O Papa Francisco chega a Lisboa na próxima quarta-feira, para a Jornada Mundial da Juventude, a caminho dos 87 anos. A idade avançada, os problemas de saúde cada vez mais visíveis e incapacitantes e as profecias do próprio, que há quase uma década já previa um pontificado curto, têm levantado a especulação sobre a possibilidade de Francisco seguir o exemplo de Bento XVI e renunciar ao papado em breve. Mas, apesar da idade, o Papa Francisco tem dedicado uma parte fundamental do seu pontificado ao esforço de reaproximação entre a Igreja e os jovens, procurando recentrar a mensagem da Igreja na sua própria dimensão de juventude.
Em 2019, na exortação apostólica Christus Vivit, dirigida especialmente aos jovens na sequência de uma edição do Sínodo dos Bispos sobre a juventude, o Papa Francisco dedicou um capítulo inteiro à “juventude de Jesus” para lembrar que, apesar de hoje ser difícil encontrar jovens na maioria das Igrejas, a verdade é que o próprio Jesus foi um jovem. “É importante tomar consciência de que Jesus foi um jovem”, escreveu Francisco. “Deu a sua vida numa fase que hoje se define como a dum jovem adulto.”
Da mesma forma, apesar de Jorge Mario Bergoglio se ter tornado mundialmente conhecido já como idoso, quando foi eleito Papa aos 76 anos de idade, também Francisco foi um dia jovem, num contexto especialmente complexo para o seu país-natal (uma Argentina entre o peronismo e a ditadura militar) e para a Igreja Católica (a preparar-se para o Concílio Vaticano II num mundo marcado por revoluções culturais). Jorge Bergoglio nasceu na década de 1930 numa Argentina onde chegavam em massa imigrantes italianos (como a sua família) e teve uma juventude marcada não só pela descoberta da vocação religiosa, mas também pelos prazeres da sua vida quotidiana: o futebol, o tango e as namoradas. Tudo isso, garante o seu biógrafo e demonstram muitos dos seus textos, contribuiria para levar Bergoglio até às periferias sociais, aos bairros mais pobres e à Companhia de Jesus — e ajudaria o Papa Francisco a conduzir a Igreja às periferias existenciais, às franjas da humanidade que precisam de uma Igreja que seja um “hospital de campanha”.
Mas, afinal, quem foi o jovem Jorge Bergoglio? O Observador recorda a história da família Bergoglio, a infância e juventude do Papa e o seu caminho até à ordenação sacerdotal, em 1969 — onde começaria o longo caminho do padre Bergoglio até ao trono de São Pedro.
Uma família salva pelo acaso
Em todas as grandes tragédias, é possível identificar vários tipos de vítimas: há, naturalmente, as vítimas primárias, diretamente expostas ao desastre; os familiares delas; os profissionais que tiveram de as socorrer; a comunidade em que se deu a catástrofe e as pessoas afetadas, ainda que não diretamente, pela tragédia. Mas as ciências psicológicas identificam ainda um outro tipo de vítimas, um sexto grau de impacto de uma tragédia, com implicações profundas em quem passa pela experiência: quem só por acaso não foi uma vítima direta.
Podemos pensar num trabalhador que ficou doente na manhã de 11 de setembro de 2001 e não se deslocou ao World Trade Center naquele dia fatídico ou num passageiro que até tinha bilhete para determinada viagem de comboio que acabaria em desastre, mas que se atrasou a chegar à estação. A experiência de ter sido salvo pelo mero acaso pode ser igualmente traumática, dar origem a sentimentos de culpa pela sobrevivência e deixar marcas para toda a vida.
Em outubro de 1927, a família Bergoglio passou por uma experiência semelhante, com impactos que se viriam a repercutir na vida do pequeno Jorge Mario, ainda por nascer.
