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O que andam a fazer os fiscais da despesa do Estado

Empresas que abusam de estágios profissionais, salários sem descontos para o Fisco e Segurança Social, uso de carros públicos para fins privados, são algumas irregularidades detetadas pelas inspeções.

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Empresas que abusam dos estágios profissionais pagos pelo Estado, pagamentos de remunerações sem os descontos para o Fisco e Segurança Social, acumulação não autorizada de cargos, margens de lucro excessivas em cantinas de prisões e uso de carros públicos para fins privados por parte de ramos militares. Estes são alguns dos casos averiguados nas auditorias e inspeções realizadas pelos fiscais da despesa pública.

O Observador leu o relatório do conselho coordenador do sistema de controlo interno do Estado e descreve algumas das situações irregulares detetadas durante as ações realizadas no ano passado, pelas inspeções-gerais dos principais setores de atividade onde a Administração Pública é um, ou mesmo, o principal ator.

Os estágios profissionais e os subsídios

A Inspeção Geral do Ministério da Segurança Social fez uma auditoria aos estágios profissionais de emprego e encontrou a utilização abusiva desta modalidade, em que o Estado paga o salário dos estagiários, por parte de algumas empresas.

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“A análise efetuada evidenciou a existência de casos que contrariam o princípio do estágio profissional não dever consistir na ocupação de posto de trabalho (…), designadamente a apresentação de candidaturas sucessivas pelas mesmas entidades, para as mesmas áreas funcionais e com os mesmos objetivos, sem que os estagiários dos processos anteriores sejam recrutados”.

"A análise efetuada evidenciou a existência de casos que contrariam o princípio do estágio profissional não dever consistir na ocupação de posto de trabalho (...), designadamente a apresentação de candidaturas sucessivas pelas mesmas entidades, para as mesmas áreas funcionais e com os mesmos objetivos, sem que os estagiários dos processos anteriores sejam recrutados"

Infelizmente, o resumo desta auditoria não revela números que permitam avaliar se estes casos têm relevância no panorama global.

Ainda na área dos apoios ao emprego, foram detetadas dívidas de entidades promotoras ao IEFP (Instituto do Emprego e Formação Profissional) em cinco centros de emprego visitados, no valor de 325 mil euros, e a não aplicação de penalidades previstas para situações de incumprimento.

As auditorias ao complemento social para idosos, que incidiram sobre os centros de Porto, Santarém e Lisboa, encontraram desconformidades em 46,4% dos processos analisados, tendo apurado o pagamento de 28,8 mil euros indevidos.

O subsídio de desemprego também foi auditado, tendo sido constatada a ausência de uma prática sistemática de participação de situações irregulares aos serviços de contraordenação e uma ausência de fiscalização sobre o exercício de atividade remunerada por parte dos beneficiários do subsídio.

A inspeção foi igualmente auditar alguns dos apoios concedidos pela Segurança Social — o Instituto da Segurança Social é a entidade do Estado que mais subvenções paga a privados (1.340 milhões de euros em 2013).

Na Obra diocesana de Promoção Social do Porto foi identificada “adulteração, de forma reiterada da listagem de utentes” entregue, o que resultou no recebimento indevido de 236,6 mil euros em 14 meses, entre final de 2011 e julho de 2013.

MARIO CRUZ/LUSA

Segurança Social: Pagamentos sem descontos para a Segurança Social

As auditorias aos centros de cultura e desporto dos trabalhadores da Segurança Social (Aveiro, Faro e Lisboa) encontraram várias falhas ao nível da adequação das respostas sociais à procura, pagamentos indevidos, acumulação de funções públicas e privadas por parte dos membros dos corpos dirigentes.

No Centro Comunitário de Desenvolvimento Social de Lisboa foram “efetuados pagamentos a funcionários por serviços diversos, bem como ao presidente, a título de despesas de administração, que no seu conjunto totalizam, entre 2010 e 2012, cerca de 129 mil euros”. Diz a auditoria que estes valores configuram acréscimos remuneratórios sobre os quais não incidiram descontos para o Fisco e Segurança Social.

As auditorias encontraram igualmente “irregularidades no que diz respeito às situação jurídico-laborais de trabalhadores do ISS (Instituto da Segurança Social) e do Instituto de Informática que integravam os órgãos sociais das entidades auditadas”, sem evidência de ter sido autorizada a acumulação.

