885kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

i

RODRIGO ANTUNES/LUSA

RODRIGO ANTUNES/LUSA

O Sindicato dos Motoristas vai ser extinto? 5 respostas sobre a polémica

DGERT devia ter notificado o sindicato sobre ilegalidades, mas SNMMP garante que tal não aconteceu. Cinco respostas sobre o pedido do MP para dissolver o sindicato — e todas as perguntas em suspenso.

A dias de nova paralisação dos motoristas de matérias perigosas, o sindicato que representa os trabalhadores volta a estar no centro da discussão. O Ministério Público (MP) quer agora a dissolução da associação sindical. A motivar a ação estão o “processo de constituição” e “os estatutos” do Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas (SNMMP), designadamente “a participação na assembleia constituinte de pelo menos uma pessoa que não é trabalhador por conta de outrem, no âmbito profissional indicado nos estatutos”.

Pedro Pardal Henriques, o assessor jurídico do SNMMP, que chegou a ser vice-presidente (aliás, ainda consta como tal na página da internet do sindicato) já veio dizer que, durante a constituição da associação sindical, foi o único membro da assembleia constituinte que não era motorista de matérias perigosas, mas garante que cumpriu o que estava estabelecido nos estatutos (que, aliás, foram enviados à Direção-Geral do Emprego e das Relações do Trabalho — DGERT — e ao Ministério Público, no final do ano passado).

Numa primeira reação, Pardal Henriques disse que só tomou conhecimento do caso pela comunicação social,  considerando-o um “ataque claro às vozes que se levantam contra a corrupção, contra a fraude fiscal e contra os baixos salários”. O advogado criticou ainda o facto de o sindicato não ter sido notificado antes do processo para corrigir algum problema. Porque só agora avançou o MP? O sindicato não foi mesmo notificado? E se não, deveria ter sido?

Motoristas. Pardal Henriques estranha processo e diz que estatutos foram “sindicados pelo MP” e por vários juristas

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

As dúvidas sobre a possibilidade de Pedro Pardal Henriques ser associado de um sindicato não são novas. Segundo a Lusa, no início do mês, a comissão instaladora do Sindicato dos Vigilantes e Seguranças de Portugal (SVP) queixou-se de que a DGERT e o Ministério do Trabalho estavam “a bloquear o arranque do sindicato”, ao pedir uma justificação pela escolha de Pedro Pardal Henriques para a mesa da assembleia constituinte.

Em resposta, a DGERT explicou: “Concluiu-se que na assembleia constituinte tinha tomado parte uma pessoa que aparentemente parecia não deter relação jurídica de trabalho subordinada no âmbito profissional indicado nos estatutos – segurança e vigilância”. Essa pessoa é Pedro Pardal Henriques.

Por isso, a entidade tutelada pelo Ministério do Trabalho “solicitou aos representantes do SVP que juntassem ao processo documentação comprovativa de que Pedro Pardal Henriques detinha a qualidade de trabalhador por conta de outrem, para a categoria profissional prevista nos estatutos, bem como das demais pessoas que participaram nas assembleias constituintes em causa, condição exigida na lei para a constituição de associações sindicais”. O SVP “apresentou nova documentação relativa à sua constituição, da qual o doutor Pedro Miguel Braz Pardal Henriques já não consta do elenco das pessoas singulares que participaram na constituição do SVP, nem figura como presidente da mesa da assembleia”.

Ao SNMMP, a DGERT não pediu documentos, nem notificou o sindicato, segundo o próprio Pardal Henriques. O processo chega em setembro às mãos de um juiz do Tribunal do Trabalho de Lisboa.

Pedro Pardal Henriques chegou a ser vice-presidente do SNMMP.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O que diz o Ministério Público?

Em comunicado, o Ministério Público avança que “instaurou uma ação declarativa de Extinção de Associação Sindical contra o SNMMP – Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas”. E que essa ação foi instaurada “na sequência da Apreciação Fundamentada sobre a legalidade da constituição e dos Estatutos do SNMMP“. Esta apreciação é produzida pela DGERT e remetida ao Ministério Público.