A história remonta aos avós do Papa, Giovanni Angelo Bergoglio e Rosa Margherita Vassallo de Bergoglio, um casal de italianos da província de Asti, na região de Piemonte (cuja capital é Turim). Giovanni Angelo e Rosa Margherita eram de origem rural, mas, como escreve Austen Ivereigh na sua biografia de Bergoglio, Francisco, o Grande Reformador (Vogais, 2015), “ascenderam ao estatuto da classe média graças à instrução que deram à sua prole”. Esse primeiro salto deu-se em 1920, quando o casal deixou a pequena vila de Portacomaro, onde tinha casado e criado os seis filhos, para se instalar em Turim, “onde a exploração de um café lhes permitia à justa pagar a educação dos filhos”. Entre os seis filhos do casal encontrava-se Mario Bergoglio, que viria a ser o pai de Jorge Mario Bergoglio, o Papa Francisco. Nascido em 1908, Mario já pôde estudar e tornar-se contabilista na Banca d’Italia.
No decorrer da década de 1920, contudo, Giovanni Angelo e Rosa Margherita juntar-se-iam à intensa onda migratória italiana com destino à Argentina — país que, depois do período da confederação do século XIX, que se seguiu à independência de Espanha, era à época liderado por uma elite liberal que procurava o desenvolvimento através da europeização do seu território, atraindo imigrantes europeus em massa. No período de ouro da imigração italiana para a Argentina, entre 1880 e 1930, largas centenas de milhares de italianos cruzaram o Atlântico em grandes navios para desembarcar em Buenos Aires em busca de uma vida melhor.
Giovanni Angelo e Rosa Margherita compraram bilhetes de terceira classe para si e para os seis filhos para a viagem do SS Principessa Mafalda, considerado o “Titanic italiano”, um dos mais luxuosos navios de passageiros da época, para atravessar o oceano com destino a Buenos Aires em outubro de 1927. Todavia, um atraso na chegada do dinheiro que tinha resultado da venda do café da família em Turim obrigou o casal a trocar os bilhetes para a viagem do SS Giulio Cesare, agendada para o final de novembro. O atraso em Turim acabaria por salvar a família: o SS Principessa Mafalda naufragou em 25 de outubro de 1927, ao largo do Brasil, num acidente que levou à morte de centenas de passageiros.
Ao longo de gerações, a família Bergoglio conservaria a recordação clara de que se tinham salvado por mero acaso. Certamente essa recordação estaria presente na sua mente quando, em julho de 2013, quatro meses depois de ser eleito, o Papa Francisco escolheu a ilha de Lampedusa como destino da sua primeira viagem fora de Roma, para deitar uma coroa de flores ao mar, lembrando a morte, nas águas do Mediterrâneo, de milhares de migrantes a quem a Europa virou as costas e alertando o mundo para o perigo da “globalização da indiferença”.
Mas não foi por acaso que Giovanni Angelo e Rosa Margherita se mudaram para a Argentina. Naquele país, na cidade de Paraná, já viviam três irmãos de Giovanni Angelo, que tinham criado uma empresa de pavimentação que lhes abrira a porta da prosperidade e lhes tinha permitido até construir uma imponente casa que ficaria conhecida como “Palazzo Bergoglio”. Foi na cidade de Paraná que, vindos de Turim, Giovanni Angelo e Rosa Margherite se fixaram com os seis filhos. Nas palavras do biógrafo do Papa Francisco, os Bergoglios correspondiam, na altura, “ao estereótipo dos imigrantes típicos da Argentina”, país que, “à semelhança dos Estados Unidos, passou a ser uma nação dotada de uma grande classe média que colocava uma grande ênfase no trabalho árduo e no progresso”.
