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Não há fórmulas de sucesso e a sorte não justifica tudo. Aos 41 anos, Cristina Ferreira é a mulher mais influente do país e está prestes a estrear um novo formato que pretende render à SIC a liderança das manhãs. Com o primeiro episódio de “O Programa da Cristina” quase a ir para o ar, já esta segunda-feira, dia 7 de janeiro, fica a questão: como é que a miúda da Malveira chegou aqui? A resposta possível é dada ao Observador por cinco especialistas de áreas diferentes. Da dimensão psicológica, passando pelo fenómeno nas redes sociais, pelo estilo e imagem e, claro, pelo seu nome, não apenas enquanto apresentadora, mas enquanto marca, eis uma série de pistas esclarecedoras, e inspiradoras.
A pessoa: “Limitei-me a aproveitar as oportunidades”
Características inatas, oportunidades para singrar e superação pessoal. Cristina Ferreira subiu vários degraus numa carreira que parece estar longe de abrandar. Ao jornal Expresso, a apresentadora de televisão que recentemente protagonizou um contrato milionário, quando trocou a TVI pela concorrente SIC, disse que se limitou “a aproveitar as oportunidades” que foram surgindo.
Pessoa tímida e reservada, Cristina vestiu todos os dias, durante anos, a pele de uma apresentadora descontraída, empática e próxima de um público muito específico. Para Filipa Jardim da Silva, esta dualidade evidente não deve ser encarada como uma incoerência, antes como dois lados que complementam uma só personalidade. Ao Observador, a psicóloga clínica fala em superação pessoal e paixão. “Parece que houve resiliência em trabalhar características que poderiam incapacitar os seus sonhos e ambições”, atesta. Cristina Ferreira não se resignou, fixou-se onde queria chegar e, muito provavelmente, delineou um plano. “Não somos seres absolutos, é perfeitamente saudável poder ter uma profissão com mais exposição e, na vida privada, ser-se uma pessoa tímida. Somos seres complexos, cabem em nós vários lados complementares.”
A menina da Malveira trocou a TVI pela SIC e continua a fazer milhões
Em causa estão diferentes papéis sociais, que todos nós encarnamos no dia a dia: há o papel pessoal, profissional e até familiar. “É preciso é que haja coerência. Se passamos a vida a vestir e a despir personagens que não são minimamente nossas, isso provoca-nos um desgaste emocional… “, alerta Filipa Jardim da Silva, que fala em diferenciar a nossa postura e maneira de estar de forma inteligente.
“Sei falar várias línguas. Ou seja, se és da cidade, falas uma língua; se és do campo, falas outras. Eu consigo a mistura destes dois mundos. (…) Talvez só o lado mais histriónico seja um bocadinho diferente, porque sou realmente sossegada na minha privacidade. Há ali uma luzinha vermelha que se acende que provoca alguma reação em mim e me dou nesse lado mais divertido, mais fantasioso até. Mas estas duas Cristinas são a mesma pessoa”, descreveu a apresentadora ao jornal Expresso.
Já por diversas vezes Cristina admitiu também que conheceu a televisão a ver televisão. O interesse pelo pequeno ecrã é um dos motivos que a levou onde está hoje, pelo que o caminho profissional terá sido percorrido em função de objetivos próprios, com pouco ou nenhum foco em fatores externos. “Se determinado caminho é feito para ter a aceitação dos outros ou para cumprir com sonhos familiares, então percorremos caminhos com o foco fora de nós”, assegura a psicóloga clínica. Ainda antes de entrar no mundo da televisão, Cristina Ferreira foi professora de História durante dois anos, cargo que exerceu para “cumprir” um sonho da própria mãe. “Neste caso, dá a sensação que faz isto [a carreira na televisão] por ela. Há aqui uma menina que cresce com o fascínio pela caixinha mágica, que cria muitos sonhos e começa a traduzi-los em objetivos. Esses macro objetivos passam a micro objetivos — que cadeiras tirar, que curso seguir e que estágios fazer, etc. Esse é um grande exercício de empoderamento”, continua Filipa Jardim da Silva.
