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NHS England Starts Covid-19 Vaccination Campaign
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Uma enfermeira segura um frasco da vacina Pfizer-BioNTech contra a Covid-19 no Guy's Hospital, Londres

Getty Images

Uma enfermeira segura um frasco da vacina Pfizer-BioNTech contra a Covid-19 no Guy's Hospital, Londres

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O que acontece ao corpo quando recebe a vacina? Uma aula de Biologia, gastronomia e estratégia militar em 5 passos

A vacina da Pfizer é preparada como um cocktail e o corpo reage como o exército. Uma aula de Biologia, gastronomia e estratégia militar para compreender como funciona a vacina dentro do corpo.

É o princípio do fim de um problema de saúde pública que reformulou por completo o nosso modo de viver. Dois dias depois do Natal, arrancou em Portugal a vacinação contra a Covid-19 com a administração do primeiro lote com 9.750 doses da solução desenvolvida pela Pfizer em parceria com a BioNTech.

Se, à escala mundial, a batalha contra o novo coronavírus foi elevada a um novo nível, com a aprovação desta vacina (e, mais tarde, da vacina da Moderna, que utiliza uma tecnologia muito semelhante), uma luta de proporções bélicas para ensinar o organismo a batalhar contra o SARS-CoV-2 desencadeia-se também no interior das nossas células assim que a recebemos.

Para compreender o que se passa no corpo humano assim que uma pessoa é vacinada é preciso ir buscar o livro de receitas do consórcio Pfizer-BioNTech, as cábulas de Biologia do 11º ano, os melhores manuais de estratégia militar e, para embrulhar tudo isto, pedir explicações a Henrique Veiga Fernandes, imunologista e investigador da Fundação Champalimaud.

É trabalhoso, intrincado e implica um monte de nomes complicados? Sim, não podemos negar. Mas também envolve M&Ms, um cocktail muito parecido com licor de anis, cães farejadores e células que jogam Pacman com outras células.

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Capítulo 1: o (difícil) armazenamento da vacina

A vacina BNT162b2 da Pfizer-BioNTech é feita de umas partículas nenométricas — uma escala um milhão de vezes mais pequena que o milímetro — feitas de material genético e de uma bolsa de lípidos. Pense nelas como uma drageia de M&Ms: o recheio é uma molécula de ARN mensageiro (mRNA) — uma cadeia genética que, neste caso, contém a informação sobre a proteína S do novo coronavírus. Como estas moléculas são muito frágeis e seriam destruídas pelas enzimas do organismo caso fossem injetadas diretamente no corpo, foram encapsuladas em bolhas feitas de lípidos — moléculas de gordura.

Mas estas bolsas, tal como os M&Ms, decompoem-se quando sujeitas a temperaturas elevadas. Aliás, basta que a vacina seja guardada em salas à temperatura ambiente (20ºC) durante mais do que cinco dias para comprometer a segurança e a eficácia. Por isso, a Pfizer e a BioNTech conceberam umas embalagens especiais — uns contentores que, se não forem abertos, mantêm a temperatura no interior a -70ºC durante 10 dias e que serão utilizados no transporte da vacina. Mas têm outra vantagem: também podem ser aproveitados para armazenar os frascos durante até 30 dias se forem reabastecidos com gelo seco a cada cinco. Caso haja necessidade de guardar as vacinas durante mais tempo, então devem ser mantidas em equipamentos de arrefecimento especializados.

Cada frasco da vacina BNT162b2 contém cinco doses de 0,3 mililitros. Antes de serem administradas aos portugueses, os frascos devem transferidos para frigoríficos normais, a uma temperatura entre 2ºC e 8ºC, para descongelarem; durante um máximo de cinco dias. Em alternativa, os frascos também podem ser colocados à temperatura ambiente, mas sem nunca ultrapassar os 25ºC, caso a vacina seja aplicada num prazo máximo de duas horas após a retirada dos contentores gelados. Já se sabe porquê: os nossos M&Ms podem destruir-se — o que, no caso de uma vacina, significa tornar-se ineficiente ou mesmo perigosa.

Cada frasco contém cinco doses de 0,3 mililitros. Antes de serem administradas aos portugueses, os frascos devem transferidos para frigoríficos normais, a uma temperatura entre 2ºC e 8ºC para descongelarem; durante um máximo de cinco dias. Já se sabe porquê: os nossos M&Ms podem destruir-se, o que, no caso de uma vacina, significa tornar-se ineficiente ou mesmo perigosa.

Capítulo 2: como preparar a vacina e administrá-la

Agora, é como fazer um cocktail. Quando alcançar a temperatura ambiente, o profissional de saúde (que, neste caso, é o nosso barman) vai inverter o frasco para cima e para baixo 10 vezes, sem agitar. O resultado será uma solução de cor esbranquiçada, semelhante a um licor de anis.