Mas a vida tranquila dos Bergoglios na Argentina não duraria muito tempo. Em 1929, a Grande Depressão abateu-se com estrondo e fez vítimas por todo o mundo capitalista — e a empresa de pavimentação dos irmãos de Giovanni Angelo foi profundamente afetada. A machadada final foi a morte do irmão mais velho de Giovanni Angelo, que era também o principal responsável pela empresa. Em 1932, no pico da crise, a família Bergoglio estava já numa situação financeira muito grave, que obrigou à venda do Palazzo Bergoglio e à separação da família. Mario Bergoglio, o futuro pai do Papa Francisco, seguiu para Buenos Aires com os pais — e é naquele momento que se pode identificar uma aproximação decisiva da família Bergoglio à Igreja Católica, que moldaria definitivamente a vida do Papa Francisco.
Sem recursos, a família encontrou salvação na ajuda do padre Enrico Pozzoli, um salesiano que o jovem Mario, então com pouco mais de 20 anos, já conhecia das suas frequentes idas a Buenos Aires. Enrico Pozzoli tornar-se-ia uma figura referencial para a família Bergoglio: em 2021, a editora do Vaticano viria mesmo a publicar uma biografia do padre que batizou o Papa, com prefácio do próprio Francisco, que se referia a ele como um “grande apóstolo do confessionário”.
O sacerdote ajudou a família a conseguir um empréstimo, com o qual os avós do Papa Francisco montaram um pequeno café — negócio a partir do qual a família se reconstruiu.
Mas foi também neste novo contexto, em Buenos Aires, que Mario Bergoglio conheceu Regina Sivori — a irmã de dois dos rapazes que frequentavam, com Mario, o grupo de jovens rapazes próximos do padre Pozzoli — e se apaixonou por ela. Mario e Regina casaram no dia 12 de dezembro de 1935 em Buenos Aires; um ano depois, a 17 de dezembro de 1936, nasceu o seu primeiro filho, Jorge Mario Bergoglio, batizado no dia de Natal desse mesmo ano pelo padre Enrico Pozzoli.
Dado todo este contexto, a família do pequeno Jorge Mario foi desde sempre muito ligada à Igreja. Jorge cresceu no bairro de Flores, em Buenos Aires, para onde haveria de voltar muitos anos mais tarde como bispo auxiliar — e onde faria planos para passar uma reforma tranquila. Foi naquele bairro que a vida religiosa de Bergoglio começou a ganhar forma. O futuro Papa Francisco ia à missa com os pais ao convento das irmãs da Misericórdia Divina, onde também havia um jardim de infância que Jorge frequentou. Mais tarde, as freiras daquele jardim de infância haveriam de contar ao biógrafo do Papa Francisco que o pequeno Jorge já dava sinais do que viria a ser o seu pontificado, inquieto, fora de muros, em busca das periferias: é que a criança nunca ficava dentro da sala, preferindo sempre as brincadeiras na rua.
Foi ali que conheceu a irmã Dolores, que se tornaria numa figura referencial: foi ela quem o preparou para a primeira comunhão e lhe passou os primeiros ensinamentos sobre os fundamentos da fé cristã. Em casa, foi Rosa Margherita quem se tornou numa grande referência cuja influência perduraria até ao seu pontificado: ao contrário dos pais, que eram católicos bastante puritanos (Austen Ivereigh descreve até uma casa onde quem se divorciasse deixava de poder entrar), a avó Rosa ensinou a Jorge a importância da misericórdia de Deus. Leu-lhe Os Noivos, o clássico de Alessandro Manzoni, e ajudou-o a compreender a fé mais pelos olhos da misericórdia de Deus do que pelas rígidas lentes do cumprimento cego das regras religiosas. Décadas mais tarde, o Papa Francisco dedicaria uma grande parte do seu magistério ao tema da misericórdia, dedicando-lhe um jubileu extraordinário em 2016.
“Se não me caso contigo vou para padre”
Em 1948, quando o pequeno Jorge Mario estava perto de completar 12 anos de idade, Regina Sivori ficou gravemente doente na sequência do parto da irmã mais nova do Papa Francisco, María Elena. Com Regina incapaz de cuidar dos outros quatro filhos — Jorge, Oscar, Marta e Alberto — foi preciso encontrar uma solução para eles. Novamente, foi no padre Enrico Pozzoli que a família encontrou ajuda: o sacerdote conseguiu encontrar colocações para os quatro irmãos em escolas católicas de Buenos Aires, em regime interno.
