Índice
Índice
“Quem tem saúde e força de vontade consegue correr 42 quilómetros”. Foi um conselho que Jorge Brito Pereira recebeu já depois de adulto a caminho dos 40 anos e que levou a sério. Tem um grupo de amigos que fazem maratonas um pouco por todo o mundo. Agora, o advogado que gostava de se descrever como um “homem que veio da Amadora” prepara-se para outro tipo de corrida: vai recomeçar um novo ciclo profissional e pessoal, quer acabar a tese que deixou pendurada há vários anos para seguir uma carreira de sucesso que passou por dois grandes escritórios de advogados e que teve um travão depois desta semana alucinante.
O advogado que se tornou conhecido como um dos homens que ajudou a construir o universo empresarial de Isabel dos Santos anunciou esta sexta-feira que vai abandonar a Uría Menéndez, escritório onde esteve nos últimos quatro anos. Quebra também todas as ligações profissionais que tem com a empresária angolana da qual é representante legal em dezenas de empresas. Vai ainda deixar os cargos nos órgãos sociais que assumiu em representação da sua cliente mais importante. A presidência não executiva da NOS era o que mais visibilidade dava, mas Brito Pereira é administrador, sempre não executivo, ou presidente da mesa da assembleia geral e secretário de várias outras sociedades.
No comunicado em que anunciou o seu afastamento, Jorge Brito Pereira explica que decidiu cortar não só com o escritório, mas também com a sua atividade profissional como advogado, que fica suspensa. A consequência “imediata e necessária” é o fim do “patrocínio jurídico à Engenheira Isabel dos Santos e às sociedades que lhe estão associadas”. A separação foi comunicada à empresária angolana, e em pessoa, segundo informação recolhida pelo Observador. Não terá sido fácil, mas dificilmente poderia ter sido de outra forma dada a relação de confiança construída há mais de dez anos de trabalho em conjunto. Brito Pereira sai para não prejudicar o bom nome e a reputação da Uría Menéndez Proença de Carvalho, mas “sem a admissão de culpa”.
É um duplo corte com a cliente e com a profissão, neste caso pelo menos para já, mas a suspensão da carreira na advocacia terá custado mais. Quando decidiu sair da PLMJ, há alguns anos, Brito Pereira tinha propostas de vários escritórios, a reconhecer uma carreira de sucesso como advogado de negócios, mas também uma cliente de peso que trazia muitas receitas. O êxito profissional não surgiu por acaso. Apaixonou-se pelo curso de Direito ao terceiro ano, quando conseguiu tirar a primeira nota de 16 valores. Foi o primeiro elemento da sua família a licenciar-se.
Assim que acabou o curso na Faculdade de Direito da Universidade Católica, em 1989, Jorge Brito Pereira aceitou logo o convite da Universidade Clássica para professor assistente numa série de disciplinas. Na altura, sabia que não tinha um percurso como a maior parte dos colegas. Vindo de uma família de classe média/média baixa, condição que assume sem complexos, estudou no liceu da Amadora (onde viveu até aos 17/18 anos) e não vinha de “uma linhagem de advogados”, como o próprio já afirmou. Foi contratado pela sociedade em que estagiou e onde trabalhou mais de 20 anos, a PLMJ.
Quem trabalhou com ele nesses anos recorda que muitas vezes recorria às suas origens para contextualizar o seu humor e personalidade, dizendo: “Sou um homem da Amadora”. Hoje, confessa, se calhar teria sido mais escrutinado e não teria, sequer, tido a oportunidade de traçar o percurso profissional que acabou por fazer: com 24 anos fazia uma das primeiras OPA (ofertas públicas de aquisição) em Portugal ao lado de um dos advogados mais conhecidos do país, José Miguel Júdice, e, anos depois, tinha a cliente que muitas sociedades do país desejavam à data: Isabel dos Santos, a filha do então presidente angolano.
Luanda Leaks. O day after: “Estava de rastos”
Apesar de muito conhecido e respeitado no meio pela competência, Jorge Brito Pereira ganhou mediatismo com as revelações do Luanda Leaks. O seu nome apareceu nas notícias como tendo duas empresas em paraísos fiscais por onde terá passado dinheiro alegadamente desviado da Sonangol. Logo no dia seguinte, em que o seu nome foi associado à gestão destas empresas, o advogado de 52 anos enviou um comunicado às redações a explicar que nunca teve “qualquer intervenção que não a de constituir formalmente a sociedade”, a Matter Business Solutions. É certo, disse o advogado, que ele teria “poderes latos e abrangentes” sobre a empresa, mas garante que esses poderes “nunca foram por qualquer forma exercidos”, com exceção da própria criação formal da sociedade empresarial.