O meio menos ruidoso e mais rural onde a apresentadora cresceu poderá ter cedido espaço à criatividade, continua a psicóloga clínica, que atesta que no ambiente mais campestre — por oposição à cidade — há uma unidade de tempo diferente. Cristina Ferreira cresceu na Malveira, onde ainda reside, rodeada da família. A infância passada junto à serra foi interrompida no liceu, quando optou por completar os estudos em Loures. Ainda assim, houve tempo suficiente para que a liberdade em criança tivesse um impacto profundo na sua personalidade, tal como já chegou a contar.
Numa cultura de rankings, de competição aguerrida e críticas coletivas na ponta da língua, Filipa Jardim da Silva destaca o nível de pressão a que a apresentadora estará sujeita. Para lidar com isso, será necessário desenvolver diferentes recursos, incluindo a capacidade de auto-observação, aquela que nos permite “parar para ver como nos sentimos, para nos irmos medindo”. “Quando falamos em instinto… Não conseguimos usar o instinto nem fazer escolhas inteiras se não estivermos atentos a nós mesmos. Não estamos, neste caso, a falar de características inatas, mas de recursos psicológicos que vamos desenvolvendo ao longo da vida, preferencialmente na infância. É o dar nome às nossas emoções e não fugir dessas emoções.”
A agenda de trabalho é preenchida, meticulosamente programada “ao minuto”, tal como escrevia o Expresso na semana passada. Em causa estará uma grande capacidade de planeamento e organização, gestão e priorização de tempo. “Isto não significa que seja uma vida permanentemente em contrarrelógio, implica sobretudo capacidade de foco”, isto é, estar-se inteiro nos diferentes momentos do dia. Entre a sessão fotográfica que fez para o mesmo jornal — apesar das produções diárias, Cristina Ferreira garante ter pouco à vontade perante a câmara — e a entrevista em si, a apresentadora comeu um almoço saudável trazido de casa, o que ajuda a criar um puzzle mais completo tendo em conta o uso que faz das 24 horas de cada dia. O trabalho será, sem dúvida, imenso. Ainda assim, Cristina faz questão de salientar que não quer ser vista como uma “máquina”, até porque trabalha “muito com emoções”, garante em entrevista.
“Não, ela [Cristina Ferreira apresentadora] existe, só que fora da televisão sou muito tímida e reservada. (…) Sou muito simples, não gosto de andar enfeitada, não gosto de mostrar nada”, confessou, em entrevista ao Expresso.
O trabalho “emotivo” garantiu-lhe, como noticiado em 2017, um salário milionário igualado ao de Manuel Luís Goucha, uma realidade que ainda não é facilmente assimilada nos dias que correm. “Ser Cristina Ferreira e encontrar alguém que não se importe não é fácil, a nossa sociedade ainda é muito machista. É muito difícil para um homem ficar na sombra, ganhar menos do que a mulher”, revelou ainda nessa longa conversa que concedeu ao semanário.
O sucesso nunca é absoluto, lembra Filipa Jardim da Silva, e dele fazem parte muitos sacrifícios, incluindo a perda de privacidade. “Há uma grande pressão e uma grande perda de privacidade, até em termos românticos. Quando há muitos holofotes perde-se margem até para errar”, explica a psicóloga. A vida pessoal de Cristina Ferreira sofre do mesmo mal que a sua vida profissional: ambas estão sob o escrutínio intenso de milhares, senão milhões, de pessoas, o que implica défice de espontaneidade e de liberdade. “No patamar em que ela está há muitas pessoas com agendas ocultas e isso pode fazer com que seja difícil confiar nas pessoas à sua volta. Podemos olhar e pensar que pessoas assim são arrogantes e narcisistas ou podemos ver também que, chegando aqui, é natural que se queiram rodear da sua gente. Somos muito rápidos a fazer julgamentos. Devíamos colocar mais hipóteses.”
No final, quem corre por gosto não cansa e, também no final, o que parece determinar o verdadeiro sucesso é o amor próprio, a auto-aceitação e a inteligência emocional. “Se tiveres amor próprio consegues tudo na vida e consegues amar os outros. Digo uma coisa que algumas pessoas não entendem: sou mais importante do que o meu filho, porque o meu filho é a pessoa mais importante da vida dele. Ele existe além de mim. E só existe se a mãe estiver bem”, defende Cristina.
