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Tanto o jornalista Dom Phillips como o indigenista Bruno Araújo Pereira eram fortes defensores dos direitos dos povos indígenas

PA Images via Getty Images

Tanto o jornalista Dom Phillips como o indigenista Bruno Araújo Pereira eram fortes defensores dos direitos dos povos indígenas

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O mistério e a polémica do desaparecimento do jornalista britânico e do especialista em indígenas na Amazónia. Mortos ou perdidos?

Familiares do jornalista e ativista exigem mais buscas e criou-se uma onda de pressão internacional ao governo de Bolsonaro. Há um suspeito preso, mas a polícia descarta, para já, tratar-se de crime.

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Dom Phillips, jornalista britânico e colaborador do The Guardian no Brasil, e Bruno Araújo Pereira, perito em temas indígenas e funcionário da Fundação Nacional do Índio (Funai) e da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Unijava), estão desaparecidos desde domingo numa das áreas mais remotas da Amazónia brasileira. O rasto perdeu-se entre a comunidade ribeirinha de São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte, no Vale do Javari — a região com a maior concentração de povos isolados do mundo e com vastos rios e florestas tropicais, perto da fronteira com o Peru –, no estado brasileiro do Amazonas.

Jornalista britânico do The Guardian e funcionário da Funai estão desaparecidos na Amazónia brasileira

Devido ao trabalho de investigação contra madeireiros, mineiros, entre outros invasores da floresta amazónica, a Unijava era alvo de ameaças há algum tempo. Numa carta recentemente enviada à organização, à qual o jornal o Globo teve acesso, pescadores — que praticam pesca de forma ilegal — dirigiram-se diretamente a Bruno, considerado um ativista. Ameaçam matá-lo:

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Sei que são vocês que estão perseguindo os trabalhadores que pescam para sobreviverem, já estamos cansados dessa perseguição de vocês índio contra a família dos trabalhadores. Sei quem são vocês e vamos achar para assertar as contas. Sei que quem é contra nós é o beto índio e bruno da funai quem manda os índio irem para área prender nossos motores e tomar nosso peixe”.

Só vou avisar dessa vez, que se continuar desse jeito, vai ser pior para vocês. (…) nós sabem quem são os safados que perseguem trabalhadores e nem polícia é. Se querem dar prejuízo melhor se aprontarem. Tá avisado“, finalizou o documento.

O destino inicial da dupla, jornalista e ativista, era o Lago do Jaburu, onde os exploradores chegaram na última sexta-feira, dia 3 de junho, às 19h25. Dois dias depois, dia 5, rumaram “logo cedo” em direção à cidade de Atalaia do Norte. Segundo o comunicado do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI) sobre o seu desaparecimento, o objetivo era “que o jornalista visitasse o local e fizesse algumas entrevistas com os indígenas”. Nesta paragem já agendada, conversaram com a mulher do líder local “Churrasco”, já que este não estava presente.

Chegaram à comunidade São Rafael por volta das 6h, de acordo com a análise das comunicações realizadas via satélite, e, a seguir, partiram numa viagem que, clarificou o comunicado, “dura aproximadamente duas horas”. O texto adiciona que “deveriam ter chegado por volta de 8h/9h da manhã na cidade, o que não ocorreu”.

Nesta altura, começou a perceber-se que algo não estava bem. Uma equipa de busca do Univaja, “formada por indígenas extremamente conhecedores da região”, saiu então de Atalaia do Norte por volta das 14h. Apesar de experientes, e de terem percorrido o mesmo trecho que a dupla supostamente terá feito, não tiveram sucesso – “nenhum vestígio foi encontrado”.

Só na manhã de domingo, o barco onde ambos seguiam foi avistado perto de São Rafael. Mas sem vestígios de nenhum deles.

Dom Phillips, o jornalista britânico que adora o Brasil e a Amazónia. “É uma estrela brilhante”, considera a irmã

Nascido em Bebington, perto de Liverpool (Inglaterra), Dom Phillips é caraterizado pelos amigos e familiares como um repórter “amável” e “intrépido” que encarou como missão denunciar a crise ambiental que está a acontecer na Amazónia e encontrar potenciais soluções. Uma das formas que encontrou para chamar a atenção para a causa foi escrever um livro, que está a preparar com apoio da Fundação Alicia Patterson e que pretendia terminar até o final deste ano.

