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"O Papa Francisco e Di Stéfano jogaram juntos no bairro onde viviam"

Entrevista ao escritor colombiano César Mauricio Velásquez, que conversou com o Papa Francisco e seis lendas do futebol para escrever "Futebol com Alma", sobre a relação entre a fé e o desporto.

César Mauricio Velásquez nasceu em Medellín, na Colômbia, e viveu de perto uma realidade onde a instabilidade social originou um nível de violência extremo no desporto. Jornalista, professor de comunicação e ex-embaixador da Colômbia junto da Santa Sé, é ainda autor do livro “Futebol com Alma”, que retrata o lado humano do futebol através de conversas com o Papa Francisco e seis lendas da modalidade, como Alfredo Di Stéfano, Javier Zanetti ou Andrés Escobar.

O escritor colombiano esteve em Lisboa, onde participou numa conferência promovida pelo gabinete do Opus Dei em Portugal, para falar do seu livro, da experiência no Vaticano e junto do Papa Francisco e dos valores éticos e morais que dominam o atual panorama desportivo nacional e internacional.

Para César Mauricio Velásquez, “todos têm culpa” no clima de violência gerado em torno do futebol, desde “os clubes, as autoridades, os dirigentes, a comunicação social e, até, os patrocinadores”. E todos têm muito a aprender com os ideais cristãos, defende: “A vida de um futebolista e a vida de um bom cristão coincidem na necessidade de trabalhar em equipa”.

César Mauricio Velásquez esteve em Lisboa para uma conferência no gabinete do Opus Dei em Portugal (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Como é que conheceu o Papa Francisco?
Tive a oportunidade de conhecer o Papa quando ele era cardeal, o cardeal Bergoglio de Buenos Aires. Conheci-o em Roma. Eu era embaixador da Colômbia junto da Santa Sé e foi no ano de 2010. Não tivemos uma relação muito próxima, mas já tinha uma referência dele. Eu como embaixador da Colômbia e ele como cardeal argentino que às vezes ia a Roma. Quando ele assumiu o pontificado, poucos dias depois pude cumprimentá-lo na Casa de Santa Marta, e nessa altura já estava a pensar em fazer o livro.

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Nessa altura, quando era embaixador da Colômbia, já se interessava pelo futebol e por esta relação do futebol com a religião?
Sim, sempre. Ainda não tinha pensado em fazer o livro, mas sempre gostei muito de futebol, desde criança. Também estava muito afetado, desde a morte do Andrés Escobar, em 1994. A mim chamou-me a atenção que Francisco, sendo Papa, tivesse tanto carinho e afeto pelo futebol e que, inclusivamente, como li, fosse sócio do San Lorenzo de Almagro e que tivesse cartão de sócio. Pensei que isso fosse uma brincadeira, nunca achei que fosse uma coisa séria.

E aí, quando o cumprimentou, perguntou-lhe se era verdade?
Perguntei-lhe, e ele: “Sim, sim, essa foi a minha equipa toda a vida. Deu-me muitas alegrias, mas também é uma equipa que perde muito”. Ele falou-me muito de forma muito convincente sobre a sua equipa. Depois, disse-lhe, num outro encontro que tivemos no Vaticano: “Quero que falemos sobre futebol”.

O que é que ele respondeu?
“Sim, quando quiseres falamos”. Podia ser como quem diz “quando quiseres”, porque o Papa está muito ocupado. O que eu fiz foi, através de um secretário, enviar-lhe um primeiro conjunto de cinco perguntas sobre futebol.

Que perguntas?
Por exemplo, perguntei-lhe o que era, para ele, um bom golo; se devemos rezar para ganhar; se o futebol é uma religião. E, para minha surpresa, três dias depois recebi uma resposta. Apenas três dias depois recebi uma resposta do Papa!