A apresentadora: “É preciso ter respeito pela televisão e fazê-la com paixão”
As palavras são da própria apresentadora, quando, há menos de um mês, se dirigiu aos jornalistas para apresentar o novo programa. Com estreia marcada para esta segunda-feira, na SIC, “O Programa da Cristina” é, para todos os efeitos, o consumar de uma contratação milionária. Cristina Ferreira, que em setembro de 2004 se estreava ao lado de Manuel Luís Goucha nas manhãs da TVI, ganha um espaço próprio numa estação generalista portuguesa, precisamente no horário que traz a reboque um dia inteiro de emissão televisiva. Mais de 14 anos depois, ela é muito mais do que uma apresentadora, é uma marca, mas uma marca que começou a ser construída neste mesmo sítio, a televisão.
“Vimos chegar uma miúda tímida, muito introvertida, mas com muita vontade de vingar. Tinha aquela ambição boa. Nunca senti que tivesse a necessidade de ultrapassar ninguém, tinha só uma vontade imensa de trabalhar. Estar ao lado do Manuel Luís Goucha podia ser muito intimidante, mas ela teve a capacidade de não se deixar intimidar”, conta Cláudia Rodrigues ao Observador. Produtora de conteúdos para televisão, Cláudia acompanhou de perto os primeiros dois anos do “Você na TV”.
O foco e a capacidade de trabalho, que hoje se veem praticamente a olho nu, estavam na altura por revelar, ou melhor, camuflados pelo recato e pela timidez de uma principiante. A TVI queria tornar as manhãs mais competitivas, tendo os 35% de share como objetivo. O “Olá Portugal” de Manuel Luís Goucha não estava a conseguir alavancar as audiências. Cristina era repórter do programa de informação da manhã e a facilidade em construir uma conversa em diretos madrugadores, independentemente do cenário e dos intervenientes, fez com que Júlia Pinheiro, na direção de programação da estação de Queluz, não pensasse duas vezes. “A Cristina é a cara para o Você na TV. É capaz de falar até com um pionés”, terá dito Júlia a José Eduardo Moniz, numa conversa recordada por Cristina Ferreira em 2013, durante uma entrevista à Sábado.
O à-vontade e a empatia acabaram por falar mais alto, embora, tanto a escalada das audiências como o crescimento da popularidade de Cristina tenham sido processos lentos e graduais. Ainda assim, Cláudia Rodrigues fez rapidamente o seu diagnóstico. “Ela trabalha mesmo muito, é muito focada, e isso distingue-a. Numa altura em que a televisão era toda muito igual, que ainda é um bocado, havia duas coisas essenciais: surpresa e emoção. A Cristina meteu isso na cabeça, até hoje”, explica. É-lhe conhecida a disciplina nos horários e uma agenda que tem tanto de preenchida como de meticulosamente organizada. “Ela está sempre a pensar no que vai fazer a seguir e em como vai fazê-lo”, acrescenta Cláudia.
Para a produtora, 2008 foi o momento de viragem. Grávida, Cristina Ferreira rentabilizou o impacto mediático conquistado, bem como a simpatia do público, em prol de causas solidárias. “Nessa altura, ela ganhou peso e lembro-me de a ouvir dizer que não tinha medo de engordar. Acho que as pessoas se sentiram mais próximas dela. E foi aí que ela conseguiu descolar a sua imagem da do Goucha”, ressalva Cláudia Rodrigues. A partir daí, foi uma construção, pensada mais com espaço para concretizar sonhos. Com o nascimento do blogue Daily Cristina, em maio de 2013, a apresentadora tirou um pé da televisão. A sua imagem deixou de ser um exclusivo das manhãs da TVI, numa aposta que antecederia uma outra investida: a revista.