Jorge foi enviado para o colégio Wilfrid Barón de los Santos Ángeles, nos arredores de Buenos Aires, uma escola dos salesianos. Entrou no sexto ano de escolaridade e, logo na infância, começou a confrontar-se com os temas difíceis — incluindo a morte — e a explorar a possibilidade de uma vocação sacerdotal. No colégio aprendeu o canto litúrgico e a ajudar à missa e começou a pensar, ainda que sem certezas, em ser padre.
Em 1990, o já padre Jorge Bergoglio viria a recordar os seus anos de formação naquele colégio, numa carta que enviou ao superior dos salesianos. Nessa missiva, Bergoglio lembra o “afeto” com que fala dos salesianos, quer devido à influência do padre Pozzoli na sua família, quer devido ao tempo que passou naquele colégio. “Estava imerso num modo de vida preparado para que não houvesse tempo para a preguiça. O dia passava como uma flecha sem tempo para nos aborrecermos. Sentia-me submergido num mundo que, embora preparado ‘artificialmente’ (com recursos pedagógicos), não tinha nada de artificial. A coisa mais natural era ir à missa de manhã, tomar o pequeno-almoço, estudar, ir às aulas, brincar durante o recreio, ouvir o ‘boa noite’ do padre diretor.”
Para Bergoglio, o tempo que passou naquela escola criou em si, “não apenas uma consciência moral, mas uma espécie de consciência humana (social, lúdica, artística, etc.). Por outras palavras: a escola criou, através do despertar da consciência na verdade das coisas, uma cultura católica que não era de todo ‘fanática’ ou ‘desorientada’. O estudo, os valores sociais de viver em conjunto, as referências sociais aos mais necessitados (lembro-me de ter aprendido a privar-me de algumas coisas para as dar a quem era mais pobre do que eu), o desporto, a competência, a piedade, tudo era real e tudo formou hábitos que, em conjunto, formaram uma forma cultural de ser.”
Desta “cultura católica” formada no colégio salesiano, destaca-se um aspeto formativo de Bergoglio que viria a tornar-se evidente durante o pontificado de Francisco: a importância do sentir. “Eles educaram ali o meu sentimento. Os salesianos têm uma aptidão especial para isto. Não me refiro ao ‘sentimentalismo’, mas ao ‘sentimento’ como valor do coração.” Anos mais tarde, em Lampedusa, Francisco começaria assim a sua homilia em recordação dos imigrantes mortos no Mediterrâneo: “Desde há algumas semanas, quando tive conhecimento desta notícia (que infelizmente se vai repetindo tantas vezes), o caso volta-me continuamente ao pensamento como um espinho no coração que faz doer.” Perguntando “quem chorou” pelos mortos no mar, lamentou: “A globalização da indiferença tirou-nos a capacidade de chorar.”
Outro aspeto referido por Bergoglio naquela carta de 1990 ajuda a compreender o que viria a ser o seu pontificado, no qual Francisco condenou a “obsessão neurótica” da Igreja Católica com as questões do sexo. “Fui ensinado a amar de forma pura, sem qualquer forma de ensinamento obsessivo. Não havia nenhuma obsessão sexual na escola, pelo menos no ano que lá passei.”
