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Com a concessão de indultos aos independentistas condenados em 2019, Pedro Sánchez diz pretender a “reconciliação” e o “reencontro” entre os catalães que ambicionam a independência da Catalunha e os espanhóis, mas também procura assegurar a estabilidade do seu governo e obter ganhos políticos a médio/longo prazo.
E o conselho de ministros desta terça-feira é um marco importante, dado que nele serão aprovados os indultos aos nove políticos condenados a penas entre os nove e os 13 anos de prisão, oficializando assim um processo que deverá levar a uma libertação em breve.
A direita, em crescimento, tenta aproveitar o facto de o apoio aos indultos não ser maioritário em Espanha, mas será que vai conseguir beneficiar com isso? E os líderes catalães, como vão lidar com as suas divergências e contradições? Antevê-se um verão político agitado em Madrid e em Barcelona.
O que Sánchez foi fazer à Catalunha esta segunda-feira?
Conceder indultos aos líderes independentistas catalães é uma possibilidade que tem estado em foco na agenda política espanhola desde o final de maio, quando o presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, manifestou a intenção de perdoar as sentenças. Desde então, vários membros do executivo, e o próprio Sánchez, têm sublinhado a importância da reconciliação, tendo esse processo dado um passo significativo esta segunda-feira, com o líder do governo espanhol a anunciar que os indultos vão ser aprovados na terça-feira, 22 de junho, em conselho de ministros.
Para fazer o anúncio, que já era esperado, Pedro Sánchez decidiu deslocar-se à região onde a decisão de conceder indultos aos líderes catalães tem mais apoio: a Catalunha, mais concretamente a Barcelona, ao Grande Teatro do Liceu. Para a ocasião, Sánchez convidou 300 figuras da sociedade civil espanhola, nomeadamente representantes de organizações sociais, empresários, sindicatos, professores e intelectuais. Do governo catalão, não esteve nenhum representante.
Pedro Sánchez anuncia que indultos aos líderes catalães serão aprovados na terça-feira
Perante a audiência, e escutado atentamente em toda a Espanha, Pedro Sánchez afirmou que o “governo de Espanha decidiu enfrentar o problema [da crise política catalã] e procurar a concórdia”, buscando desse modo o “reencontro” e a “reconciliação”. “
???? ÚLTIMA HORA | Sánchez: "Mañana propondré aprobar el indulto a los nueve presos del procés en el Consejo de Ministros". Se oyen gritos https://t.co/5ewizVFsbZ pic.twitter.com/9YZFC2Yymp
— EL PAÍS (@el_pais) June 21, 2021
“Estou convencido de que tirar essas nove pessoas da prisão, que representam milhares de catalães, é uma mensagem contundente do desejo de harmonia e coexistência da democracia espanhola. Tiramos materialmente da prisão nove pessoas, mas somamos simbolicamente milhões à convivência”, justificou Sánchez, que, no entanto, foi interrompido dentro da sala por manifestantes independentistas, que gritaram pela independência da Catalunha e pela amnistia dos prisioneiros. À entrada do Grande Teatro do Liceu, mais de 500 manifestantes protestavam contra a conferência intitulada “Reencontro: um futuro para toda a Espanha”, por não acreditarem que os indultos possam resolver o problema de fundo na Catalunha.
Quais os objetivos de Pedro Sánchez com os indultos?
O líder do governo espanhol tem defendido a concessão dos indultos como uma medida fundamental para pacificar a sociedade espanhola e avançar na resolução da crise política e institucional na Catalunha, daí Sánchez insistir em palavras como “convivência” ou “reconciliação”. No entanto, por trás da decisão também há uma componente política.
“Sánchez também procura ganhar o apoio da sociedade catalã, porque sabe que o PSOE, a médio/longo prazo, só pode manter a primazia eleitoral em Espanha se também ganhar a primazia eleitoral na Catalunha. O PSOE sempre teve muito apoio na Catalunha, e procura recuperar esse apoio mediante uma política muito mais dialogante e flexível”, afirma ao Observador Juan Rodríguez Teruel, professor de Ciência Política na Universidade de Valência.
Outros analistas, e os críticos do governo, sobretudo, vão mais longe e creem que o principal motivo para Sánchez avançar com os indultos é garantir o apoio da Esquerda Republicana Catalã (ERC) a nível nacional, uma vez que os votos dos 13 deputados do partido independentista de esquerda são fundamentais para garantir a sobrevivência do executivo do PSOE e do Unidas Podemos. O apoio da ERC, que chefia há um mês o governo regional catalão, torna-se particularmente importante numa altura em que o PP tem vindo a crescer nas sondagens, sobretudo após a vitória esmagadora de Isabel Ayuso em Madrid, no início de maio.