“Acima de tudo, é uma grande vontade de fazer. Nunca teve medo de apostar e há coisas que ela agarra imediatamente”, afirma Cláudia. Ao que parece, foi o que aconteceu em 2015, quando recebeu a proposta da Masemba para criar a revista Cristina, outro daqueles momentos em que viu o seu nome desdobrar-se noutro meio. Outrora produtora, Cláudia Rodrigues foi convidada para dirigir a publicação. “Nem eu nem ela sabíamos fazer revistas. Tivemos de inventar muito e inventámos bem”, admite. Na televisão, Cristina comunicava para um público envelhecido, no blogue, disparava para outros alvos. “Com a revista, acho que reforçou laços com o público dela, na medida em que ela era um bocadinho uma extensão do ‘Você na TV’, mas também ganhou mais posicionamento. Com uma ou outra capa — como a última com o Bruno Nogueira e com o António Raminhos –, conseguiu ir buscar outros públicos”, completa.
“Em Portugal, a televisão continua a ser uma marca distintiva para quem quer sobressair na esfera digital”, afirma Cláudia. Cristina Ferreira transformou-se numa estrela transversal, contudo, nunca abandonou aquela que foi a sua rampa de lançamento e que continua a ser o seu palco principal, a televisão. Mesmo durante os meses após a sua saída da TVI, Cristina continuou a aparecer diariamente nos finais de tarde da estação, no programa “Apanha se Puderes”, através da transmissão de episódios gravados. As alegadas picardias com Manuel Luís Goucha, de quem, a partir da próxima segunda-feira, se torna oficialmente rival, mantiveram o nome da apresentadora nos cabeçalhos da imprensa, bem como os detalhes, libertados a conta-gotas, do novo programa e de projetos paralelos, como é o caso da linha de roupa e da marca de sapatos. Cláudia descreve-a como um “fenómeno inequívoco” e talvez a TVI fosse já demasiado pequena para ele.
A marca: “Todos os passos são dados de forma muito consistente e sempre a pensar no futuro”
Profissional, visionária, inteligente, estratega e bem-sucedida — os adjetivos servem todos à mesma pessoa. De apresentadora das manhãs numa televisão generalista, Cristina Ferreira passou a influenciadora. De influenciadora a empresária foi um ápice, de empresária a marca, uma consequência inevitável quando, nos últimos anos, o seu nome não parou de crescer em popularidade e em poder de influência. A escalada subiu de tom com o anúncio da sua ida para a SIC, em agosto do ano passado. Um milhão de euros (um número que tem tanto de grande como de redondo) por ano (cerca de 80 mil por mês) parece ter sido o preço para deixar Cristina ao nível de um gestor de uma grande empresa.
“Se não contarmos com os fenómenos do futebol — o José Mourinho, o Luís Figo e o Cristiano Ronaldo –, a Cristina Ferreira é um caso único de sucesso em Portugal, diria mesmo ao nível de uma Oprah”, expõe Rodrigo de Barros Rodrigues, sócio da agência criativa Torke CC, especialista em branding e professor de Marketing Estratégico no Instituto Superior de Comunicação Empresarial, ao Observador. “Como pessoa, ela começa por representar um conjunto de valores altamente relevantes para a nossa sociedade: a meritocracia, o ter vindo do nada, o ser uma self-made woman. Depois, teve a capacidade de deixar de ser apenas alguém da televisão para se tornar numa verdadeira empresária, em alguém que consegue ter diferentes tipos de receitas e de formatos para além do que faz como profissão”, continua.
“Todos os passos são dados de forma muito consistente e sempre a pensar no futuro. Por isso é que acham que estou ligada a muitas coisas. Não, as que tenho tento desenvolvê-las e fazer com que cresçam”, partilhou Cristina Ferreira com o Observador, nos bastidores do desfile da sua marca de calçado, no Portugal Fashion, em outubro do ano passado.
Blogue, revista, livros, sapatos, vernizes, o perfume e roupa; televisão, papel, redes sociais e passerelle — a mulher de que todos falam já não tem só um palco e assumiu muitos formatos. Em todos eles, o que vende é a sua própria imagem e personalidade. “Tenho uma única profissão: sou apresentadora de televisão. Agora, ela abre-me espaço para ter uma série de projetos que continuo a achar que são comunicação. Vender sapatos para mim é comunicar. Comunica-me a mim porque tem a minha cara, é um projeto meu”, afirmou Cristina Ferreira na entrevista dada ao Expresso, na última semana.