"O Papa diz que um bom golo tem de ser surpreendente, um bom golo tem de ter muito de habilidade. Habilidade, surpresa e emoção"

O que é que ele lhe respondeu?
Está no livro (risos)! Ele dizia, por exemplo: “Um bom golo tem de ter muito de surpresa”. Os bons golos são surpreendentes. Um penálti, geralmente, não é um bom golo. Um tiro livre tem de ser muito bem cobrado, a bola tem de fazer uma curva espetacular por cima da barreira. Mas, geralmente, um bom golo é uma jogada de equipa e muitas vezes é surpreendente, porque não se sabe qual vai ser o último jogador que vai meter a bola. O Papa diz que um bom golo tem de ser surpreendente, um bom golo tem de ter muito de habilidade. Habilidade, surpresa e emoção.

Quando leu essas respostas, ficou surpreendido com o interesse pelo futebol ou interpretou-as como uma reflexão mais profunda sobre os valores cristãos?
Para mim as respostas do Papa foram surpreendentes, mas também breves e profundas.

É uma forma de usar o futebol, assunto do dia-a-dia, para passar uma mensagem mais profunda?
Sim. Depois destas perguntas, agradeci ao Papa mas pensei que ainda faltavam outras. Então, um dia, no final de uma missa privada na Casa de Santa Marta, queria saudar o Papa e perguntar-lhe quatro dúvidas que tinha sobre o livro. O Papa, gentilmente, disse-me: “Espera para seres o último, e no final falamos”. Então, muita gente saudou o Papa, eu fiquei para o fim, e foi aí que lhe entreguei a bola, como aparece na fotografia. Ele pensou que eu lhe ia oferecer a bola, mas eu disse-lhe: “Não, o que quero é que a assine e a benza para eu a levar”.

O Papa Francisco assina uma bola de futebol levada ao Vaticano por César Mauricio Velásquez (DR)

E ele?
Ele riu-se, porque pensou que era um presente. Mas depois ele assinou-a e benzeu-a. E disse-me: “Bom, que dúvidas tens?” Eu disse-lhe as minhas últimas perguntas e tinha uma inquietude muito sério sobre se ele conheceu ou não o Alfredo Di Stéfano. Ele disse-me que o tinha conhecido. Logicamente, o Alfredo Di Stéfano era mais velho e nessa altura o famoso era ele. Bergoglio era apenas um jovem seminarista. Então, depois, num rascunho escrevi: “O jovem Jorge Mario Bergoglio jogava futebol e seguramente alguma vez, como ele recorda, com Alfredo Di Stéfano. Ao terminar a partida, Alfredo Di Stéfano seguia para sua casa e o jovem Jorge Mario Bergoglio ia para a paróquia”. O Papa leu isso que eu escrevi e no papel escreveu um grande ponto de interrogação a vermelho. O secretário entregou-me aquilo e disse: “Quando escreveste isto, estavas a pensar em quê? Como assim Jorge Bergoglio ia para a sua paróquia, se ele era um jovem de apenas 14 anos?”

Di Stéfano e Bergoglio acabaram por jogar futebol juntos algumas vezes, na rua.
Sim, jogaram juntos algumas vezes no bairro onde viviam. O Papa recorda mais isso do que o Di Stéfano. Eu perguntei-lhe… Di Stéfano morreu em 2014 e o Papa tinha sido eleito em 2013. Quando o Papa foi eleito, eu falei por telefone, a partir de Roma, com o Alfredo, e ele estava muito emocionado. Ele disse que já não se recordava. “Mas sei que vivemos no mesmo bairro e que algumas vezes coincidimos”, disse-me. E estava tão emocionado que pôs uma bandeira da Argentina na varanda da sua casa em Madrid, no dia da eleição do Papa. Nessa altura, o Di Stéfano não se lembrava bem se tinha jogado com o Papa, mas que estava seguro de que sim, mas depois perguntei ao Papa e ele disse que se lembrava das histórias.