Após a “análise do processo de constituição e dos estatutos da mencionada associação”, o MP concluiu “pela existência de desconformidades com preceitos legais de caráter imperativo, designadamente a participação na assembleia constituinte de pelo menos uma pessoa que não é trabalhador por conta de outrem, no âmbito profissional indicado nos estatutos”.

Embora o MP não revele nomes, Pedro Pardal Henriques, assessor jurídico do SNMMP, já veio dizer que era o único membro da assembleia constituinte que não era motorista de matérias perigosas. E portanto, em causa está a participação do advogado na assembleia constituinte do sindicato. É essa assembleia que aprova os estatutos.

Cai acordo de mediação entre motoristas e patrões. “Infelizmente, uma das partes quis definir resultados antes de a mediação começar”

Segundo a Lusa, a Petição Inicial, que tem como “autor” o MP e como “réu” o SNMMP, deu entrada no Juízo do Trabalho de Lisboa em 9 de agosto, tendo sido  distribuída ao Juiz 3 no dia seguinte. O processo está classificado como “Impugnação Estatutos/Delib.Assembleias/Actos Eleitorais”.

Estatutos do SNMMP dizem que pode ser sócio quem contribui para “os objetivos” do sindicato. Esta norma é legal?

Para responder a esta pergunta é preciso olhar primeiro para os estatutos do SNMMP. No artigo 8.º, referente à “admissão dos associados”, pode ler-se que a associação sindical aceita pessoas singulares que exerçam ou já tenham exercido a profissão de motorista de matérias perigosas, ou que “desenvolvam atividades de interesse ou interligadas com os objetivos e fins da Associação Sindical“. Pedro Pardal Henriques frisa que se inclui neste último ponto e que, portanto, nada fez “contra os estatutos”. Em teoria, esta alínea permitiria a qualquer pessoa fazer parte do sindicato.

Artigo 8.º
Admissão de Associados

1 – A admissão na Associação Sindical faz-se mediante pedido de inscrição, em modelo próprio, apresentado à Direção, que o apreciará e sobre ele decidirá no prazo de 15 dias.

2 – Podem fazer parte da Associação Sindical as pessoas singulares que:

a)  Exerçam a atividade de motorista de matérias perigosas;
b)  Tenham exercido a atividade de motorista de matérias perigosas, e que pela prática de atos relevantes, contribuam para o prestígio e desenvolvimento da Associação;
c)  Desenvolvam atividades de interesse ou interligadas com os objetivos e fins da Associação Sindical.

Mas, por estar nos estatutos, este artigo é legal?

Luís Gonçalves da Silva, especialista em direito laboral, diz que não e dá um exemplo: “Imaginemos que há uma regra nos estatutos que diz que o património, em caso de liquidação da associação sindical, fica para os filiados. A lei diz que isso não pode acontecer”. E defende: o advogado Pedro Pardal Henriques “não pode integrar uma associação sindical que representa uma atividade que não exerce”.

Mas o que diz a lei a este respeito? “Não há uma norma concreta [no Código do Trabalho], mas nem tudo o que é proibido tem de estar expressamente previsto na lei”, avança Gonçalves da Silva, para quem, ainda assim, é claro que o facto de não ser motorista impede o assessor jurídico de fazer parte dos órgãos sociais do SNMMP e de votar. Para esta conclusão, cita algumas partes do Código do Trabalho: “Os trabalhadores têm o direito de constituir associações sindicais a todos os níveis para defesa e promoção dos seus interesses socioprofissionais.” Além disso, lê-se na lei, “pode manter a qualidade de associado o trabalhador que deixe de exercer a sua atividade, mas não passe a exercer outra não representada pelo mesmo sindicato ou não perca a condição de trabalhador subordinado“.

Sindicato dos motoristas de matérias perigosas anuncia greve ao trabalho suplementar entre 7 e 22 de setembro

Aliás, nos estatutos do sindicato é referido que o SNMMP “associa e representa os trabalhadores que exerçam funções de motoristas profissionais de matérias perigosas” e que um dos objetivo é “representar e defender os interesses socioprofissionais dos seus associados”.

