na integração com o “respeito” pelo Partido Ecologista Os Verdes português e com a espera por um momento em que ele votasse a favor da sua entrada.

A espera deu frutos, 89,7% dos membros dos Verdes Europeus votaram a favor da integração do Livre na família partidária europeia.”Em Portugal, o Livre será o único membro de pleno direito do Partido Verde Europeu com estratégia autónoma, que concorre a eleições sozinho e que defende como os Verdes a integração europeia e de democratização do projeto europeu”, referiu o partido no X, antigo Twitter, aquando da sua aprovação.

Comitiva do Livre no 37º Congresso do Partido Verde Europeu

Como recorda Rui Tavares, quando o Livre foi criado, assumindo o seu forte pendor europeísta e a intenção clara de se juntar ao grupo verde de Bruxelas, “o PAN já existia e não tinha sequer realizado a candidatura”. “Estava empenhado na criação de um partido animalista europeu e assim foi durante muito tempo”, acusa o líder do Livre, na senda da lógica de que o pendor animalista do partido liderado por Sousa Real se sobrepõe até à defesa das causas climáticas. Atualmente, o PAN é membro observador dentro da família europeia, também desde junho do ano passado.

“O PAN está na fase de aderentes e tem participado em todas as reuniões estratégicas e está a trabalhar para recuperar o lugar no Parlamento Europeu em junho”, assegura a porta-voz do partido, que não tem dúvidas que a integração plena está ao virar da esquina. Quando o partido foi aceite na condição de membro externo Inês Sousa Real escreveu no X que “uma Europa progressista é uma Europa verde, que passa agora a integrar também a causa animal no seu ADN”.

Nas eleições europeias de 2019, o PAN conseguiu eleger o seu primeiro eurodeputado, Francisco Guerreiro. Pouco mais de um ano depois, em junho de 2020, o deputado anunciou a saída do partido por “divergências políticas” com a direção. Em outubro de 2021, era revelado que o ex-PAN se tinha filiado no Volt, ato que a líder do partido classificou de “oportunismo político indescritível” e um “defraudar das legítimas expectativas dos eleitores que deram ao PAN um lugar no Parlamento Europeu”.

No momento em que falou ao Observador, Inês Sousa Real participava no congresso dos Partidos Verdes Europeus, em Lyon, onde as forças partidárias debateram e aprovaram o manifesto conjunto que levarão às eleições europeias de junho. O PAN não tem, até ao momento, direito de voto, mas, segundo a deputada única, a integração plena chegará.

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