Administradores de Isabel dos Santos renunciam aos cargos na NOS
O advogado aparece também referido como diretor da empresa Athol Limited, criada com o marido de Isabel dos Santos e depois passada para ela. Ele tem uma das 2 mil ações, ela tem as restantes. A participação acionista residual será o resultado de um dos deveres profissionais do advogado de negócios: há empresas que para serem constituídas precisam de ter mais do que um sócio e aí entra o advogado. Terá sido através dessa empresa que a filha do ex-presidente angolano terá adquirido um imóvel no Mónaco por 55 milhões de euros.
Um dia depois de o seu nome ter aparecido nos meios de comunicação que compõem o consórcio internacional de jornalismo de investigação, várias pessoas que o conhecem telefonaram-lhe. Queriam ouvir da boca dele o que se tinha passado e as palavras foram muito semelhantes às que enviou aos jornalistas. Além disso, admitiu estar arrasado. “Estava de rastos porque ser associado à gestão destas empresas descredibiliza a sua imagem junto dos clientes e da própria sociedade de advogados onde trabalha”, disse uma fonte próxima de Brito Pereira ao Observador. “Um advogado que faz advocacia de negócios vive da sua reputação, estar a ser conotado com atos de branqueamento e desfalque não é o melhor para ele”, acrescentou.
Já José Miguel Júdice, que confessa que no lugar dele estaria “muito incomodado”, foi muito claro quando falou com ele: “Temos de ir almoçar a um restaurante de Lisboa que eu quero ter a honra de ser visto contigo aí em público”, contou ao Observador.
É preciso recuar a 1991 para perceber a relação entre ambos. Brito Pereira estava a dar aulas como professor assistente das cadeiras de Obrigações, Comercial, Direito do Trabalho e Direito Bancário na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa quando uma ex-colega da Católica o recomendou a Júdice, com quem estava a estagiar. “Disse-me que ele era muito bom e mandei-o vir. Como é normal não fico apaixonado pelas pessoas quando as vejo, pareceu-me que tinha bom currículo e vontade de trabalhar”.
O “homem da Amadora” no grande escritório de advogados
Mais de 20 anos depois não era essa, porém, a perceção de Jorge Brito Pereira. Numa entrevista que deu ao comentador televisivo, também seu amigo, Pedro Marques Lopes para uma rubrica no Dinheiro Vivo, o advogado dizia que achava que Júdice tinha gostado logo dele. (Marques Lopes recusou falar ao Observador sobre o amigo.)
Se não gostou, não demorou muito. Pouco tempo depois, conta José Miguel Júdice, surgiu na PLMJ “um assunto muito importante, muito complicado e muito novo, que foi a primeira OPA hostil em Portugal”. “A Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) tinha dois ou três meses, era um terreno completamente novo, eu fui contratado para ser advogado do Banco Finantia numa oferta sobre a Sofinlonc”, lembra. E para isso, ironiza, contratou “um especialista no mercado de capitais”: Jorge Brito Pereira, acabado de sair da faculdade e com apenas 24 anos.
Numa entrevista ao Eco, em outubro de 2018, o próprio lembra que essa foi uma das transações que fez que mais marcou o seu percurso. “Não sabia absolutamente nada do assunto. Foi uma aprendizagem? Sim, abriu-me o caminho, um caminho enorme… Depois, na sequência disso, juntamente com o Dr. José Miguel Júdice, a Dra. Luísa Antas, o Dr. Artur Ferreira, escrevemos um livro sobre o tema e isso trouxe mais trabalhos de OPA. Acabei por fazer a minha tese sobre o mesmo tema. Aquilo marcou muito o meu caminho”.
Um caminho que, confidenciou ao amigo Pedro Marques Lopes, teria sido mais difícil de traçar nos tempos que correm. “Eu não era o típico gajo que ia para um grande escritório logo depois da faculdade. Não venho de uma linhagem de advogados, não fazia parte de uma elite, não conhecia a gente do meio. O único possível seria a PLMJ — que se estava a tornar no maior escritório de advogados do país —, e que era menos tradicional, mais aberta”, disse.
A primeira OPA hostil e os grandes negócios com Amorim e a Cimpor
Jorge Brito Pereira percebeu ainda na faculdade que a ser advogado exerceria uma advocacia “de dinheiro” e não uma advocacia “de pessoas”. “Quando eu falo numa advocacia de dinheiro, falo numa advocacia de negócios, quando falo numa advocacia de pessoas estou a falar de direito da família, do trabalho, sucessório, o penal — uma advocacia que mexe mais proximamente com as pessoas e aquilo que mais gostam”, admitiu ao Eco. Na verdade, há quase uma cisão entre estes ramos do Direito: os advogados de negócios não se cruzam muitas vezes com os outros.