A seguir, deve introduzir-se no frasco original 1,8 mililitros de uma solução injetável de cloreto de sódio (sal, vá). Esta solução deve ser injetada com uma agulha esterilizada de calibre 21 ou mais estreita. A mesma agulha, mas com o corpo da seringa já vazio, deve ser utilizada para remover o equivalente a 1,8 mililitros de ar do interior do frasco. Para isso, basta puxar o êmbolo da seringa até que a rolha de retenção atinja a marca dos 1,8 mililitros.

Agora, é preciso diluir os ingredientes. Para isso, o frasco volta a ser invertido para cima e para baixo 10 vezes, mais uma vez sem agitar. Se a vacina diluída estiver transparente ou tiver partículas em suspensão, o frasco não deve ser administrado no paciente. Se continuar esbranquiçada e sem partículas visíveis, o cocktail está pronto. Cada frasco deve ser rotulado com data e hora de diluição; e pode voltar a ser armazenado a uma temperatura entre 2ºC e 25ºC. No entanto, deve ser administrado o mais depressa possível e num prazo máximo de seis horas.

O frasco volta a ser invertido para cima e para baixo 10 vezes, mais uma vez sem agitar. Se a vacina diluída estiver transparente ou tiver partículas em suspensão, o frasco não deve ser administrado no paciente. Se for esbranquiçada e sem partículas visíveis, o cocktail está pronto. 

No momento da vacinação, o profissional de saúde vai retirar 0,3 mililitros do cocktail com recurso a uma agulha e seringa esterilizadas. A dose deve então ser injetada no deltoide, o músculo na zona superior do braço, responsável por movimentá-lo em todos os sentidos e que cobre o ombro. Nunca deve ser administrada no interior dos vasos sanguíneos, imediatamente debaixo ou no interior da pele.

Capítulo 3: a receita para cozinhar a proteína S nas células

A superfície das células é composta por uma membrana muito fina de lípidos e de proteínas. Como as bolsas que transportam o mRNA nas vacinas também são feitas de lípidos, as moléculas de gordura, há uma grande afinidade entre elas e as membranas celulares. Por isso, quando as partículas da vacina se aproximam das células, elas fundem-se e o mRNA entra nas células.

Tem dúvidas? A cábula para entender os nomes complicados

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Para compreender os passos que se seguem, é importante conhecer alguns conceitos, normalmente lecionados na disciplina de Biologia e Geologia no 11º ano.

O ARN mensageiro (mRNA), a molécula que contém a informação genética relativa a uma determinada proteína,  é uma sequência de quatro blocos chamados nucleótidos, todos eles representados por uma letra, que podem ser adenina (A), uracilo (U), citosina (C) e guanina (G). O primeiro liga-se sempre ao segundo e o terceiro liga-se sempre ao quarto.

Cada conjunto de três destes blocos construtores é um codão, isto é, um pedaço de informação que, quando lido no interior da célula, vai recrutar um aminoácido (peças que se organizam para dar origem às proteínas) através de uma outra molécula — o ARN transportador (tRNA).

Esta molécula traduz a informação presente no mRNA para recrutar uma sequência específica de aminoácidos, espalhados no interior das células. Os nucleótidos que compõem o ARN transportador são complementares às sequências do mRNA. Ou seja, se a sequência de codões no mRNA for “AUG-UUU-GCA”, por exemplo, a sequência de anti-codões do tRNA será “UAC-AAA-CGU”. O primeiro codão do mRNA é sempre “AUG” e sintetiza o aminoácido metionina.

Dentro do organismo, a receita continua. O tacho tem um nome complexo: chama-se retículo endoplasmático rugoso. É aqui que a mensagem do mRNA vai ser lida e a proteína S do novo coronavírus vai começar a ser produzida. Até aqui, o corpo ainda não sabe que está a ser invadido porque o mRNA introduzido pela vacina é parecido com o mRNA que já existe naturalmente no nosso corpo. É por isso que a proteína S vai sendo produzida sem lançar o alarme do nosso sistema imunitário.

Dentro do tacho há umas pequenas peças chamadas ribossomas. Essas peças deslizam ao longo da molécula de mRNA para produzir a proteína S. Como? Todas as proteínas são feitas de ingredientes mais pequenos: os aminoácidos. Quando todos os aminoácidos codificados no mRNA se juntarem, nasce uma nova proteína S, as estruturas em forma de espigão que dão o aspeto coroado ao SARS-CoV-2 e que têm a capacidade de se ligarem aos recetores ACE-2 na superfície das células.