O Papa começou o pontificado em 2013, e é adepto do San Lorenzo. O San Lorenzo ganhou o Torneio Inicial em 2013, a Taça Libertadores em 2014 e a Supercopa Argentina em 2015. Pode falar-se de uma espécie de intervenção divina?
Ah, sim, sim (risos). Foram os feitos mais importantes do San Lorenzo de Almagro e foram todos alcançados depois da eleição do Papa. Então, na Argentino, todos disseram que aquela era a equipa que tinha as orações do Papa Francisco e que por isso ganharam. O Papa ria-se. Falei com ele e disse-lhe: “Santo Padre, esta equipa ganha tudo desde que o senhor foi eleito Papa”. E ele ria-se e dizia: “Não, não, são os rapazes que estão a jogar muito bem” (risos). Ele enviou-lhes uma imagem da Virgem Maria, que têm hoje no estádio. O San Lorenzo, quando ganhou o torneio, não tinha dinheiro para virem todos. Então, veio apenas o presidente, o vice-presidente, o capitão e o guarda-redes. Quatro de toda a equipa, porque não tinham dinheiro para vir todos a Roma. E trouxeram ao Papa o título, o guarda-redes ofereceu as luvas, e o Papa estava feliz e eles muito emocionados. Sempre que ganharam um título, vieram visitar o Papa a Roma, e o Papa recebe-os sempre com muito carinho e com admiração. Há uma fotografia em que se vêem todos e o Papa está como se fosse o treinador, em frente a todos os jogadores.

O Papa segue, no dia-a-dia, a atualidade futebolística na Argentina e os resultados do San Lorenzo em particular? Ouve os relatos?
O Papa recebe informações, às vezes de um guarda suíço ou do prefeito da Casa Pontifícia, monsenhor Georg Gänswein, que lhe lêem a tabela. O Papa pergunta como vai a classificação do futebol na Argentina, como vai a questão do Mundial… E nunca recusou receber uma equipa de futebol. Até ao momento, é o Papa mais futebolista da história da Igreja. É o Papa que mais gosta de futebol de todos os Papas que a Igreja teve, o Papa que mais presentes tem, entre camisolas, luvas, botas, gorros, cachecóis e camisolas autografadas das equipas de todo o mundo. Se exibirem todos esses presentes no Museu do Vaticano, vai ser a loucura, de curiosidade e de beleza, tanta como há no museu da FIFA.

"[Na violência no desporto] todos têm culpa - os clubes, as autoridades, os dirigentes, a comunicação social e, até, os patrocinadores"

Para ele, o futebol também é uma experiência espiritual?
O Papa é muito cuidadoso em expressar os termos futebolísticos ligados à vida espiritual. Tem umas homilias e umas mensagens muito claras, especialmente aos jovens, para falar do amor de Deus, do esforço no amor de Deus, da persistência no trabalho e no estudo, do bom comportamento, a partir do futebol. Um bom futebolista precisa de viver todas as virtudes. O Papa relaciona: a vida de um futebolista e a vida de um bom cristão coincidem na necessidade de trabalhar em equipa, ter uma direção, saber que nada se consegue sem a ajuda dos outros. Numa equipa de futebol todos temos de trabalhar para alcançar um resultado, e na vida espiritual também precisamos dos outros para consolidar a nossa vida. O Papa fala da harmonia, que é necessária na vida espiritual, de saber ganhar e saber perder. Também na vida espiritual é assim, há dias em que não há mais ânimo, em que parece que tudo se perde.

O título do seu livro é “Futebol com Alma”. Qual é a verdadeira alma do futebol — ou qual deveria ser?
A verdadeira alma do futebol está no espírito e no serviço aos outros. A alma do futebol está no trabalho em equipa. A nossa alma, se não se partilha, se não se pensa nos outros, morre. Não há santidade sem serviço. Todos os santos da história da Igreja, todos os grandes personagens da história mundial, todos serviram.

Como olha, então, para o estado atual do futebol? Parece que não são esses os valores que imperam e há problemas de corrupção, em que o dinheiro é o mais importante, discursos de ódio, violência…
Como é uma atividade humana, cultural, o futebol é propenso a que alguns não a vivam bem, de maneira que o mais nobre humanamente se pode viver bem ou mal. É como um baile, uma festa. Uma festa é uma expressão cultural, mas pode ser uma festa má ou uma festa boa. Depende das pessoas que vão. Pode entrar droga na festa, há gente que pode insultar os outros na festa… Isso faz com que a festa não seja culturalmente importante. O futebol é igual. Há gente que chega com dinheiro sujo, há gente que chega por egoísmo, há gente que chega para maltratar os outros. Isso gera um ambiente negro, violento, que não corresponde à essência dessa expressão cultural.