Rodrigo vai mais longe e identifica em Cristina características que uma marca em qualquer parte do mundo persegue. “Ela acrescenta valor sem nunca ter perdido um lado de autenticidade e de transparência e é isso que as marcas procuram. Ela soube evoluir como marca e como pessoa, mantendo um storytelling incrível. Esta transferência quase futebolística é a confirmação disso, demonstra que a SIC percebeu que a Cristina Ferreira consegue acrescentar algo a uma marca já perfeitamente instaurada. Juntas tornam-se mais fortes”, explica o especialista ao Observador.
Cristina não é só uma nova contratação, é a marca que a estação de televisão do Grupo Impresa, que sempre teve a capacidade de transformar pessoas em marcas, conseguiu aliar à sua. Atualmente, a SIC atravessa um momento de mudança, obviamente marcado pela chegada da apresentadora, mas, antes disso, pela chegada de Daniel Oliveira à direção-geral de entretenimento do grupo, em junho do ano passado, da qual Cristina também é consultora. Pôr a nova estrela a tomar conta das manhãs era uma decisão mais do que lógica, mas resta saber onde mais estará o dedo da nova contratação na SIC de 2019. Uma coisa é certa: Cristina já provou conseguir trabalhar em várias frentes ao mesmo tempo. Feitas as primeiras contas da transação, os ganhos foram claros e para ambos os lados — a apresentadora subiu a sua remuneração mensal em cerca de 60% (segundo o Jornal de Negócios, ganharia 50.000 euros por mês na TVI, valor ao qual acrescia um extra sempre que apresentava programas em horário nobre), enquanto o canal começou a sentir o efeito Cristina na valorização das suas ações (6%), um dia após a notícia. Sem dúvida, um bom augúrio, embora os ganhos não fiquem por aqui.
“Há mérito na visão e na capacidade de trabalho dela, embora também tenha havido uma aposta da TVI numa pessoa transmedia“, continua Rodrigo de Barros Rodrigues. Se é verdade que Cristina Ferreira foi, nos últimos anos, uma submarca da televisão de Queluz, também o é, admite o mesmo especialista, porque esta conferia à apresentadora “um posicionamento mais popular”. “O interessante é vê-la crescer para outros segmentos e tornar-se relevante. Deixou de ser uma submarca para ser uma marca em pé de igualdade. Ela precisava de crescer para outros segmentos e estava limitada. Agora, é uma marca transmedia e isso não passa só pela televisão”, refere.
Rodrigo fala numa visão estratégica, numa execução exemplar, mas também numa equipa que gera conteúdo — que filma, fotografa e escreve. A fórmula permite a Cristina Ferreira multiplicar-se pelos canais onde comunica, dos telespectadores aos seguidores no Instagram (quase 900.000). “Há um alimentar do canal tradicional para criar seguidores e vice-versa. Ela divide-se entre vários canais e com alvos diferentes. Ela consegue ser relevante para uma miúda de 12 anos que vê nela uma inspiração e para a minha avó de 80 anos que a vê de manhã. No meio de tudo isto, ainda podia ser considerada falsa, mas conseguiu manter-se autêntica”, continua.
Rodrigo aguarda os próximos desenvolvimentos. Afinal, até onde poderá ir Cristina Ferreira? “Não sei até que ponto se conseguiria internacionalizar. Há o Brasil, mais aí enfrentaria as Xuxas e as Wernecks. É um país fortíssimo em transformar pessoas em marcas. Uma escola de liderança para mulheres? Ela tem elasticidade, mas tem de ser cautelosa para não se tornar numa daquelas marcas canivete suíço”, acrescenta. Para a TVI, criar uma nova Cristina Ferreira não é tarefa fácil. O timing foi dela e a mesma distância que a separa da anterior geração de apresentadores de televisão parece ser a mesma que torna o seu estatuto inatingível para os que vieram depois. “Ela soube crescer bem, sempre a desconstruir, num momento em que surgiu uma necessidade de humanizar as celebridades. Existe autenticidade e simplicidade, mas também bom senso, inteligência emocional, disciplina e capacidade estratégica, sem ser fria”, conclui.