Mas a vocação sacerdotal não se fez anunciar de forma óbvia e imediata. Naquela fase de início da adolescência, já depois do ano que passou no colégio salesiano, Jorge apaixonou-se por Amalia Damonte, uma rapariga da vizinhança da família. Os dois tinham 12 anos quando Jorge a pediu em casamento numa brincadeira que fez correr muita tinta sobre a possibilidade de um suposto desgosto amoroso ter conduzido Bergoglio ao caminho do sacerdócio: “Se não me caso contigo vou para padre.” Isso mesmo seria, já em 2013, recordado pela própria Amalia, numa entrevista a uma rádio argentina, que lembrou o episódio como uma coisa “de crianças e pura”. A biografia de Francisco redigida por Austen Ivereigh conta o episódio com uma ligeira diferença: na carta que Jorge escreveu a Amalia, e na qual desenhou uma casa de telhado vermelho onde os dois deveriam viver no futuro, Bergoglio teria escrito, na verdade, “se não for para padre, caso contigo” — o que, no entender do biógrafo, significa que Bergoglio já ponderava naquele momento a vocação sacerdotal. Seja como for, o que é certo é que o pai de Amalia não gostou do namorico, bateu-lhe e proibiu-a de voltar a ver Jorge. Só mais tarde, quatro anos depois, é que a vocação sacerdotal se consolidaria verdadeiramente em Jorge.
Depois do primeiro desgosto amoroso, Jorge seguiu para o ensino secundário, na Escuela Industrial n.º 3, em Buenos Aires, onde aprendeu química laboratorial. Na altura, era o tempo do peronismo, o regime popular do carismático Juan Domingo Perón que sucedeu ao período do liberalismo e que, pelo menos numa primeira fase, vê na Igreja Católica uma importante força política. Na escola secundária, Jorge Bergoglio foi um verdadeiro missionário e empenhou-se na ajuda espiritual aos colegas — mas também começou a trabalhar, primeiro na firma de contabilidade que entretanto o pai tinha aberto, e depois no escritório de uma fábrica de meias.
Durante a escola secundária, Jorge Mario Bergoglio era um jovem convencional dos subúrbios de Buenos Aires: de origem italiana, como milhões de argentinos, católico convicto e devoto devido ao contexto familiar e à formação, trabalhador como muitos jovens de famílias afetadas pela Grande Depressão — e, naturalmente, também era um argentino tradicional, apaixonado pelo tango e pelas festas noturnas. Os relatos dos amigos de Bergoglio, compilados em inúmeras reportagens e biografias, dão conta de um excelente dançarino de tango, que tinha uma namorada e que gostava de comer, de beber e de festas aos sábados à noite (sem que isso o impedisse de, no domingo bem cedo, estar na missa).
O fascínio de Bergoglio pelos ambientes do tango, na altura ainda uma dança muito associada às prostitutas e às classes sociais mais baixas, tem sido lido por muitos como um sinal precoce de aproximação às periferias das sociedades. Bergoglio não se fechava, física e intelectualmente, nas igrejas, no trabalho ou em casa — saía do centro, em busca das periferias existenciais da sua cidade. A “opção preferencial pelos pobres”, que o Papa Francisco reiterou múltiplas vezes no seu pontificado como missão central da Igreja Católica, não tinha origem numa visão académica, externa, mas num conhecimento em primeira mão dos contextos reais da humanidade do seu tempo.
Foi nessa fase da adolescência, marcada pelo namoro, pelo tango e pelas festas, que Jorge Bergoglio, com 17 anos, descobriu a sua vocação. Conhecemos os pormenores desse importante dia 21 de setembro de 1953 porque o próprio Bergoglio, já como cardeal arcebispo de Buenos Aires, os contou em 2012 numa entrevista intimista à rádio La 96, uma pequena estação da paróquia de Caacupé, numa das zonas mais pobres e menos desenvolvidas da cidade de Buenos Aires — o tipo de bairros por onde era frequente encontrar o cardeal Bergoglio. Três dias depois da eleição do Papa Francisco, a paróquia criou um canal no YouTube especificamente para partilhar com o mundo a entrevista em que Bergoglio revelou vários pormenores da sua biografia.