Quem são os políticos catalães visados pelos indultos? E Carles Puigdemont fica de fora?
Em outubro de 2019, dois anos depois de o governo catalão liderado por Carles Puigdemont ter realizado um referendo, considerado ilegal por Madrid, e declarar, posteriormente, unilateralmente a independência da Catalunha, nove líderes políticos catalães foram condenados a penas de prisão entre os nove e os 13 anos.
A sentença mais pesada (13 anos) recaiu sobre Oriol Junqueras, presidente da ERC e ex-vice-presidente do governo regional catalão. Os ex-conselheiros (cargo equivalente a ministro) Jordi Turull, Raül Romeva e Dolors Bassa foram condenados a 12 anos de prisão, enquanto os também ex-conselheiros Joaquim Forn e Josep Rull foram condenados a dez anos de prisão.
Os restantes políticos catalães condenados são a ex-presidente do parlamento Carme Forcadell (11 anos), o presidente da organização Assembleia Nacional Catalã Jordi Sánchez e o presidente da associação Òmnium Cultural Jordi Cuixart, ambos condenados a nove anos de prisão.
Em outubro de 2019, foram também condenados, inicialmente, a sete anos de prisão Santi Vila, Carles Mundó e Meritxell Borràs, mas a justiça espanhola acabaria por absolver estes três ex-conselheiros do crime de desvio de dinheiro público, tendo sido ilibados há duas semanas, não entrando, por isso, na lista de indultos, uma vez que já estão em liberdade.
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Outros membros do governo catalão, nomeadamente o seu presidente na altura, Carles Puigdemont, fugiram da Catalunha após a declaração da independência, estando desde então foragidos da justiça espanhola. Por esse motivo, Puigdemont, entretanto eleito como deputado no Parlamento Europeu, ainda não foi julgado, daí não estar contemplado pelos indultos, tal como os restantes políticos catalães exilados e em fuga à justiça: Antoni Comín, Lluis Puig, Meritxell Serret, Clara Ponsati, Marta Rovira e Anna Gabriel.
Quais os próximos passos dos indultos aos líderes independentistas?
Tal como o presidente do governo de Espanha, Pedro Sánchez, anunciou esta segunda-feira, o conselho de ministros vai discutir e aprovar a proposta para conceder indulto a nove líderes independentistas catalães. O passo seguinte, após a esperada aprovação em conselho de ministros, conforme explica o El Mundo, passa pela publicação da medida no Boletim Oficial de Estado (semelhante ao Diário da República português), o que tanto pode acontecer logo na terça-feira, como no dia seguinte, sendo que a decisão cabe ao governo, não necessitando da aprovação do parlamento. Nos nove decretos (um para cada prisioneiro), constará a assinatura do ministro da Justiça, Juan Carlos Campo, e do rei Felipe VI.
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No passo seguinte, o Supremo Tribunal analisa os decretos e tem a tarefa de verificar se o procedimento cumpriu toda a legislação necessária, passando, depois, um auto de libertação. Segundo a RTVE, é raro, mas o Supremo pode revogar os indultos definidos pelo governo, caso encontre irregularidades processuais ou se considerar uma decisão arbitrária. Daí o esforço do governo espanhol em garantir que os nove decretos estão bem fundamentados e sustentados, para evitar qualquer surpresa de última hora. “São inexpugnáveis”, garantiu fonte do governo espanhol, sob anonimato, ao La Vanguardia.
Existe a possibilidade de serem apresentados recursos — PP, Vox e Ciudadanos já anunciaram que o vão fazer — contra os indultos, mas a execução dos mesmos não é suspensa pela apresentação de recurso.
Quando é que os líderes independentistas poderão ser libertados?
Pedro Sánchez ainda não avançou muitos detalhes sobre os indultos, mas sabe-se que serão parciais, uma vez que o Supremo Tribunal espanhol manifestou-se contrário a indultos totais — isto é, apenas terão em conta o resto das penas de prisão que ainda falta cumprir. Nesse sentido, ainda falta perceber que crimes serão visados pelos indultos, sendo que os líderes catalães foram condenados pelos crimes de sedição e utilização abusiva de dinheiros públicos.