Sian teve notícias do irmão na quarta-feira da última semana, quando este partiu de Salvador, onde vive com a mulher. “Ele enviou-nos uma foto da Amazónia com um arco-íris nos seus céus, quando estava no avião”, revelou ao The Guardian. Num vídeo dirigido às autoridades brasileiras, a irmã fez questão de lembrar que nas buscas "o tempo é crucial".

Radicado no Brasil há 15 anos, Phillips já trabalhou com diversos meios de comunicação internacionais, tais como Financial Times, The New York Times e The Washington Post.

Dom é uma estrela brilhante que conduz as luzes do mundo a esta área [Amazónia]”, disse a irmã Sian Phillips, contando que o jornalista veterano queria tornar o livro “mainstream” com o propósito de alertar “todos” sobre a destruição da Amazónia.

Sian teve notícias do irmão na quarta-feira da última semana, quando este partiu de Salvador, onde vive com a mulher. “Ele enviou-nos uma foto da Amazónia com um arco-íris nos seus céus, quando estava no avião”, revelou ao The Guardian. Num vídeo dirigido às autoridades brasileiras, a irmã fez questão de lembrar que nas buscas “o tempo é crucial”.

A mulher de Dom Phillips, em lágrimas, fez igualmente um apelo ao governo federal brasileiro e aos “órgãos competentes”: “Mesmo que eu não encontre o amor da minha vida vivo, nós devemos encontrá-los, por favor – intensifiquem essas buscas”, implorou Alessandra Sampaio, indicando ainda ter “um pouquinho de esperança“.

Eu só não queria que eles sofressem, nem ele nem o Bruno, porque tem tanta crueldade ali“, acrescentou depois, numa entrevista ao Jornal Nacional da Globo. “Ele não estava apreensivo, não. Quando ele fazia esse tipo de viagem, ele tinha uma organização prévia muito detalhada”, detalhou.

Bruno Pereira, o homem “dedicado” aos povos indígenas que não queria ser um mártir nem o Indiana Jones

“Há uma regra tácita entre os exploradores da Amazónia que diz que a imagem de um aventureiro solitário, de mochila nas costas e faca de mato na mão, é algo a ser evitado a qualquer custo. Bruno Pereira concordou a 100%”. Assim começa a notícia do The Guardian que fala da personalidade do responsável por proteger as tribos não contactadas do país — Bruno Pereira defendeu, ao longo da sua carreira, uma política de não aproximação com tribos isoladas (a menos que enfrentem um perigo iminente), seguindo os passos de célebres antropólogos, como Orlando Villas Boas.

"Os exploradores da Funai não gostam de ser chamados de heróis”, disse, acrescentando: “Mas não há como concordar com esta modéstia. Essas pessoas são heróis e o Bruno é um deles. Esteja Bruno vivo ou morto, a sua bravura vive em cada pessoa que acompanhou o seu caso desde que desapareceu. Está presente em cada brasileiro que clama por justiça.”

Bruno, de 41 anos, é “atencioso, dedicado – e totalmente comprometido com os povos tradicionais da Amazónia”, descreveu, sob anonimato, um antigo colega do ativista.

“Os exploradores da Funai não gostam de ser chamados de heróis”, disse, acrescentando: “Mas não há como concordar com esta modéstia. Essas pessoas são heróis e o Bruno é um deles. Esteja Bruno vivo ou morto, a sua bravura vive em cada pessoa que acompanhou o seu caso desde que desapareceu. Está presente em cada brasileiro que clama por justiça.”

O governo brasileiro é acusado por organizações não governamentais de estar a cometer “genocídio” contra os povos indígenas. Contrariamente à perspetiva de Jair Bolsonaro, para Bruno, essas comunidades estão à frente dos interesses dos madeireiros, caçadores, traficantes de droga e mineiros que cobiçam as terras onde habitam.

Bruno Pereira foi afastado da Funai no final de 2019, após ter coordenado uma operação que expulsou centenas de mineiros da terra indígena Yanomami, em Roraima, segundo o portal G1. “Na ocasião, agentes destruíram equipamentos dos garimpeiros e apreenderam um helicóptero”, lê-se na publicação.

Com Bolsanaro na presidência do Brasil, a Funai sofreu grandes cortes no orçamento. O ex-chefe da entidade na região do Vale do Javari, Antenor Vaz, esclareceu esse processo ao The Guardian: “O desmantelamento significou transferir pessoas empenhadas para outras áreas fora do campo e nomear pessoas que não tinham nenhuma ligação com questões indígenas. Um pastor evangélico entrou para coordenar o trabalho que Bruno fazia”.