O presidente das entidades auditadas (Centro de Cultura Desporto da S.S. de Lisboa, Cooperativa de Consumo dos Trabalhadores da S.S. e Centro Comunitário Desenvolvimento Social de Lisboa) recebeu um pagamento mensal do suplemento pela função inspetiva indevido, na medida em que já não exercia funções de inspetor.

Regalias e acumulação de salários e pensões à margem da lei

A folha salarial do Instituto da Segurança Social foi igualmente visada numa ação da IGF (Inspeção Geral de Finanças) ao controlo da redução da despesa com pessoal, tendo sido uma das entidades onde foram identificados pagamentos de remunerações, benefícios e regalias sem previsão legal ou em desconformidade com a previsão. Os outros organismos “apanhados em falta” foram a Anacom, o Iapmei e a Direção-Geral de Saúde. Estes pagamentos indevidos ascenderam no ano passado a 1,3 milhões de euros.

Entre as ações de controlo realizadas pela Inspeção-Geral de Finanças (IGF) destacam-se as 113 pessoas aposentadas do Estado e que acumularam a reforma com funções públicas remuneradas, o que envolveu o pagamento irregular de pensões ou rendimentos de atividade no valor global estimado de 900 mil euros.

Mais de metade dos jovens teria arrendado sem o apoio do Estado

O programa Porta 66, criado para dar incentivos ao arrendamento por jovens de casa própria, abrangeu 49.414 beneficiários entre 2010 e 2013. A avaliação feita pela Inspeção-Geral de Finanças revela que foram concedidos apoios de 62 milhões de euros neste triénio e que abrangeu quase 34 mil candidaturas. O valor dos apoios concedidos nestes três anos equivale aos apoios dados no ano de 2007.

A avaliação encontrou 395 processos que estão em contencioso, envolvendo 467 mil euros, “com fraco desenvolvimento, o que evidencia riscos quanto à recuperação”, alerta a IGF.

Outra conclusão em destaque é o resultado do inquérito feito aos beneficiários da iniciativa que aponta para “um importante efeito peso-morto”, uma vez que mais de metade dos jovens questionados (54%) revelou que teria alugado a casa, mesmo sem o apoio do programa.

A IGF diz que o Porta 65 teve um impacto limitado, por não terem sido criados outros mecanismos previstos para apoiar jovens com menos recursos, e que não tinha condições de acesso ao programa, o que corresponde a “uma fragilidade na pertinência da intervenção pública”.

A existência de grandes assimetrias regionais e a fraca fiscalização são outros pontos fracos de uma iniciativa cujo ponto forte destacado é o elevado nível de desmaterialização.

Frota dos militares. Carros públicos, usos privados

Os avisos repetem-se em todos os ramos militares e alertam para a existência de riscos de responsabilidade civil, criminal e financeira, riscos legal e regulamentar, em resultado da atribuição e uso de veículos não cumprir o legalmente estabelecido. As auditorias da Inspeção-Geral da Defesa Nacional (IGDN) denunciam a ausência de controlo sobre os movimentos diários associados a todos veículos do parque dos três ramos, o que potencia o risco do seu uso indevido.

Foi também identificado “um risco de imagem, decorrente da utilização reiterada de viaturas” — do Exército, Marinha, Força Aérea — para a realização de deslocações entre o domicílio e o local de trabalho do militar, sem que a correspondente atribuição e utilização se encontre claramente definida e fundamentada, o que pode comprometer a imagem da entidade junto da sociedade.”

"Um risco de imagem, decorrente da utilização reiterada de viaturas" -- do Exército, Marinha, Força Aérea -- para a realização de deslocações entre o domicílio e o local de trabalho do militar, sem que a correspondente atribuição e utilização se encontre claramente definida e fundamentada, o que pode comprometer a imagem da entidade junto da sociedade."

Entre as recomendações emitidas, destacam-se a atribuição e uso de viaturas em conformidade com o legalmente estabelecido, o que deverá passar pela análise das funções/situações em que será legítima a utilização da viatura para deslocações entre o domicílio e o local de trabalho; bem como garantir que as viaturas afetas ao PVE (Parque de Veículos do Estado) do Exército são estritamente utilizadas no exercício das funções oficiais e não para fins particulares.

Sem sair da área militar, uma auditoria à IASFA (Instituto da Ação Social das Forças Armadas) revelou incumprimento de procedimentos ao nível de IRS e na incidência das contribuições para a Caixa Geral de Aposentações, Segurança Social e subsistemas de saúde da área da defesa, o que representa “um risco de responsabilidades civil, criminal e financeira, consequência de perdas decorrentes de tomada de decisões ou realização de ações não autorizadas, ilegais ou inaceitáveis por parte de dirigentes e colaboradores, resultantes da não incidência contributiva sobre alguns abonos.”