Conforme explica o El País, a hipótese mais provável é que o governo espanhol perdoe as penas que faltam cumprir nos crime de sedição, o que levaria à libertação imediata de cinco detidos que o Supremo Tribunal condenou apenas por este crime (Forcadell, Sànchez, Cuixart, Forn e Rull).
Caso a condenação por utilização abusiva de dinheiros públicos não seja perdoada, os restantes quatro presos (Junqueras, Romeva, Turull e Bassa) terão de aguardar que seja determinado o tempo de pena que falta cumprir devido a este delito. Caso tal aconteça, o processo poderá levar mais alguns dias, mas o cenário mais provável é que ambos os crimes sejam perdoados, e até final do mês de junho os políticos catalães deverão ser libertados.
Com os indultos, deverá vir também a condição de que, caso os condenados cometam novos crimes, a decisão será revogada e, neste caso, os líderes políticos catalães terão de regressar à prisão. Falta ainda saber se os direitos políticos — como concorrer a cargos políticos, por exemplo — serão ou não restituídos.
A maioria dos espanhóis defende os indultos? Quem está ao lado de Pedro Sánchez?
As sondagens têm mostrado que a maioria não defende os indultos. Uma sondagem publicada há cerca de duas semanas, pelo El Mundo, revelava que 61% dos espanhóis rejeitavam os indultos aos líderes independentistas, uma tendência que se verificava inclusive entre os eleitores tradicionais do PSOE, com 52,7% a ser contra a medida. A nível nacional, em Espanha, apenas 29,5% dos inquiridos defendeu a necessidade de perdoar as penas de prisão dos líderes catalães.
Outra sondagem, da consultora Ipsos, publicada na semana passada, indicava que os indultos eram rejeitados por 53% dos espanhóis, enquanto 29% eram a a favor. Os restantes 18% não tinham opinião formada sobre o assunto.
Apesar de uma rejeição maioritária entre os espanhóis, no final da semana passada Pedro Sánchez ganhou dois apoios de peso na defesa dos indultos: Antonio Garamendi, líder da Confederação Espanhola de Organizações Empresariais (CEOE), e os bispos catalães. O apoio da CEOE gerou críticas à direita e deu um balão de oxigénio a Sánchez, com os empresários a defenderem a importância da estabilidade para o crescimento económico do país, muito dependente da Catalunha, uma das regiões mais ricas de Espanha.
No que diz respeito aos partidos políticos, além do PSOE e do Unidas Podemos, no governo, apenas o Más País (de esquerda) elogiou a decisão de Pedro Sánchez, considerando-a um passo importante para a reconciliação da sociedade espanhola. À direita, a rejeição é total, e o Partido Popular, o Vox e o Ciudadanos têm subido o tom das críticas.
Como reagiu a direita e como está o PP nas sondagens?
Poucos minutos depois de Sánchez terminar a sua conferência em Barcelona, o líder do PP, Pablo Casado, passou ao ataque, acusando o seu adversário político de pretender uma “mudança de regime” na Catalunha. “O problema de Espanha não é a falta de democracia, é negociar com os que vão contra a democracia”, atirou Casado, acusando Sánchez de ter uma “agenda suicida”.
Sánchez está entregando España a los nacionalistas y nosotros poniéndola de nuevo en manos de los españoles.
Él está a lo suyo, nosotros con lo de todos.
Él crea españoles de 2ª, nosotros haciendo posible una España de 1ª.Él sigue con sus mentiras, nosotros con la España real. pic.twitter.com/YnWbRoM0hx
— Pablo Casado Blanco (@pablocasado_) June 21, 2021
No mesmo sentido, a líder do Ciudadanos, Inés Arrimadas, cujo partido está em vias de perder a relevância eleitoral, acusou Sánchez de “humilhar” os espanhóis e de estar “ajoelhado” perante os líderes independentistas. Já o Vox, pela voz do seu líder Santiago Abascal, chamou “traidor” a Sánchez e acusou o líder do governo de “pisar a Constituição” e de “debilitar a unidade [de Espanha] com o perdão aos golpistas”.
Desde a vitória de Ayuso em Madrid, o PP tem vindo a crescer nas sondagens e em algumas delas surge com a possibilidade de governar em coligação com o Vox, como é o caso da sondagem da Antena 3 espanhola publicada esta segunda-feira, em que o partido de Casado reúne 30,1% dos votos, seguido do PSOE com 24,5%, do Vox, com 15,5% e do Unidas Podemos, com 11,4%.