“Em criança, já me tinha ocorrido ser padre, mas como ocorre ser engenheiro, ser médico ou ser músico”, contou Bergoglio. “Estava na escola industrial, estudava química, e no dia 21 de setembro [de 1953] — porque disso lembro-me sempre —, estava a sair para ir passear com os meus companheiros e passei pela igreja de Flores. Eu ia a essa igreja. E aí entrei. Senti que tinha de entrar, essas coisas que sentimos de dentro e não sabemos como são. Olhei, estava escurito, uma manhã de setembro, e vejo que vinha um padre a caminhar. Não o conhecia, não era da igreja, e senta-se no último confessionário, à esquerda, de frente para o altar. E, aí, não sei o que me aconteceu.”
Continuou o cardeal Bergoglio: “Senti como se alguém me tivesse agarrado por dentro e me tivesse levado ao confessionário. Não sei o que se passou aí, evidentemente contei-lhe as minhas coisas, confessei-me, mas não sei o que aconteceu para, quando acabei de me confessar, ter perguntado ao padre de onde era, pois não o conhecia. Disse-me: ‘Sou de Corrientes e estou a viver aqui perto, no lar sacerdotal, e venho celebrar missa aqui à paróquia de vez em quando.’ Ele tinha um cancro, uma leucemia, e morreu no ano seguinte. Aí, senti que tinha de ser padre. Não duvidei, não duvidei.”
Jorge já não foi ao piquenique com os amigos para onde se dirigia naquela manhã de setembro: voltou para casa. Depois disso, continuou a ir à escola até completar a sua formação secundária, mas já convicto de que o seu caminho estava trilhado.
A longa formação jesuíta moldada pelo Concílio Vaticano II
“Vou terminar a escola secundária com vocês, mas não vou ser um químico, vou ser padre. Mas não quero ser o padre de uma basílica. Vou ser um jesuíta, porque quero ir para os bairros, para as villas, estar com as pessoas”, diria Jorge Mario Bergoglio ao seu colega Oscar Crespo, com quem trabalhava no laboratório químico durante os estudos na escola secundária. O relato do amigo, que surge na biografia de Francisco elaborada por Ivereigh, parece apontar para uma vocação jesuíta identificada logo no primeiro momento — embora o caminho de Bergoglio até à Companhia de Jesus não tenha sido assim tão direto, uma vez que a primeira porta a que bateu foi a do seminário diocesano, ou seja, a escola que o formaria para se tornar um padre do clero secular da diocese de Buenos Aires.
A consciência da vocação sacerdotal de Jorge não o afastou da vida que levava durante a escola secundária, nas periferias de Buenos Aires, da vida noturna e da paixão pelo tango. Aliás, para amealhar algum dinheiro extra, Jorge chegou mesmo a trabalhar como porteiro em bares de tango na capital argentina.
Tudo só acabaria em março de 1956, no início do ano letivo em que entrou no seminário diocesano de Buenos Aires após uma despedida custosa dos muitos amigos que deixou para trás. A principal dificuldade foi convencer os pais, que estavam convictos de que Jorge viria a ser médico. Só com a ajuda do padre Enrico Pozzoli, o seu guardião espiritual desde a infância, Bergoglio conseguiu tranquilizá-los em relação à sua escolha de vida.
Foi no seminário diocesano de Buenos Aires, administrado pela Companhia de Jesus, que conheceu os jesuítas mais intimamente. Recordado pelos colegas como um grande jogador de futebol, aluno bem comportado, respeitado pelo talento e sabedoria, Jorge Bergoglio passou de uma vida marcada pelo trabalho e pela diversão para um contexto de grande rigor dentro do seminário, onde cada minuto da rotina quotidiana era contado: as orações matinais e de vésperas, a missa diária, o estudo, as aulas e os períodos de tempo livre.