Tiago Petinga/LUSA

Cantinas de prisão com margens de lucro e produtos caros

A Inspeção-Geral da Administração Interna realizou uma auditoria às cantinas de alguns estabelecimentos prisionais que encontrou falhas várias ao nível da regulamentação das quantidades e preços. A prática de margens de lucro desajustadas do mercado, umas vezes para cima e outras vezes para baixo, é uma das questões apontadas, uma vez que os preços “devem aproximar-se o mais possível dos preços de venda ao público”. Nota a auditoria que esta situação “suscita frequentes queixas por parte dos reclusos”.

Em algumas das prisões inspecionadas não existem produtos de gama baixa ou económica, porque praticamente todos os produtos são de marca comercial (por oposição a marca branca) e de gama média/alta e que motiva queixas frequentes dos reclusos, face ao seu baixo poder económico.

O açambarcamento de tabaco é outro tema analisado. Inexistência de orientações escritas e a falta de pessoal qualificado ou “insuficiência crónica de recursos humanos nas áreas financeiras, são problemas que contribuem para estas situações. O não lançamento de procedimentos para fornecer a cantina, recorrendo-se aos vencedores de anteriores concursos ou a “qualquer supermercado da zona”. Até houve casos (Olhão, Silves e Guimarães) em que os reclusos tinham acesso a dinheiro para pagar os produtos no bar, uma violação do regime geral dos estabelecimentos prisionais.

As cantinas das prisões movimentam anualmente mais de oito milhões de euros, mas não existe um controlo a nível central destes serviços.

Empresas públicas falham redução de gastos

A IGF constatou um incumprimento das metas de redução dos gastos definidos nas orientações estratégicas para as empresas públicas, uma derrapagem que a avaliar pelos dados do primeiro trimestre sobre o setor empresarial do Estado se pode repetir este ano. Foi ainda assinalado um baixo grau de execução do plano dos investimentos previstos.

No setor empresarial local, 162 empresas foram escrutinadas pela IGF, o que resultou em 36 processos de liquidação oficiosa. Destes, ainda 27 encontram-se em fase de contraditório.

A Inspeção-Geral das Finanças é o principal órgão de controlo interno do Estado

Tiago Petinga/LUSA

Retrato do sistema de controlo interno do Estado

São 14 os órgãos que fazem parte do sistema de controlo interno da despesa pública. A auditoria externa financeira está sobretudo a cargo do Tribunal de Contas. O mais importante e conhecido é a Inspeção-Geral de Finanças, mas há mais 13 entidades setoriais, que vão da saúde, à segurança social, passando pela educação, segurança social e defesa, para além dos Açores e Madeira.

  • Inspeção-Geral de Finanças
  • Inspeção-Geral da Defesa Nacional
  • Inspeção-Geral dos Serviços de Justiça
  • Inspeção-Geral Diplomática e Consular
  • Inspeção-Geral da Administração Interna
  • Secretaria-Geral da Presidência de Conselho de Ministros
  • Inspeção-Geral de Educação e Ciência
  • Inspeção-Geral de Atividades em Saúde
    Inspeção-Geral do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social
  • Inspeção-Geral de Atividades Culturais
  • Inspeção-Geral dos Ministérios do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia e da Agricultura e Mar
  • Secretaria-Geral do Ministério da Economia
  • Inspeção Regional das Finanças (Madeira)
  • Inspeção Regional da Administração Pública (Açores)

O sistema de controlo conta com um orçamento anual da ordem dos 40 milhões de euros (42 milhões no ano passado) e mobiliza quase 600 inspetores e quadros de direção. A IGF conta com 143 colaboradores, mas é na educação e ciência que estão mobilizados mais quadros 193.

No ano passado realizaram 441 ações de controlo da despesa do Estado, entre inspeções e auditorias, incluindo a atuação das entidades regionais. A IGF foi responsável por mais de metade (55%). Estas ações identificaram 688 deficiências, menos que no ano passado, mas ainda assim um número considerado “muito elevado”. Controlo interno, gestão de pessoal e remunerações e contratação pública, são as três áreas onde foram encontradas mais falhas.

Nestas ações de controlo foram apurados gastos de 45,7 milhões de euros suscetíveis de integrar responsabilidade financeira, sendo ainda identificadas poupanças futuras e propostas de correção de 627 milhões de euros.

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