À boleia dos indultos, Casado tem tentado aproveitar a rejeição que existe em Espanha sobre o assunto. No entanto, sublinha o politólogo Juan Rodríguez Teruel, o crescimento da direita pode não estar diretamente ligado com a questão dos indultos: “A recuperação do PP é anterior e tem a ver sobretudo com a absorção do Ciudadanos, cujos eleitores estão a voltar ao PP. A questão é perceber se a melhoria [da direita], que não se deve tanto à rejeição dos indultos, será suficiente para recuperar uma maioria que lhe permita chegar à Moncloa a curto prazo.”
Qual a reação dos independentistas catalães?
Além de enfrentar críticas e acusações cerradas vindas da direita, Pedro Sánchez tem ainda de lidar com a reação do campo independentista catalão, que, apesar de se congratular com a saída dos seus líderes da prisão, não quer ser ultrapassado pelas pretensões do governo espanhol sobre o futuro da região.
O presidente da generalitat (governo catalão), Pere Aragonès, viu no anúncio dos indultos um “primeiro passo”, mas deixou bem claro que considera a medida “insuficiente”. “A proposta do governo da Catalunha é a amnistia, para que os exilados possam voltar e mais ninguém vá para a prisão”, defendeu Aragonès, dando voz à reivindicação do movimento independentista, que mais do que indultos, quer a amnistia dos líderes dos catalães.
Sentença da Catalunha: o trauma que dividiu o independentismo — e que o pode voltar a unir
A questão dos indultos, de resto, pode vir expor ainda mais as divergências existentes dentro do movimento independentista: enquanto a ERC quer manter a via do diálogo com o governo aberta, o Juntos pela Catalunha, de Carles Puigdemont, quer um embate mais forte com Madrid, como foi visível nas palavras da porta-voz do partido, Elsa Artadi, que considerou “uma autêntica farsa a agenda do reencontro” proposta por Sánchez em Barcelona.
Nesse sentido, é expectável que as tensões dentro dos partidos pró-independência, sobretudo entre ERC e Juntos pela Catalunha, aumentem nos próximos tempos, enquanto o movimento independentista vai procurar reorganizar-se e manter o tema na agenda política espanhola.
Espanha vai entrar numa “nova etapa política”?
A expressão “nova etapa política” é do jornal catalão El Periódico e, de facto, esta decisão de Pedro Sánchez marca um momento decisivo no atual mandato do governo de PSOE e Unidas Podemos. Como a medida não é consensual no país e gera fervorosas paixões, a direita vai tentar galvanizar as críticas aos indultos para crescer politicamente, enquanto os partidos independentistas vão também tentar dar força ao seu movimento. Quando ao governo de Sánchez, ciente de que tomou uma medida arriscada e nada consensual, poderá querer que o assunto passe rapidamente para segundo plano.
“Provavelmente, o que vamos ver nas próximas semanas é a decisão dos indultos ser superada pela notícia de que as máscaras já não vão ser obrigatórias na rua e, passado algumas semanas, teremos mudanças no governo, que em seguida fará a avançar a agenda política e deixará para trás a crise dos presos catalães”, prevê o politólogo Juan Rodríguez Teruel.
De facto, o ciclo político que se avizinha pode ser benéfico para o governo espanhol e para o PSOE em particular, que depois das eleições de Madrid, no início de maio, chegou a temer pela sua sobrevivência. O fim da obrigatoriedade da máscara na rua e o abrandar da crise sanitária podem ajudar a impulsionar a economia espanhola nos próximos meses, e, conforme a imprensa espanhola tem avançado há várias semanas, Sánchez estará a planear uma remodelação no seu governo, já a pensar na recuperação económica pós-pandemia de Covid-19. “Se a economia melhorar e os espanhóis fizerem uma avaliação positiva da saída da crise sanitária, a rejeição dos indultos ou os novos problemas que possam surgir na Catalunha terão um papel menor”, sublinha Teruel, notando, contudo, a imprevisibilidade dos próximos meses.
A jogada de Sánchez foi de alto risco e só o tempo dirá se foi bem sucedido na “reconciliação” da sociedade espanhola, garantindo apoio político ao seu governo simultaneamente, ou se, pelo contrário, os indultos lhe vão sair caros — com a direita a aproveitar para deixar o PSOE em xeque.