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O grande baile de Pedro da Linha

Produziu discos de Ana Moura, EU.CLIDES e Pedro Mafama. E tem um novo EP, "Rua Rosa, 24". Entre os ritmos afro, a eletrónica e canção popular, Pedro da Linha marca a batida da nova música portuguesa.

Casa Guilhermina, de Ana Moura; Declive, de EU.CLIDES; Estava no Abismo Mas Dei Um Passo em Frente, de Pedro Mafama. Por trás de alguns dos discos portugueses mais relevantes dos últimos meses encontra-se um nome em comum: Pedro da Linha. O produtor e compositor de 31 anos tem vindo a cimentar a sua posição na música nacional, colaborando com diversos artistas, evidenciando talento e versatilidade. E existe uma missão clara naquilo que faz: “elevar a música portuguesa”, como descreve ao Observador.

Esse manifesto torna-se ainda mais notório com Rua Rosa, 24, o EP que lançou em maio através da editora alemã Man Recordings UG, onde reinterpreta música popular portuguesa e a torna apetecível para as pistas de dança dos clubes. A génese do projeto está diretamente ligada ao Musicbox, sala histórica daquela que é conhecida como a rua cor-de-rosa do Cais do Sodré, em Lisboa, onde Pedro da Linha mantém uma residência mensal.

Há três anos que não lançava música nova em nome próprio. O processo de apresentar Da Linha em março de 2020 foi “traumatizante”, visto que o álbum saiu nas vésperas da pandemia da Covid-19. Nunca pôde ser apresentado de forma conveniente e perdeu importância quando o vírus passou a dominar a vida de todos. “E nunca me deu grande prazer tocar as músicas do disco porque ficou associado a uma altura muito estranha das nossas vidas”, explica.

[ouça o EP “Rua Rosa, 24” na íntegra através do Spotify:]

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Essa fase mais difícil durante os primeiros confinamentos dissipou-se quando Ana Moura, em busca de reinventar a sua carreira artística, convocou Pedro da Linha para o processo de construção do álbum que viria a ser Casa Guilhermina. Os dois já tinham colaborado no tema “Vinte Vinte”, que juntou Ana Moura a Conan Osíris e Branko, e a relação estreitou-se a partir daí. Foi precisamente Pedro da Linha que estabeleceu a ponte para que Mafama se tornasse uma parte essencial do disco — e, depois, na vida de Ana Moura, já que os dois formaram uma relação e tiveram uma filha.

“Com a Ana foi mesmo pôr-me fora de pé, ao lado dos tubarões. Foi a maior pressão da minha vida”, admite Pedro da Linha, sublinhando que a fadista não tinha um disco novo há sete anos. “Aprendi e cresci muito, até porque estar sempre a jogar no conforto ou a usar a mesma fórmula… Por exemplo, estás uma vida inteira a ouvir que não se mexe na Amália. Então tive um conflito interno ao fazer aquela versão do ‘Estranha Forma de Vida’. Mas a partir do momento em que saiu o ‘Andorinhas’…”

Casa Guilhermina revelou-se um autêntico marco cultural, conquistando de imediato um estatuto de disco importante na história da música portuguesa contemporânea. Alcançou uma enorme popularidade e ajudou a renovar o público de Ana Moura, com o seu fado mesclado com folclore português e música angolana como o semba e a kizomba, recuperando as raízes da artista.

Dos primeiros beats às festas Na Surra

Foi precisamente isso que Pedro Maurício cresceu a ouvir na Damaia. Nas ruas e na escola a banda sonora era sobretudo tarraxo, kuduro, kizomba e algum rap. “Quando moras na periferia, mesmo ao lado da Cova da Moura, é isso que ouves e ajudou muito.” Em casa, a mãe ouvia pop rock, bandas que podiam ir dos Joy Division aos Coldplay, passando pelos Radiohead. Já o pai, natural de São Pedro do Sul, era sobretudo ligado à música popular portuguesa. “Era música alegre que íamos ouvindo em viagens de carro ou na aparelhagem em casa. E o sonho do meu pai era que um dos filhos tocasse concertina [risos]. Lembro-me de ir à minha avó, às festas da aldeia. Agora olho para trás e penso que foi importante, porque, mesmo que seja inconsciente, absorves sempre alguma coisa.”