Na juventude de Bergoglio, o futebol esteve sempre presente. Herdou do pai a paixão fervorosa pelo San Lorenzo, com estádio no bairro de Flores — aliás, o pai de Jorge viria a morrer justamente de ataque cardíaco nas bancadas daquele estádio. Na infância, Jorge chegou a cruzar-se no bairro de Flores com aquele que se tornaria numa das maiores lendas do futebol argentino, Alfredo Di Stéfano, e os dois terão mesmo chegado a jogar juntos no bairro. A história da ligação de Bergoglio ao futebol foi profundamente explorada pelo antigo embaixador colombiano no Vaticano, César Mauricio Velásquez, que escreveu um livro sobre a relação entre a fé e o desporto e o lado humano do futebol a partir de conversas com o Papa Francisco e várias lendas do futebol mundial.
Em 2018, em entrevista ao Observador, Velásquez lembrou como o Papa Francisco e Di Stéfano “jogaram juntos algumas vezes no bairro onde viviam” e também como o futebolista argentino, que morreu em 2014, ficou “tão emocionado” no dia da eleição pontifícia de Bergoglio “que pôs uma bandeira da Argentina na varanda da sua casa em Madrid” nesse dia.
“O Papa Francisco e Di Stéfano jogaram juntos no bairro onde viviam”
A ligação de Bergoglio ao futebol perduraria até ao pontificado: nos museus do Vaticano há camisolas de equipas, luvas de guarda-redes e troféus, com destaque para as ofertas do San Lorenzo. O Papa Francisco enviaria também uma imagem da Virgem Maria para o estádio do San Lorenzo e, mesmo dentro do Vaticano, recebe dos seus assessores informações detalhadas sobre os resultados desportivos do país-natal. Velásquez perguntou também a Bergoglio o que era, para si, um bom golo: “O Papa diz que um bom golo tem de ser surpreendente, um bom golo tem de ter muito de habilidade. Habilidade, surpresa e emoção.”
Aquele primeiro ano de seminário foi, contudo, de grandes dúvidas para Jorge, que chegou mesmo a passar uma boa parte do ano atormentado com a ideia de abraçar o celibato. Segundo Austen Ivereigh, o já seminarista Bergoglio conheceu no casamento de um tio uma rapariga tão bela que continuava a invadir-lhe o espírito sempre que tentava rezar — e avolumavam-se as dúvidas sobre se seria capaz de levar uma vida sem mulher filhos. Acabou, no entanto, por se decidir a ficar no seminário.
No segundo ano letivo que passou no seminário de Buenos Aires, Jorge foi subitamente afetado por uma doença que o levou a vários dias de internamento hospitalar — e que deixaria marcas muito profundas que se viriam a repercutir durante toda a vida do Papa Francisco. Uma grave pleurisia (inflamação da pleura, a membrana que reveste os pulmões) resistente aos antibióticos atirou-o para uma cama do hospital perto do seminário, para onde foi levado de urgência com fortes dores.
A experiência foi de tal modo radical que, durante cinco dias, Jorge esteve dentro de uma tenda de oxigénio e foi operado. Foram-lhe retirados três quistos dos pulmões, uma parte do pulmão direito e uma parte da pleura — uma condição que deixaria Bergoglio particularmente vulnerável, ofegante ao mínimo esforço, durante o resto da vida.
Durante o internamento doloroso — conta-se que chegou a delirar com as dores inimagináveis —, Jorge procurou incessantemente encontrar um sentido para o que lhe estava a acontecer. Foi a irmã Dolores, que havia conhecido no infantário e que o tinha marcado profundamente, quem o ajudou a procurar identificar o seu sofrimento naquela cama de hospital com o sofrimento de Cristo pregado na cruz. Bergoglio viria a contar, mais tarde, que essa capacidade de identificação com o sofrimento de Cristo o ajudou decisivamente a superar os dias de internamento, durante os quais esteve quase sempre acompanhado de amigos seminaristas.