Um advogado que chegou à PLMJ meses depois de Brito Pereira contou ao Observador que, de facto, eram muitas as vezes que ele fazia questão de sublinhar a quem estava que era “um homem da Amadora”. O advogado, que prefere não ser identificado, lembra-se bem que na altura ele estava com o dossier da OPA do Finantia e que rapidamente ascendeu na sociedade de advogados. Em 1998, com cerca de 30 anos, ascendia a sócio. “Numa altura em que havia maior investimento em Portugal, Cavaco era o primeiro-ministro, a Autoeuropa abria, os escritórios de advogados não eram muito sofisticados, era uma época de grande sucesso e progressão para os advogados que faziam direito comercial”, constata.
Um estagiário que chegou à PLMJ quando Brito Pereira era um sénior encontrou nele um homem descontraído. “Só usava gravata quando era mesmo necessário, adorava música e tinha um sentido de humor incrível”. Lembra-se que a sua mulher também é formada em Direito, mas não exerce. Quem com ele trabalha salienta ainda a capacidade de gerir equipas, de as motivr e, sobretudo, da maneira “fora da caixa” como pensa e resolve o que lhe cai na secretária. Defeitos também os tem, tendo algumas pessoas ouvidas pelo Observador apontado a dificuldade em ouvir os outros.
Foi na PLMJ que Brito Pereira trabalhou com grandes empresas. Esteve envolvido na venda do Banco Nacional de Crédito (BNC) por Américo Amorim ao Banco Popular espanhol. Enquanto trabalhava neste negócio muito intenso conheceu Mário Leite da Silva, então o diretor financeiro e homem de confiança do industrial da cortiça que era o homem mais rico de Portugal quando morreu em 2017. Poucos anos depois de se terem conhecido, em 2005, Jorge Brito Pereira e Mário Leite da Silva estariam a trabalhar em conjunto para as empresas da filha do então presidente de Angola.
No final de 2005 rebentou um conflito entre a Cimpor, então a maior cimenteira portuguesa, e Isabel dos Santos, que estava já a dar grandes passos nos negócios em Angola e Portugal. O governo angolano atacou a venda de uma participação de 49% da Cimangola à Cimpor e congelou os direitos de voto da empresa portuguesa, então presidida por Pedro Maria Teixeira Duarte e onde a construtora era a principal acionista. Jorge Brito Pereira era então advogado da Cimpor e do outro lado da mesa estava Mário Leite da Silva, que já representava os interesses de Isabel dos Santos. A Cimpor acabou por vender a participação à angolana, um acordo que pôs fim ao braço de ferro com as autoridades de Luanda.
O trabalho de Brito Pereira neste dossiê terá impressionado favoravelmente a filha de José Eduardo dos Santo que, passado uns meses, o convidou para a representar em alguns negócios. A ligação foi-se aprofundando e o advogado tornou-se uma peça muito relevante do universo empresarial construído por Isabel dos Santos, sobretudo em Portugal, mas não só. Uma relação que também passava pela amizade com o chamado braço direito da empresária, Mário Leite da Silva. Na altura foi um passo importante: deu-lhe crédito e trouxe receitas à PLMJ.
Isabel dos Santos “era uma pessoa bem vista em todo o lado, não tinha nada de mal, todos os governos lhe abriam a porta”, lembra um dos advogados que com ele trabalhou. “Não me lembro bem quando foi, não abrimos garrafas de champanhe, mas sabíamos que ela era sua cliente”, lembrou, justificando que na PLMJ havia muitos clientes mediáticos, e que não se fazia alarido disso.
O “susto” aos 30, as maratonas e os concertos com os amigos
A carteira de clientes de Jorge Brito Pereira foi engrossando e ele foi ganhando peso. “Conheci-o magro, depois gordo, depois magro outra vez”, conta um dos advogados ouvidos pelo Observador para a elaboração deste perfil. Por volta dos 30 anos, “apanhou um susto”: foi-lhe diagnosticado um melanoma, houve quem receasse que não escaparia, mas curou-se.
“Acho que a partir daqui ele começou a pensar e a olhar para a vida de outra maneira”, descreve a mesma fonte. Brito Pereira passou a frequentar os ginásios e mais tarde a correr maratonas. Uma das figuras que o inspirou a seguir essa via terá sido outro maratonista famoso no mundo dos negócios, Pedro Maria Teixeira Duarte.