Com o novo posicionamento, poder de influência e canais abertos para vários públicos, Cristina tornou-se ainda mais apetecível para as marcas. É um ícone de sucesso e, embora isso tenha tanto de atrativo como de repelente, o seu nome vende. A curadoria será cada vez mais apertada, qualitativa e quantitativamente, e à base de associações estratégicas, benéficas para ambas as partes. Ao mesmo tempo, Cristina Ferreira continua a trabalhar para garantir a sua relevância numa realidade pós televisão. Afinal, ela conseguiu superar o formato de apresentadora para ser uma super-marca.
As redes sociais: “Era a pessoa menos tecnológica ao cimo da Terra”
As stories mais recentes publicadas no perfil de Instagram de Cristina Ferreira mostram um pouco dos bastidores do novo programa, alguns momentos passados em reunião, e dá a conhecer a equipa — do realizador do programa ao “diretor de produção, casado com uma nutricionista, que come rissóis ao almoço”. Os conteúdos em causa servem de teaser para o formato que aí vem e são uma forma de aproximar os milhares de seguidores da nova equipa que de segunda a sexta, a partir das 10h, vai ser a espinha dorsal do formato.
O sucesso de Cristina Ferreira passa pela gestão meticulosa das redes sociais: ela está no Instagram, onde as mais recentes estatísticas apontam para cerca de um milhão de contas alcançadas numa semana e para 36 milhões de impressões, no Facebook, onde uma média de seis milhões de pessoas são alcançadas semanalmente, e no Twitter. É sobretudo na primeira plataforma que garante uma omnipresença quase absoluta, com fotografias e stories que alimentam praticamente de forma diária a curiosidade dos fãs. E se o blogue criado em 2013 tem direito a Facebook próprio, o novo programa da apresentadora respira sozinho numa conta de Instagram só a ele destinado — a página que surgiu em meados de dezembro tem apenas 20 publicações e já conta quase com 50 mil seguidores.
“É a estratégia para se afirmar enquanto marca”, refere Cátia Ferreira, coordenadora da pós-graduação em Comunicação e Marketing de Conteúdos: Estratégias de Content Making para o Contexto Digital na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa. “Implica que um indivíduo se apresente e se afirme, recorrendo a estratégias de ativação de marca, comummente aplicadas a marcas, produtos e serviços. O objetivo é ser reconhecida por diferentes segmentos da audiência, estando presente em diferentes meios e canais” continua, em entrevista ao Observador.
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A pegada digital de Cristina Ferreira, hoje tão óbvia e acessível, nem sempre existiu. Em 2011, quando a direção de marketing da TVI pediu a Cristina e a Manuel Luís Goucha para criarem páginas de Facebook, a dupla opôs-se. Tal como a apresentadora chegou a contar à revista Sábado, Cristina e Goucha eram “as pessoas menos tecnológicas que existiam ao cimo da Terra”. Nem sabiam fazer login. “Assim que criámos a página, começámos a perceber que havia um retorno imediato do nosso trabalho através daquela plataforma”, recordou a apresentadora à mesma publicação. “As pessoas viam o programa e queriam comentar o que estávamos a fazer na hora. Foi aí que percebemos a ferramenta que o Facebook poderia ser.” E quem diz Facebook, diz também Instagram — o Twitter, apesar de ser um sucesso em países com os Estados Unidos, ainda não tem uma expressão maciça em Portugal. Cristina era, abaixo de Cristiano Ronaldo, a figura pública mais seguida nas redes sociais pelos portugueses em 2017.
Hoje, o tom coloquial com que se dirige aos seus seguidores parece fazer parte da fórmula de sucesso. “Recorrer a uma comunicação de proximidade e informal contribui para que estas relações se possam estabelecer mais rapidamente. Cria-se uma espécie de relação de amizade ilusória, pois o contacto entre celebridade e seguidores tende a restringir-se a estes canais”, reforça Cátia Ferreira.