É aqui que entra a estratégia militar: algumas partes da proteína vão migrar até à membrana celular e ficar expostas, outras vão ser partidas aos bocados por tesouras que existem nas células — os lisossomas. Esses bocados também vão ficar expostos na superfície da célula, mas no topo de umas moléculas que funcionam como montras: as HLA, sigla em inglês para antígeno leucocitário humano.

É aqui que entra a estratégia militar: algumas partes da proteína vão migrar até à membrana celular e ficar expostas, outras vão ser degradas por "tesouras celulares" — os lisossomas. Esses pedaços também vão ser apresentados na superfície da célula, mas por umas moléculas que servem de montra de certas proteínas ao sistema imune: as HLA, sigla em inglês para antígeno leucocitário humano.

Capítulo 4: a primeira reação do organismo às proteínas S

Em circulação na corrente sanguínea estão os glóbulos brancos, também conhecidos por leucócitos, células que funcionam como cães farejadores e que protegem o corpo humano dos invasores. Quando as moléculas HLA expõem proteínas que fazem parte do nosso organismo, os farejadores reconhecem-nas e não fazem nada contra elas. Neste caso, no entanto, os fragmentos são tão diferentes das proteínas do nosso corpo que os glóbulos brancos bravejam um grito de guerra. E o sistema imunitário pega em todas as armas para reagir.

Os sargentos, neste caso, são células como os neutrófilos, macrófagos e as células dendríticas, que protegem o corpo de invasores e engolem partículas assinaladas como estranhas pelos glóbulos brancos. Estes sargentos também produzem armas, particularmente uns químicos que funcionam como mediadores imunológicos — as citocinas. São elas as responsáveis pelos efeitos secundários reportados após a vacinação, como a dor no local da injeção ou a febre, por exemplo. Entretanto, outra categoria de sargentos, as células fagocitárias, entram numa espécie de Pacman e engolem as células que têm a proteína S.

Ora, as citocinas têm duas missões neste campo de batalha. A primeira é ajudar os linfócitos B a produzir grandes quantidades de anticorpos contra as proteínas invasoras. Os anticorpos são outra categoria de armas, concebidos para terem uma grande afinidade com a proteína S. Se no futuro houver uma nova batalha e a proteína S voltar a atacar, estes anticorpos ligam-se a ela e impedem que se una aos recetores ACE-2.

A segunda missão das citocinas é induzir uma grande movimentação de linfócitos T — agentes de uma força SWAT que identifica as células infetadas e matam-nas para travar o avanço do inimigo. Entretanto, um outro tipo de linfócitos-T, os reguladores, entram nas trincheiras como se fossem capacetes azuis em busca de paz: entram em ação com o objetivo de controlar a inflamação provocada pelas citocinas. É que, se circularem em excesso, o corpo entra em guerra civil por causa de um excesso de atividade do sistema imunológico. Isso compromete algumas funções essenciais do organismo

A segunda missão das citocinas é induzir uma grande movimentação de linfócitos T — agentes de uma força SWAT que identifica as células infetadas e matam-nas para travar o avanço do inimigo. Entretanto, um outro tipo de linfócitos-T, os reguladores, entram nas trincheiras como se fossem capacetes azuis em busca de paz: entram em ação com o objetivo de controlar a inflamação provocada pelas citocinas. 

Esta estratégia militar do sistema imunitário até este ponto é a resposta inata e desenvolve-se ao longo dos primeiros dias após à administração da primeira dose da vacina. As células que entram em batalha até este momento desenvolvem uma resposta imunitária que não são dirigidas especificamente para o SARS-CoV-2 — a reação que têm será a mesma para o vírus da gripe ou para outro qualquer. A segunda dose da vacina serve para desenvolver uma verdadeira operação militar: a criação da imunidade celular.

Capítulo 5: segunda dose, a cereja no topo do bolo

A partir de certa altura, a quantidade de linfócitos B e de linfócitos T começa a diminuir progressivamente. Por isso, 21 dias depois da administração da primeira dose, o corpo recebe a segunda dose com o objetivo de estimular ainda mais a criação de uma resposta imunitária adquirida. A quantidade destas células volta a aumentar e elas tornam-se mais específicas, e mais eficientes, contra o SARS-CoV-2. Além disso, quando são recrutadas para a guerra nesta segunda fase, mantêm-se no campo de batalha durante muito tempo.

Estes passos desenvolvem a imunidade celular, que não depende de anticorpos, mas sim da presença de células que destroem outras células infetadas. É como se o exército não precisasse de utilizar um arsenal tão grande de armas porque lhe basta a experiência dos soldados no terreno — militares com formação específica contra o SARS-CoV-2. Os imunologistas chamam resposta adaptativa: as células podem reagir com outros invasores, mas têm uma grande capacidade de atacar o novo coronavírus em particular depois de contactarem pela primeira vez com ele.

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