Gonçalo Gago da Câmara, jurista, tem dúvidas sobre a possibilidade de Pardal Henriques ser sócio de um sindicato. “A minha intuição é a de que não é compatível uma pessoa que tenha uma profissão deste cariz [advogado] estar associado a um sindicato de motoristas de matérias perigosas. Até porque não é esse o foco da atividade. A atividade de advocacia é do interesse do sindicato, mas não para este propósito. O propósito é representar os interesses do sindicato, não necessariamente para fazer parte integrante do mesmo.” O especialista acrescenta que a redação do artigo 8.º é ambígua. “O que são atividades de interesse?”, questiona.

Já Pedro Pardal Henriques tem outro entendimento: os estatutos foram enviados para a DGERT e para o Ministério Público que, garante, nunca notificaram o sindicato. “Se é uma irregularidade, basta que o Ministério Público nos notifique e nos diga ‘o Dr. Pedro Pardal Henriques não pode ser associado deste sindicato porque nós entendemos que não’”. E, na verdade, segundo a lei, a DGERT deveria ter notificado o sindicato oito dias após a publicação dos estatutos no Boletim do Trabalho e do Emprego, caso encontrasse “disposições contrárias à lei”. O Observador questionou o Ministério do Trabalho, que tutela a DGERT, sobre se efetivamente notificou ou não o sindicato, mas fonte oficial remeteu para um comunicado enviado às redações — que não responde à questão.

DGERT devia ter notificado o sindicato antes do processo?

É isso que diz a lei. Segundo o artigo 447.º do Código do Trabalho, relativo à constituição, registo e aquisição de personalidade, “a associação sindical ou a associação de empregadores constitui-se e aprova os respetivos estatutos mediante deliberação da assembleia constituinte, que pode ser assembleia de representantes de associados, e adquire personalidade jurídica pelo registo daqueles por parte do serviço competente do ministério responsável pela área laboral”, ou seja, pela DGERT.

Motoristas apresentaram um pré-aviso de greve a todo o trabalho além do “horário normal de trabalho” de 7 a 22 de setembro

TIAGO PETINGA/LUSA

O sindicato deve enviar para essa entidade “o requerimento do registo de associação sindical (…), assinado pelo presidente da mesa da assembleia constituinte”, assim como os “estatutos aprovados e de certidão ou cópia certificada da ata da assembleia, tendo em anexo as folhas de registo de presenças e respetivos termos de abertura e encerramento”. Depois de receber esses documentos, a DGERT “publica os estatutos no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), nos 30 dias posteriores à sua receção”. Essa publicação aconteceu a 8 de novembro de 2018.

Oito dias após essa publicação, a DGERT deve ainda remeter “ao magistrado do Ministério Público no tribunal competente certidão ou cópia certificada da ata da assembleia constituinte, dos estatutos e do pedido de registo, acompanhados de apreciação fundamentada sobre a legalidade da constituição da associação e dos estatutos“.

E é na alínea 5 que entram as dúvidas. Isto porque, “caso os estatutos contenham disposições contrárias à lei” (como agora o MP alega), a DGERT deve, oito dias após a publicação dos estatutos no BTE, notificar “a associação para que esta altere as mesmas, no prazo de 180 dias”.

O próprio MP também pode agir. Se, quando recebe os documentos da DGERT, detetar que a “constituição ou os estatutos iniciais da associação” são “desconformes com a lei imperativa”, o magistrado do Ministério Público no tribunal competente tem de, 15 dias após a receção dos documentos, promover “a declaração judicial de extinção da associação [como agora fez] ou, no caso de norma dos estatutos, a sua nulidade, se a matéria for regulada por lei imperativa ou se a regulamentação da mesma não for essencial ao funcionamento da associação”.

O sindicato garante que nunca foi notificado, nem pela DGERT, nem pelo MP. “Não é o MP que vem agora dizer ‘olha, vamos fechar um sindicato, porque há aqui um artigo que não está em conformidade’. Isto chama-se sanar irregularidade. Deveríamos ser notificados para sanar esta irregularidade. Caso não fosse sanada, aí sim partia-se para uma dissolução do sindicato”, defendeu Pardal Henriques, esta quarta-feira.

Ministério Público "instaurou uma ação declarativa de Extinção de Associação Sindical contra o SNMMP - Sindicato Nacional dos Motoristas de Matérias Perigosas" na sequência "da Apreciação Fundamentada sobre a legalidade da constituição e dos Estatutos do SNMMP".