(EDITORS NOTE: Image contains nudity.) Korubo, Korubu or

O Vale do Javari é a região com a maior concentração de povos isolados do mundo. Foto de 1996 mostra relação do povo com a vida selvagem

LightRocket via Getty Images

Delitos ambientais são denunciados à Funai na esperança de que se tomem medidas para repelir os invasores. Contudo, agora, “organizações indígenas e os seus aliados como Bruno estão a fazer o que a Funai não é capaz de fazer”, reforçou a amiga do ativista Maria Emília Coelho.

“A atmosfera piorou muito nos últimos anos porque tens um Presidente que fomenta a violência. As pessoas que usam essas táticas ganham confiança com um governo como este”, sublinhou o coordenador executivo da OPI, Fábio Ribeiro, falando numa “desconsideração pelos direitos básicos” e referindo que a “impunidade cresceu massivamente”.

É com “uma serenidade baseada no conhecimento de que estava a fazer um trabalho crucial para as pessoas que ama e respeita” que Bruno enfrentava as ameaças regulares. Este, contou Fábio Ribeiro, rejeitaria qualquer tentativa de ser retratado como um mártir ou mesmo um sucessor dos sertanistas – a partir do século XX, é esta a designação de qualquer indivíduo que conhece profundamente a parte do território mais afastada das áreas urbanizadas.

“Se dizes que ele é o herdeiro dessas pessoas, isto torna-se sobre um indivíduo e diminui o papel de todos os outros”, disse Ribeiro. “Não se trata de pessoa A ou pessoa B, trata-se de cumprir as leis e regulamentos. Não há Indiana Jones aqui.”

Polícia diz não existirem provas de crimes. Bolsonaro fala em possível execução

As autoridades brasileiras prenderam na noite de terça-feira um homem considerado suspeito do desaparecimento do jornalista e do explorador. O suspeito foi preso em posse de drogas, uma espingarda e munições restritas ao uso militar. De acordo com o The Guardian, o detido chama-se Amarildo da Costa de Oliveira e é conhecido como Pelado — terá ameaçado a dupla e um grupo de 13 indígenas na manhã de sábado. Uma testemunha reportou ao jornal britânico que Amarildo e outros dois homens armados ameaçaram o grupo enquanto estavam parados na beira do rio Itaquaí.

"Por enquanto, o nosso principal trabalho é procurar e a nossa esperança ainda é encontrá-los vivos. Que eles tiveram um problema com o barco, que subiram um rio, que estão perdidos na selva. É a selva, é uma área muito complexa. Ainda não temos uma forte indicação de que um crime foi cometido.”

O barco de Pelado — que nega qualquer acusação — foi posteriormente apreendido pela polícia.

Este é o quinto homem interrogado pela Polícia Civil do Amazonas por possíveis ligações com este caso e o primeiro a ser considerado suspeito, já que os outros quatro foram ouvidos como testemunhas. O chefe da Polícia Civil, Carlos Alberto Mansur, salvaguardou contudo que ainda não há dados para saber onde estão os dois homens, se tiveram um acidente, se se perderam ou se lhes fizeram alguma coisa. “Por enquanto, o nosso principal trabalho é procurar e a nossa esperança ainda é encontrá-los vivos. Que eles tiveram um problema com o barco, que subiram um rio, que estão perdidos na selva. É a selva, é uma área muito complexa. Ainda não temos uma forte indicação de que um crime foi cometido.”

O Ministério dos Negócios Estrangeiros do Brasil, por sua vez, já tinha destacado que “na hipótese de o desaparecimento ter sido causado por atividade criminosa, todas as providências serão tomadas para levar os perpetradores à Justiça”.

As buscas, iniciadas esta terça-feira, estão envoltas em polémica. A Marinha informou que mobilizou um helicóptero, duas embarcações e uma moto aquática para vasculhar a região em que Dom Phillips e Bruno Pereira desapareceram — especialistas na selva fazem também parte das equipas de patrulha.

Brasil expressa preocupação com desaparecimento de jornalista britânico na Amazónia

Só que as fotografias oficiais da mobilização do exército mostram uma única embarcação, não apontando, assim, para uma operação em larga escala. No entanto, em carta ao The Guardian, o embaixador do Brasil no Reino Unido, Fred Arruda, garantiu que entrou em contacto com a Polícia Federal, Exército e Marinha brasileiros e lhe foi assegurado que “não poupariam esforços na operação de busca e resgate”. Já nesta quarta-feira estariam envolvidos 250 pessoas, dois aviões, três drones e 16 embarcações.