Sem qualquer formação musical, Pedro Maurício começou a experimentar produzir música enquanto repetia disciplinas a que tinha chumbado no décimo segundo ano. “Comecei a sair muito à noite e a deixar a escola para trás.” Conciliava a escola com alguns trabalhos de part-time — trabalhou em lojas de roupa e em ações de promoção, por exemplo — mas o tempo livre levou-o a explorar a música. O seu irmão, quatro anos mais velho, foi decisivo nesse momento. Com um historial mais ligado ao metal, começou a interessar-se cada vez mais por música eletrónica.

“Fui ganhando o bichinho de estar a fazer música, sabia que estava ali qualquer coisa, havia pessoas a gostar daquilo. E não é preciso tirar o curso de cozinha para ser cozinheiro, é possível ir ir por tentativa e erro”

“O meu irmão estava sempre a falar-me de eletrónica. Na altura havia nomes como Boys Noize, Justice ou o Gui Boratto. E isso deixou-me com vontade de experimentar aquilo. Começar a fazer música foi influência direta do meu irmão. Ele sempre quis ser DJ, só que nunca chegou a ser.” Pedro acabou por fazer um curso de técnicas de estúdio, quando já partilhava os seus instrumentais no SoundCloud. Mas foi sobretudo um autodidata caseiro e perfecionista. Passava horas e horas a devorar tutoriais no YouTube, aprendeu sobre acordes e escalas a ler PDFs online, e estudou diversos géneros de música, como as obras clássicas de compositores como Chopin.

“Fui ganhando o bichinho de estar a fazer música, sabia que estava ali qualquer coisa, havia pessoas a gostar daquilo. E não é preciso tirar o curso de cozinha para ser cozinheiro, é possível ir ir por tentativa e erro.” E eis então que surge o convite para se estrear enquanto DJ numa festa das Hard Ass Sessions, no Lux Frágil, da editora Enchufada. Era a casa dos Buraka Som Sistema, a sua maior referência, o coletivo que nasceu na Amadora e cruzava kuduro com elementos de eletrónica, levando-os a atingir um estatuto de renome internacional.

Na altura, Pedro da Linha dava pelo nome de Kking Kong e rapidamente se aproximou de Branko e tornou-se parte essencial da Enchufada, colaborando com diversos artistas e produzindo os seus próprios singles e EPs. Trabalhou ainda com Fred Ferreira em estúdio e assistiu em primeira mão à estreia de Carlão a solo ou à produção dos discos de Regula. Foi assinando colaborações com nomes como Dino D’Santiago, ProfJam ou Diogo Piçarra, entre tantos outros. Eventualmente, tornou-se uma das principais figuras das populares festas Na Surra, no B.leza. Em 2021 foi convidado para participar enquanto compositor no Festival da Canção, tendo produzido “Volte-Face” para EU.CLIDES. No mesmo ano co-produziu o primeiro álbum de Pedro Mafama, Por Este Rio Abaixo.

Ambos são músicos que muito cresceram nestes últimos anos. Começaram por um pequeno circuito, mas eventualmente chegaram a públicos bastante mais alargados, de calibre pop, com a respetiva música a desenvolver-se e a aperfeiçoar-se. Pedro da Linha deu um contributo essencial para que isso acontecesse, mas realça que também aprendeu muito com eles.

“Uma das pessoas com quem mais cresci no ponto de vista de fazer canções foi o EU.CLIDES, que é um músico de conservatório, um instrumentista incrível que toca quase tudo. Para mim, música pop é aquilo. E também aprendi muito com o Pedro. Com aquilo que ele quis resgatar e ele é um artista consolidado que sabe muito bem o que quer dizer. Adoro ouvi-lo falar e a maneira como ele escreve música. Acredito seriamente que vai ser, se não é já, um dos artistas mais relevantes da música em Portugal. Nada me deixa mais contente de ver o sucesso que eles e a Ana estão a ter. É recompensador. São três pessoas de quem aprendi a gostar muito e temos uma bela relação. E, por acaso, todas sabiam o que queriam, tinham uma visão, mas não sabiam como o fazer. E a minha perspetiva foi: vou-me oferecer porque acredito que consigo. Sou o gajo que gosta de arriscar e fazer coisas diferentes.”

“Porque é que tenho de estar sempre a imitar um americano?”