“Pesava quase 100 quilos e era incapaz de correr, decidi em cinco meses que iria correr uma maratona. O personal trainer achou que eu estava maluco. Comecei a treinar e passados dois meses corria 10 quilómetros”. No final da primeira maratona em que correu, ao lado de um dos três filhos, “quase que era hospitalizado”, como contou numa outra entrevista ao canal do seu clube, o Sporting. O advogado contou também que desde então corre duas maratonas por ano, em cerca de 3h30. Prepara-se a correr 3 ou 4 vezes por semana, começa nos 30 quilómetros e vai progredindo. Já correu duas vezes a maratona de Boston e já participou noutras provas em cidades europeias.
O gestor de empresas Pedro Araújo e Sá é um dos companheiros de algumas dessas aventuras. Ao Observador, dado “o contexto”, preferiu não descrever o amigo, mas na entrevista que Brito Pereira deu à Sporting TV foi um dos convidados que partilhou algumas histórias sobre ele. O gestor lembrou o dia em que juntos decidiram pregar uma partida ao grupo de atletas com quem costumam treinar. Brito Pereira fingiu ser o treinador e até criou um endereço de e-mail para poder comunicar as horas de treino. No local e hora marcados introduziu então um conceito, por ele inventado: o “backtrot”. Convenceu os atletas de que era preciso treinar alguns músculos traseiros dos pés e começaram a correr para trás.
Além das maratonas, o advogado é também grande apreciador de música. Numa viagem em que foi fazer mergulho, descobriu que tinha trocado o equipamento com o baterista dos Pink Floyd, Nick Manson. Não descansou enquanto não saiu de lá com uma capa autografada.
Em 2013, e já como advogado de Isabel dos Santos, Jorge Brito Pereira aceitou ser chairman da Nos, empresa que resultou da fusão da Zon e da Optimus (do grupo Sonae). Na entrevista em modo de encontro informal que concedeu ao seu amigo admitiu que, três semanas antes de começar no cargo, andou a apagar mensagens do Facebook. “Não é que me arrependesse do que lá escrevi, mas…” . Havia alguma preocupação com a notoriedade do cargo: “Não vivo bem com tudo o que fiz, mas não faço, nem me lembro de ter feito nada que considere eticamente reprovável”.
No Facebook, é comum partilhar fotografias das bandas de amigos onde toca, uma delas do próprio Proença de Carvalho e do filho, com quem costuma atuar no evento solidário Rock’n’Law. Partilha também os seus gostos musicais: Bach nos compositores clássicos; John Coltrane no Jazz; Caetano Veloso na Música Popular Brasileira. Ainda elege, também, David Bowie. Mas é claro quando fala do seu empenho na música: “Tenho tanto de mau músico como tenho de paixão pela música”, disse à Sporting TV.
Na classe da advocacia, Brito Pereira é visto como “um advogado de negócios”, principalmente depois de ter chegado à administração de empresas, como outros. Ele próprio confessou a Pedro Marques Lopes haver um pouco de “mito” na sua especialidade. Pensam “que ajudamos a fazer negócios. Só ajudamos na perspetiva jurídica. Não interferimos. Os nossos serviços são jurídicos. Há algo de que estou certo: quem me escolhe é pelas minhas qualidades como advogado, não por conhecer este ou aquele, por saber desta ou daquela área de negócio”.
Como homem de negócios, já em 2015, decidiu fazer uma mudança na sua vida. Nesse ano ainda conseguiu fazer um MBA – Master of Business Administration, no IMD, em Lausanne (Suíça) e comunicou à PLMJ que ia sair. Um colega que acompanhou o processo lembra-se que nessa altura qualquer sociedade de advogados o empregaria. Mas ele escolheu a Uría Menéndez – Proença de Carvalho.
“Queria uma sociedade que tivesse uma componente internacional grande para um dia poder exercer em Madrid, em Londres ou em qualquer outra cidade europeia”, alega o colega e amigo. Ao Eco, o próprio Brito Pereira explicou: “Há primeiro um momento em que eu decidi sair, há a construção toda desse momento e depois só já no final, quando era pública a minha decisão de sair é que eu falei com alguns escritórios. E houve muito boas razões para vir para aqui: tenho aqui muito bons amigos e muitos advogados que eu admiro imenso e, naturalmente, isso também fez parte da equação”.
Agora é tempo de sair de circulação, pelo menos no circuito mediático. Essa será uma das expetativas de Jorge de Brito Pereira, que se prepara para retomar os trabalhos da tese de doutoramento na Universidade de Georgetown, em Washington. O tema é corporate governance (como são governadas as empresas, as relações entre os acionistas e os administradores) e o mercado de capitais.