“Realmente, duas pessoas num barco, numa região tão selvagem, não é recomendado”, vincou o presidente brasileiro, que acrescentou que naquela área “tudo pode acontecer”. Como o quê? “Pode ter sido um acidente, pode ser que eles tenham sido executados”, afirmou Bolsonaro.

A família também não poupa críticas às imagens que vieram a público. O marido de Sian Phillips, irmã de Dom, Paul Sherwood, considerou ser “evidente que não há uma resposta incondicional“. A companheira de Bruno Pereira, Beatriz de Almeida Matos, afirmou à Folha de São Paulo: “Tenho um filho de três anos e um de dois, só penso nesse momento em que ele regressa em segurança, por causa dos meninos. Ele tem também uma filha de 16 anos”.

Por seu turno, Bolsonaro, nos seus primeiros comentários sobre esta situação, não teve filtros, insinuando que os dois desaparecidos poderiam ter sido imprudentes ao entrar naquela região: “Realmente, duas pessoas num barco, numa região tão selvagem, não é recomendado”, vincou o presidente brasileiro, que acrescentou que naquela área “tudo pode acontecer”. Como o quê? “Pode ter sido um acidente, pode ser que eles tenham sido executados”, afirmou.

Bolsonaro não descarta que desaparecidos na Amazónia tenham sido executados

Esta quinta-feira, a irmã do jornalista, Sian, declarou, numa vígilia em Londres, ainda ter esperança de que a dupla seja encontrada. À porta da embaixada do Brasil em Inglaterra, alguns manifestantes seguravam rosas vermelhas e outros erguiam cartazes, em que se lia, traduzindo para português, “Encontrem Dom e Bruno”, com imagens dos rostos de ambos.

Às 9h30, foi entregue ao embaixador brasileiro uma carta do diretor executivo do Greenpeace UK, Pat Venditti, e da família de Phillips. Louisa Casson, da Greenpeace UK, desvendou que o documento continha “um apelo urgente ao governo do Brasil para que dedique todos os recursos locais e federais necessários” nesta missão de salvamento.

Celebridades e políticos pedem ações mais concretas do governo do Brasil

O caso chegou às manchetes brasileiras. Perante a inércia governamental, vários figuras usaram a visibilidade de que dispõem com o objetivo de apelar as autoridades a intensificar as buscas.

O ex-presidente Lula da Silva foi das primeiras vozes a recorrer ao Twitter para abordar o desaparecimento do defensor dos indígenas e do jornalista, que o entrevistou em 2017 para o The Guardian — como mostra a fotografia mais tarde partilhada.

No dia em que o primeiro suspeito foi preso, Pelé, considerado um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos, assumiu estar “comovido”, complementando: “A luta pela preservação da Floresta Amazónica e pela proteção dos povos indígenas é de todos nós“.

Do mundo do futebol, o atacante do Everton e da seleção brasileira, Richarlison, também abordou o assunto no Twitter, assim como o clube Corinthians, e Walter Casagrande, ex-jogador brasileiro e atualmente comentador desportivo, vincando que: “Não podemos ficar calados”. Do mundo da música, a cantora Gaby Amarantos gravou um vídeo, no qual sublinhou a importância do trabalho de Dom e de Bruno, “pessoas extremamente importantes para os direitos das pessoas indígenas”.

Sonia Guajajara, líder indígena recentemente apontada como uma das pessoas mais influentes da revista Time em 2022, confrontou o enviado especial dos EUA para o clima, John Kerry, que estava em Nova Iorque.

Drauzio Varella, especialista em saúde pública e uma das personalidades mais amadas do Brasil, foi direto: “Precisamos de esclarecer o que aconteceu: foi um acidente? Eles foram assassinados? Não podemos deixar as coisas assim. Não podemos admitir que existe no nosso território uma parte sem lei”. E continuou: “O mundo inteiro está a observar-nos. Os responsáveis, se é que eles existem, terão que ser punidos exemplarmente”.

A Human Rights Watch manifestou a sua preocupação, através de uma publicação no Instagram: “É extremamente importante que as autoridades brasileiras dediquem todos os recursos disponíveis e necessários para a realização imediata das buscas”.

A Associação dos Correspondentes Estrangeiros (ACE) exigiu uma atuação forte “para garantir a segurança dos profissionais da imprensa, brasileiros e estrangeiros, que atuam naquela região e que têm sofrido diversas ameaças ao seu trabalho nessa área de conflito de exploração irregular de minério”. Fez questão ainda de salientar que o barco de Bruno e Phillips “tinha 70 litros de gasolina, o suficiente para a viagem”.

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