Gonçalo Gago da Câmara coloca uma possibilidade para o facto de o sindicato não ter sido notificado: a DGERT tem de enviar ao MP uma “apreciação fundamentada sobre a legalidade da constituição da associação e dos estatutos”, mas a entidade pode não ter encontrado ilegalidades e, por isso, não notificou o SNMMP. Aliás, no comunicado que o Ministério do Trabalho enviou às redações, pode ler-se que foi o MP que “solicitou informações à Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT), no âmbito de um processo por si desencadeado, sobre algumas normas estatutárias do sindicato em causa”.

“Na sequência deste pedido, a DGERT analisou os aspetos específicos requeridos pelo Ministério Público, tendo remetido a sua apreciação fundamentada a esse respeito.” Ficam, porém, algumas questões por responder: encontrou ou não a DGERT ilegalidades após a constituição do sindicato e no prazo legal para o efeito (oito dias após a publicação dos estatutos)? Se encontrou, porque não notificou o sindicato? Se não encontrou na altura, encontrou agora depois do pedido do MP? E porque só agora o MP pede a dissolução do sindicato? Questionada pelo Observador, a DGERT remeteu para o comunicado — que não responde a estas questões.

Se Pardal Henriques sair do sindicato, questão fica resolvida?

A ação do MP prende-se com as “desconformidades com preceitos legais de caráter imperativo”, como a participação na assembleia constituinte de “pelo menos uma pessoa que não é trabalhador por conta de outrem”. Segundo o advogado Luís Gonçalves da Silva trata-se de uma matéria que é “inexpugnável”, ou seja, não pode ser sanada, “a não ser que possamos voltar atrás no tempo”, ironiza o especialista.

Uma vez que em causa estão factos passados que determinaram a constituição do sindicato, mesmo que Pedro Pardal Henriques se desfilie do sindicato, as “desconformidades” da assembleia constituinte mantêm-se. Logo, o sindicato terá de continuar a responder legalmente.

Gonçalo Gago da Câmara defende, porém, que o Código do Trabalho está escrito de forma a dar aos sindicatos a possibilidade de sanar as irregularidades logo após a sua constituição (isto se, como já explicámos, a DGERT concluir que existiu uma legalidade e, por isso, notificar o sindicato). Nesse contexto, “há sempre hipótese de sanar” as ilegalidades.

Telefones desligados, baixas e recusa de horas extra. Como os motoristas estão a fintar a requisição civil que afinal não esvaziou a greve

Sindicato pode extinguir-se? Se sim, o que acontece com a greve?

Agora que o Ministério Público avançou com a ação judicial contra o sindicato, o juiz do Tribunal do Trabalho vai oficiar o SNMMP, que, por sua vez, vai ter o direito de se pronunciar. Só depois o juiz poderá decidir. “A extinção ou será decidida a favor, ou contra. Sendo decidida a extinção, o sindicato será extinto, e umas horas depois, eventualmente, será criada uma nova associação”, acrescenta Luís Gonçalves da Silva, sublinhando que, “mesmo que esteja em causa a extinção da associação sindical, nada impede que, 24 ou 48 horas depois, haja uma nova, com os mesmos objetivos e com os mesmos filiados”.

Segundo o comunicado do Ministério do Trabalho, “cabe ao Ministério Público a promoção da declaração judicial de extinção da associação sindical ou empresarial, caso entenda que a sua constituição ou os seus estatutos são desconformes com a lei”. Além disso, sublinha a tutela, “só uma decisão judicial transitada em julgado pode, a partir do momento da publicação em Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) dos estatutos de associações empresariais e sindicais, decretar a extinção de uma associação empresarial ou sindicato”.

“Assim, a associação em causa continua a ter personalidade e capacidade jurídica para tal, enquanto não for proferida decisão judicial transitada em julgado e o cancelamento do seu registo não for publicado no BTE.”

É por isso que o processo pode não ter qualquer impacto na greve de 15 dias marcada para 7 de setembro. O sindicato continua em funcionamento, tal como estava, e não é provável que a decisão do juiz do Tribunal do Trabalho seja tomada antes dessa altura — pelo que o risco de extinção a meio da greve dificilmente se coloca.

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.