Como se pode evitar esse ambiente negro?
Muitas vezes acredito mais nas medidas de ordem pedagógica e preventiva, educativa. Já contava esta manhã. Se o meu pai não me ensina desde criança a viver o espetáculo com respeito, não o vou aprender a ouvir os cronistas desportivos que muitas vezes são de muita agressividade verbal. Falo dos comentários irados, grosseiros, sobre a vida de um jogador, de um árbitro…

Essa agressividade no discurso pode levar a comportamentos agressivos dos adeptos?
Sim, claro. Os meios de comunicação desportivos não determinam o comportamento dos adeptos, mas reforçam-no ou debilitam-no. Não o determinam, mas reforçam-no. Se uma criança é violenta em sua casa. Defende o Ronaldo, defende-o, defende-o… Se um comentador da rádio odeia o Cristiano Ronaldo ou o manifesta na rádio, a criança entra em confronto com o que está a ouvir, num confronto interior que o leva a pensar que aquele jornalista é mau. Ou seja, aquele comportamento do jornalista leva uma pessoa a julgar outras pessoas. Mas, por exemplo, se a criança não gosta do Cristiano e o jornalista também não gosta, vai reforçar negativamente esse comportamento. Quando vir o Cristiano na televisão, vai dizer “não, ele é mau”. Ou com um árbitro, ou com um dirigente desportivo… Mas também pode passar a odiar outra criança que use uma camisola do Cristiano, que goste do Cristiano, e dizer-lhe “como é que podes usar essa camisola?” Isso promove também a violência entre as pessoas.

Essa é uma realidade muito presente na Colômbia. Fala por experiência pessoal?
Acontece em muitos países, incluindo Itália. Em muitas cidades, se andares com a camisola de uma determinada equipa, podem olhar-te de lado e, em alguns restaurantes, atendem-te mais tarde.

César Mauricio Velásquez esteve em Lisboa para falar sobre o seu livro "Futebol com Alma" (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Quais as medidas mais eficazes para resolver o problema da violência entre adeptos?
Deve aumentar-se a segurança e o controlo, ter conhecimento da identidade e das intenções de quem vai ao estádio. É importante haver um controlo preventivo sobre os adeptos de futebol, não devia ser possível entrar álcool e droga dentro do recinto desportivo. É preciso mão forte para controlar a violência e é diferente fazer esse controlo à porta do estádio ou nas suas imediações.

Os clubes são responsáveis pelas ações dos seus adeptos?
Sim, claro, todos têm culpa — os clubes, as autoridades, os dirigentes, a comunicação social e, até, os patrocinadores. A polícia tem de ter um controlo no exterior do estádio, mas, no seu interior, essa responsabilidade deve ser dos clubes. Tem de haver uma punição financeira. Infelizmente, os clubes só reagem se lhes atacarem a carteira. Por outro lado, como prevenção, deve trabalhar-se nas escolas e nas famílias, educar as novas gerações para que cresçam num ambiente onde vêem o futebol como um jogo e não uma batalha final. Quando os jornalistas se referem aos jogos como “batalhas decisivas” ou “partidas de tudo ou nada”, há pessoas que interpretam essas palavras à letra e isso também contribui para exaltar os ânimos.

Em 2000, a FIFA reconheceu Alfredo Di Stéfano como um dos melhores futebolistas do século XX, com o astro argentino a afirmar que Eusébio era “o melhor jogador de todos os tempos”. Parece-lhe possível assistirmos a algo parecido nos tempos de hoje, por exemplo, entre Cristiano Ronaldo e Lionel Messi?
Antes, havia mais generosidade, nobreza e, até, lealdade entre os melhores futebolistas do mundo. Na geração de Di Stéfano e Eusébio havia muito espetáculo e menos preocupação com o dinheiro e com os prémios individuais. Também não havia televisão como existe hoje, por isso as receitas, o mediatismo e a vaidade eram menores. Hoje, o reconhecimento e a exposição mediática são muito superiores, o que leva a uma mentalidade mais egoísta e vaidosa. É mais difícil ser generoso com o próximo e admitir que ele é melhor do que eu. Di Stéfano valorizou Eusébio e isso deu-lhe uma dimensão humana ainda maior, que se mantém até hoje.