O estilo e a imagem: “São as minhas escolhas. A partir daí, as pessoas gostam ou não gostam”
A mesma marca de autenticidade que pauta a sua relação com o público é transposta para a roupa que veste. Nos últimos 15 anos, tal como a própria figura cresceu em influência e mediatismo, também o guarda-roupa de Cristina Ferreira evoluiu. Se, por um lado, a apresentadora se tornou mais sofisticada, noutros momentos os visuais foram estrategicamente construídos para passar mensagens tão distintas como extravagância, diversão, poder e sobriedade. “Quando olhamos para a Cristina Ferreira, olhamos para uma marca — e uma marca não pode ser estanque. Se for, está condenada ao fracasso. Independentemente da estrutura e das pessoas que a acompanham desde o início, ela soube sempre fazer as coisas à sua maneira, ao seu gosto. O sucesso permitiu-lhe isso e é isso que a torna mais transparente e, inevitavelmente, mais próxima do público”, afirma Ricardo Aço, stylist de celebridades, ao Observador.
Ricardo recorda a imagem da apresentadora quando chegou às manhãs da TVI. Tal como a sua postura — “tímida, meio acanhada” –, também a forma como se apresentou foi evoluindo com o aumento do à-vontade em frente às câmaras. “Depois, com cartas dadas na apresentação, é claro que a sua imagem tinha, e continua a ter, de se reinventar todos os dias”, explica o stylist. “A partir daí, é um jogo: ‘O que é que tenho de novo e de diferente para mostrar ao meu público?’, acrescenta.
Atualmente, Cristina não é apenas fruto da sua presença assídua na televisão. Em 2013, com o ingresso na blogosfera, dá-se a primeira grande mudança na imagem da apresentadora. “Com a frequente atualização que estas plataformas requerem, passou a haver uma maior preocupação e atenção com os looks que veste”, completa Ricardo. Com o Daily Cristina, fora do formato televisivo e já a comunicar para um público que não era o das manhãs, veio a associação a marcas de luxo, as viagens, a exposição controlada do dia-a-dia e a construção de um estilo de vida que rapidamente se tornou em objeto de desejo. Com um vestido Dolce & Gabbana e sapatos Christian Louboutin, Cristina celebrou o início do blogue nas cavalariças do Pestana Palace, em Lisboa. A mera apresentadora de televisão tinha ficado para trás. O visual foi, na verdade, o assumir de um novo posicionamento.
Em 2012, estreia-se na condução do programa “A Tua Cara Não me é Estranha”. Um ano depois, reforça a presença no horário nobre com “Dança com as Estrelas”. “Foram programas em que pôde brincar e arriscar nas suas escolhas, extravagantes e nem sempre consensuais”, relembra o stylist. O guarda-roupa de Cristina ganhou especificidade e esta aprendeu a tirar partido dos diferentes formatos, adaptando a sua imagem. “O ‘Dança com as Estrelas’ foi um dos momentos mais marcantes, o que ela vestia fazia parte do espetáculo. Cada look tinha sempre duas versões e a segunda era sempre revelada em palco. Com isso, conseguiu criar uma relação com o público e comunicar de uma forma que se tornou absolutamente essencial para o sucesso do programa”, explica.
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Com a transferência milionária do último verão, a hora do “tudo ou nada”. Cristina, obviamente, optou pelo tudo. Ricardo não hesita em nomear o visual usado na entrevista a Rodrigo Guedes de Carvalho, em setembro de 2018, no Jornal da Noite da SIC, como o momento em que “criou uma nova imagem”. “Não poderia ter sido melhor: vestido preto, curto, elegante e, claro, com um pormenor em relevo, para marcar a diferença”, assinala. O vestido da marca Alessandra Rich e os sapatos (peças de desfile) Saint Laurent deram que falar, não só porque o visual foi avaliado em mais de 3.000 euros, mas porque, ao mesmo tempo que serviu como statement de uma mulher vencedora e de sucesso, soou, para alguns críticos, exageradamente produzido para uma entrevista de telejornal.
“Temos uma Cristina Ferreira mais discreta naquilo que veste, com looks mais clean e sóbrios, que lhe garantem uma imagem mais interessante e sofisticada”, comenta Ricardo Aço. Aos 41 anos, chega à SIC com uma imagem amadurecida, mas também pensada para transmitir a ideia de uma mulher influente, confiante e imperturbável. Uma mensagem que se faz passar de muitas maneiras, do tuxedo preto e do blazer com gola alta à silhueta de sereia de um vestido branco. É esperar para ver o que ela vestirá segunda-feira.