Quando o Presidente da República cruza uma das portas do hangar da Base Aérea de Figo Maduro já os 222 militares portugueses que vão partir para a Roménia estão alinhados e em sentido. Marcelo Rebelo de Sousa vem despedir-se porque “é essa a função do Presidente e comandante supremo das Forças Armadas: estar com os homens e mulheres que servem Portugal por todo o estrangeiro”.
A declaração curta que o Presidente faz tenta normalizar esta despedida, garantindo que a missão “já estava prevista”, mas confirma que foi “consolidada e reforçada”. Marcelo lembra também que esta “não foi a primeira nem será a última vez” que vem a uma despedida de militares que partem para missões internacionais (neste caso, a missão da NATO Tailored Forward Presence). É também essa a mensagem que o chefe do Estado Maior do Exército, general Nunes da Fonseca, quer passar quando lembra que desta base aérea já partiram “inúmeros contingentes para missões em prol da segurança global”.
Fica claro que também é importante passar uma mensagem de segurança e o Presidente da República não se afasta desse objetivo quando define o trabalho que estes militares vão ter ao longo dos próximos seis meses: “Estar presentes para prevenir e preservar a paz”. A NATO volta a ser definida como “defensiva e não ofensiva”, mas as palavras de tranquilidade não acalmam Joana, uma das pessoas que assiste à cerimónia numa área reservada à família.
Durante os breves segundos que conversa com o Observador garante que está confiante de que “não vai acontecer nada”, mas as lágrimas não param de cair e assume que “há sempre medo de que alguma coisa corra mal”. Veio aqui para se despedir do namorado que tem 24 anos e é um dos militares que recebe um cumprimento do Presidente da República. Terminados os discursos protocolares, toca o hino nacional e Marcelo, juntamente com a nova ministra da defesa e as mais altas patentes militares, despede-se, um a um.
Na bagagem este contingente leva “os melhores e mais modernos meios de que as forças armadas dispõem”, revela o general Nunes da Fonseca, explicando logo a seguir que “todos estes militares se encontram aptos para encontrar multifacetados e previsíveis desafios”. Levam também a certeza de que vão receber uma visita do primeiro-ministro “daqui a um mês” e do próprio Presidente da República “daqui a dois ou três meses”.
A viagem faz-se a bordo de um avião comercial da companhia EuroAtlantic já com a clareza do dia, pouco depois das sete da manhã desta sexta-feira. Já com a formalidade da cerimónia posta de parte, as mais de duas centenas de militares começam a embarcar depois de terem sido chamados, um a um, para receberem os cartões de embarque com os lugares que devem ocupar no interior.
Os militares portugueses partem agora rumo à Grécia, onde desembarcarão e seguirão até à Roménia em coluna, com o objetivo de integrarem partes do exército romeno, mas não de atuarem na Ucrânia. Trata-se de uma companhia de atiradores reforçada, de 222 elementos, que tinha previsto partir para a Roménia no segundo semestre do ano — mas a invasão russa da Ucrânia alterou, e antecipou, os planos, fazendo com que esta companhia parta apenas quatro meses depois de o último contingente português ter regressado daquele país.
Segundo as informações fornecidas pelas Forças Armadas portuguesas, o grupo será composto por atiradores de uma companhia de infantaria mecanizada e membros da equipa de operações especiais, que se juntarão às forças correspondentes do lado romeno.
O contingente foi ainda reforçado com um módulo de defesa anti-aérea (equipado com mísseis Stinger), um módulo de conjunto de informações e outro de apoio, embora a preparação tenha sido feita, dadas as circunstâncias da guerra na Ucrânia, em “reduzido tempo”, como já tinha explicado o chefe do Estado-Maior do Exército, o general José Nunes da Fonseca.
Mas essa preparação em modo turbo também trará más notícias: o Diário de Notícias avança esta sexta-feira que a companhia de militares não leva equipamentos de proteção contra agentes nucleares, biológicos, químicos e radiológicos, o que gera “apreensão” no exército, numa altura em que o clima de ameaça nuclear se agrava. O jornal explica que a intervenção dos militares portugueses ficará, por isso, limitada sempre que esse risco se colocar.
Em declarações aos jornalistas no início deste mês, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, almirante António Silva Ribeiro, explicou também que em maio será ainda colocada uma unidade de operações especiais noutro local, em articulação com as forças especiais da Roménia.
Tensão aumenta desde 2014. Missão criada em 2016
A NATO garante que “não tinha planos” para colocar tropas nas fronteiras Leste da Aliança Atlântica até 2014 — ano da “ilegal e ilegítima” anexação da Crimeia por parte da Rússia. Mas, logo nesse ano, numa cimeira realizada no País de Gales, os países aliados acordaram a criação do Readiness Action Plan para “responderem rapidamente às mudanças fundamentais no ambiente de segurança nas fronteiras da NATO”.
É por isso que a presença dos membros da NATO nas fronteiras a Leste para efeitos de “dissuasão e defesa proporcional”, segundo a organização, tem vindo a crescer desde a cimeira de Varsóvia, em 2016. E é justificada pela NATO como um “compromisso significativo dos aliados” e até um “lembrete tangível de que um ataque contra um é um ataque contra todos”.
Isto resultou, em 2016, na formação de quatro batalhões multinacionais que são compostos por forças vindas de mais de 20 países “numa base voluntária, completamente sustentável e rotativa”, operando sempre em concertação com as forças de defesa do país a que chegam (no caso dos militares portugueses que agora partem para a Roménia, incorporarão unidades do exército romeno, incluindo com as forças especiais). As decisões dessa cimeira são descritas pela NATO como “o maior reforço da defesa coletiva da Aliança numa geração”.