Cristiano Ronaldo ou Messi?
Para mim, o melhor é Cristiano Ronaldo, não só pelos resultados desportivos, mas também por vários gestos que teve que o engrandecem como pessoa. Atrás do jogador está uma renúncia à preguiça, a várias comidas, a tempo livre, a uma vida normal. E não pode ser uma opção tomada só por dinheiro, porque há outras formas de o ganhar sem tantas privações. Tem de haver uma motivação e um lado humano por trás do jogador para, por exemplo, não ter tatuagens no corpo de forma a poder doar sangue a quem precisar. Isto não é vaidade ou ganância, é pensar no outro.

A violência no desporto é um dos temas da atualidade, mas não é, de todo, algo novo. Como eram o clima e a realidade social da Colômbia nos anos 90?
Na década de 90, o narcotráfico tinha muito poder político, jurídico, social e financeiro, na Colômbia. Os traficantes dominavam muitos círculos da sociedade, entre eles, o futebol. Havia apostadores de dinheiro contra equipas e a seleção colombiana acabou por ser muito condicionada por isso. Era uma sociedade que tinha perdido a liberdade e estava refém do narcotráfico. O assassinato do jogador Andrés Escobar, a 2 de Julho de 1994, é o ponto mais dramático de um acumular de problemas no desporto e na sociedade. Serviu para a população parar para pensar como permitiu que se chegasse àquele ponto e procurar os seus padrões de ética e valores. Reconstruíram-se mentalidades e percebeu-se que o futebol não é uma religião e, muito menos, o mais importante da vida. Não se pode matar alguém porque cometeu um erro num jogo.

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Quão influenciada por esse clima de instabilidade foi a prestação da seleção colombiana no Mundial de 1994?
Teve uma influência criminosa em algumas decisões tomadas na seleção. Houve ameaças para que alguns atletas jogassem e chantagens para levar à saída de outros. O selecionador da altura, Francisco Maturana, assim como alguns jogadores, admitiram ter recebido ameaças de narcotraficantes que alteraram o normal funcionamento da seleção e que culminaram nos maus resultados desportivos.

Como era o estado de espírito de Andrés Escobar quando regressa a casa depois do auto-golo marcado?
Ele foi assassinado na madrugada de dia 2 e eu falei com ele 48 horas antes, por telefone, comigo em Bogotá e ele em Medellín. A primeira coisa que me disse foi “estou muito triste e aborrecido com o auto-golo. Nunca marquei um auto-golo e a primeira vez foi logo num Mundial”. Esse lance não lhe saiu da cabeça, estava muito agoniado com isso.

Acabou por ser o César Mauricio a convencê-lo a escrever uma coluna no jornal El Tiempo onde afirma, entre outras coisas, que “a vida não acaba aqui”. Passava-lhe pela cabeça o que estava para acontecer?
Penso que ele tinha a dor do auto-golo e sabia que iria ficar para sempre marcado como o autor desse momento, mas nunca pensou que o assassinassem por esse motivo. Quando ele escreve “a vida não acaba aqui” e se despede, fá-lo num sentido cristão de continuidade. Como quem comete um pecado sem grande gravidade e tem de seguir em frente ou uma equipa que perde um jogo mas tem de vencer o próximo. Andrés Escobar escreve essa frase com esperança, embora alguns tenham interpretado isso como um sinal premonitório de quem sabia o que ia acontecer e procura que a vida não acabe aqui, mas continue noutro lugar.

O que espera das prestações de Portugal e Colômbia no Mundial?
Espero que a Colômbia avance mais do que Portugal (risos). Acho que vão ter uma boa prestação, mas é preciso reconhecer que há seleções muito boas, incluindo a portuguesa. As duas equipas estão quase ao mesmo nível, talvez com Portugal mais evoluído tecnicamente, mas com um leque de jogadores menos vasto do que seleções como a Alemanha ou o Brasil. Vamos ver um Mundial de grande nível, com grandes partidas e equipas de países pequenos a consolidarem o seu nome no mundo do futebol. Mas espero que vivamos muitas alegrias com a Colômbia e Portugal e, se houver uma final entres os dois, venho para Lisboa e vemos o jogo aqui (risos).

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