Enquanto trabalhava nos novos discos de EU.CLIDES e Pedro Mafama, Pedro da Linha ia orquestrando o seu novo EP nos (poucos) tempos livres. À medida que ia estudando e descobrindo as rumbas, as marchas e a música de baile para o disco de Mafama, foi tendo para si a ideia de que queria explorar a música popular portuguesa em nome próprio.

“Foi muito uma cena de recolha, muito à la [Michel] Giacometti e Música Portuguesa a Gostar Dela Própria. Como é que isto se pode tornar numa cena para o clube? Queria ir buscar algo que é muito nosso, que é música popular, mas não tem necessariamente de ser melancólica e pesada… Há tanta música popular fixe a que o pessoal não liga, ou então já ouviste mas não sabes de quem é. Ou que soa mal, porque é antigo, ou não sabes muito bem como tocar aquilo porque não está preparado para ser DJ friendly. E há coisas que nem estão no Spotify e só encontras se souberes procurar no YouTube. O que fiz foi um estudo grande — ouvir música, estudar estruturas, componentes.”

"O ideal para mim até seria fazer colaborações. Só que, ou os artistas de que gosto infelizmente já não estão cá, ou é difícil esperar que os que estão tenham abertura... Mas esses encontros improváveis podem gerar coisas muito interessantes”, diz, atirando para cima da mesa nomes inesperados como Ágata, Ana Malhoa ou Ruth Marlene.

Inspirou-se em Fátima Molina, Chiquita ou em Roberto Leal para construir quatro temas baseados em música popular, mas feitos a pensar na pista de dança. “Apesar de lutar muito por tentar fazer coisas novas, não tem que ser 100% novo. O que tentei fazer ao reinterpretar aquilo foi criar uma versão nova e dançável que seja fácil para o clube. Não sei se é tributo, se é homenagem, mas isto existe e ninguém está a reparar. Há muita música portuguesa muito bem feita que não tem destaque. Não é que tenha saído na altura errada, mas o tempo passa rápido e há coisas que sobrevivem e outras ficam para trás.” E não sentiu qualquer preconceito ou constrangimento em abordar estas músicas, explica. “Todos falam mal d‘O Ritmo do Amor’ [de Emanuel], mas aquilo toca e o pessoal sabe a letra. O José Pinhal tornou-se cool, mas ele sempre esteve ali. Agora imagina criares esse hype à volta destas coisas todas. Contribuir para isso é aquilo que mais me move. Elevar a música portuguesa é um bem maior para mim. Se daqui a 10 anos a música de baile for uma cena e eu tiver ajudado a contribuir para isso, fantástico.”

Vê-se a continuar o legado da música popular em Portugal e faz uma analogia com o negócio do pai, um dos sócios da Nova Pombalina, tasca tradicional portuguesa da Baixa lisboeta, aberta desde os anos 80. “Se pudesse continuar com aquilo continuava, acho bonita a cena da passagem de testemunho. É como na música. Este pessoal fez isto tudo, também nos compete a nós continuar o legado. Porque é que tenho de estar sempre a imitar um americano? É um bocado por aí. Além de que a Baixa precisa de sítios portugueses.”

Obviamente, esta visão não o impede de ter os olhos postos no mundo. Afinal, Rua Rosa, 24 foi editado por uma editora alemã, o que tem dado um “alcance grande” ao projeto, e Pedro da Linha tem o objetivo claro de se internacionalizar. Já colaborou com artistas de vários países e pretende continuar a estabelecer essas pontes artísticas nos próximos meses. No NOS Alive, por exemplo, vai atuar com o dominicano Kelman Duran, que participou no seu Da Linha.

“Queria lançar mais um EP este ano, porque a cultura do EP está a voltar e muito bem. Estou a planear outros projetos colaborativos também. Em nome próprio, vejo-me a continuar a explorar a música popular portuguesa. Era infeliz se só fizesse este EP e agora fosse fazer techno [risos]”, brinca. “Vejo-me a explorar cada vez mais nos próximos tempos e a tentar trazer ao de cima coisas ótimas que deviam estar cá fora. O ideal para mim até seria fazer colaborações. Só que, ou os artistas de que gosto infelizmente já não estão cá, ou é difícil esperar que os que estão tenham abertura… Mas esses encontros improváveis podem gerar coisas muito interessantes”, diz, atirando para cima da mesa nomes inesperados como Ágata, Ana Malhoa ou Ruth Marlene.

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