Ora é neste contexto que se enquadra a missão Tailor Forward Presence (ou Presença Avançada Adaptada, na tradução do Governo português, da NATO), criada em 2016 para proteger o flanco sudeste e à qual se juntam agora as forças portuguesas. Já depois da criação desta missão, em 2018, a NATO decidiu voltar a aumentar a presença na região — o regime de Vladimir Putin diria que numa manobra de provocação, a NATO fala numa tentativa de “melhorar a consciência da situação” no terreno — e aumentar o apoio às tropas da Geórgia e da Ucrânia, que ajudaram a treinar, assim como fazer exercícios com as forças marítimas e as guardas costeiras.
Já este ano, em resposta à invasão da Ucrânia por parte da Rússia, na cimeira extraordinária da NATO que se realizou em Bruxelas a 24 de março, ficou acordado que seriam estabelecidos mais quatro batalhões multinacionais, colocados na Bulgária, Hungria, Roménia e Eslováquia. E, se até agora Putin não tocou em território da NATO, a Aliança está a reforçar as suas tropas nas fronteiras, garantindo apenas que o objetivo é a “dissuasão”, em resposta à “não provocada e injustificada invasão” da Ucrânia. Entre os reforços, contam-se, como no caso destes militares portugueses, milhares de soldados integrados nos batalhões da NATO, mas também o envio de caças para as missões de policiamento aéreos e forças navais nos mares Báltico e Mediterrâneo.
A 25 de fevereiro, imediatamente a seguir ao início da invasão e de uma cimeira da NATO na qual participou por vídeo-conferência, António Costa confirmou numa declaração aos jornalistas que houvera “unanimidade dos Estados tendo em vista reforçar a presença da NATO nas fronteiras da Ucrânia e em todos os países da Aliança da Europa de Leste”, como resultado do artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte, que prevê a defesa mútua.
Foi nessa altura que Costa confirmou que Portugal decidira antecipar do segundo semestre para o primeiro semestre a mobilização de uma companhia de infantaria que atuaria na Roménia, ao abrigo da Tailored Forward Presence, frisando que seria importante dar uma demonstração “clara de unidade e dissuasão, tendo em conta esta clara violação do direito internacional, o facto de haver uma ação militar totalmente injustificada que constitui um grave desafio à ordem internacional e uma clara violação dos valores da Carta das Nações Unidas e de valores estruturantes da nossa Aliança”. “Esta é uma guerra contra a liberdade e a autodeterminação de um país democrático e é, por isso, também uma guerra contra a liberdade e a autodeterminação e a democracia”, rematava o primeiro-ministro.
Exercícios cruzados com Roménia, Polónia e EUA
Já em setembro tinha partido para a Roménia uma força de militares do Exército português para se juntar à Tailored Forward Presence, a Companhia de Atiradores Mecanizada do Regimento de Infantaria 14, composta por 99 militares, com o objetivo de participar em exercícios multinacionais para “garantir a prontidão e competência técnico-tática e potenciar a interoperabilidade e capacidade de resposta das diferentes forças”, informava nessa altura o ministério da Defesa.
Essa força voltou a Portugal, como estava previsto, três meses depois, a 3 de dezembro. O então ministro da Defesa João Gomes Cravinho recebeu nessa altura os militares portugueses em Figo Maduro, explicando que as “contínuas ações agressivas e desestabilizadoras” da Rússia no Mar Negro e na fronteira da Ucrânia já então “obrigariam a permanecer vigilantes“. A companhia tinha estado a fazer exercícios com forças romenas, polacas e americanas, frisava então o ministro, garantindo que o cruzamento dos contingentes tinha “criado mais conhecimento situacional, maior interoperabilidade e, logo, maior capacidade de resposta das Forças Aliadas”.
Entretanto, Portugal já anunciou, além do destacamento do grupo de militares que partiu esta sexta-feira, que enviará “em breve mais 99 toneladas de material militar e médico” para a Ucrânia, um anúncio feito pela nova ministra da Defesa, Helena Carreiras, depois de uma reunião com a embaixadora ucraniana em Portugal. O antecessor, agora ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, já tinha adiantado que Portugal enviara 60 a 70 toneladas de material de guerra.
????????????????Helena Carreiras reafirmou à Embaixadora da Ucrânia a solidariedade e o apoio de Portugal à resistência dos ucranianos contra a agressão da Rússia. Neste âmbito serão enviadas em breve mais 99 toneladas de material militar e médico. pic.twitter.com/QmsA2EFKw6
— Defesa Nacional (@defesa_pt) April 11, 2022
Missões como a Tailored Forward Presence, argumenta a NATO, demonstram a “solidariedade, determinação e abilidade” da Aliança para “agir imediatamente em resposta a qualquer agressão”, sobretudo numa altura em que “o ambiente de segurança na área Euro-Atlântica continua a evoluir e novas ameaças e desafios estão constantemente a emergir”. “Todas as medidas tomadas pela NATO são e vão continuar a ser defensivas, proporcionais e consistentes com os compromissos internacionais”, garante a Aliança. Ironicamente, a invasão da Ucrânia, como têm apontado estrategas e analistas, mas também políticos — Emmanuel Macron dizia que a Aliança estava até agora em “morte cerebral” — parece ter acabado por ressuscitar a NATO.