Foi também durante o internamento que Jorge Mario se decidiu a entrar na Companhia de Jesus. Estava determinado a não ficar aquartelado numa paróquia urbana, queria ir para as frentes de batalha quotidianas da Igreja — que Bergoglio identificava na história da Companhia de Jesus na Argentina.
Chegados ao território da Argentina no final do século XVI oriundos do Peru, poucos anos depois da morte do fundador, Santo Inácio de Loyola, os jesuítas encontraram uma região ainda em processo de colonização, e tornaram-se nos principais defensores dos povos indígenas perante os abusos dos colonos espanhóis. Entre os séculos XVII e XVIII, os jesuítas foram os responsáveis por organizar milhares de comunidades, articulando a divulgação do Evangelho com a promoção das culturas locais. O alinhamento dos jesuítas com a defesa dos direitos dos povos indígenas valeu-lhes a inimizade da coroa espanhola e foi um dos motivos que levaram o rei Carlos III a pressionar o Papa Clemente XIV a suprimir a Companhia de Jesus, em meados do século XVIII. A ordem só seria restaurada já no século XIX e os jesuítas encontraram um território entretanto independente. A recusa dos jesuítas em promover o regime do ditador Juan Manuel de Rosas levou à expulsão dos jesuítas da Argentina — só voltariam mais tarde, depois da deposição de Rosas, recuperando gradualmente igrejas e colégios e assumindo-se como educadores. Foi nessa fase que lhes foi confiado o seminário diocesano de Buenos Aires, que Bergoglio viria a frequentar em 1956.
Quando foi aceite na Companhia de Jesus, em 1958, Jorge já levava quase dois anos de estudos de seminário, o que lhe permitiu reduzir ligeiramente o tempo de formação nos jesuítas. Ainda assim, Bergoglio passou por um intenso processo formativo, que incluiu dois anos de noviciado em Córdoba, na Argentina, um ano de estudos de juniorado, em Santiago do Chile, três anos de estudo de filosofia em Buenos Aires (no Colégio Máximo, a grande instituição de ensino superior dos jesuítas), três anos de magistério a dar aulas em Santa Fé, três anos de estudos de teologia novamente em Buenos Aires e ainda um ano de exercícios espirituais em Espanha no final do processo, antes dos votos finais.
A formação intelectual de Bergoglio coincidiu, em grande parte, com o Concílio Vaticano II, o grande concílio da Igreja Católica ocorrido na década de 1960 por decisão do Papa João XXIII, que considerava urgente um debate aprofundado sobre a relação da Igreja no mundo contemporâneo — no qual ficou célebre no meio eclesiástico o termo aggiornamento, italiano para atualização, para designar o processo de adaptação da mensagem da Igreja aos desafios do mundo moderno. O Vaticano II, que produziria muitos dos documentos referenciais da Igreja contemporânea, também não foi alheio às revoluções culturais dos anos 60.
À semelhança da generalidade da Igreja, no que diz concretamente respeito às congregações religiosas, um dos grandes desígnios do Concílio Vaticano II foi a ideia do regresso às fontes do Cristianismo, ao espírito das primeiras comunidades cristãs e dos Padres da Igreja e aos carismas dos fundadores das congregações religiosas — rompendo com a pesada estrutura de poder hierárquico em que a Igreja se tinha transformado ao longo dos séculos. Essa ideia de regresso às fontes, no caso dos jesuítas, moldaria decisivamente o modo de Jorge Bergoglio olhar para a Igreja e para a Companhia de Jesus.
Jorge fez os primeiros votos como jesuíta em 12 de março de 1960, após um período de noviciado sob regras apertadas. Segundo conta Ivereigh na sua biografia do Papa Francisco, os noviços em Córdoba estavam obrigados a tratar-se por você, e não por tu, e proibidos de andar em grupos com menos de três elementos, para evitar amizades preferenciais. A educação era especialmente formal e os colegas lembram Jorge como um jovem soturno e piedoso, que já sabia latim e grego devido aos anos no seminário diocesano — o que acelerou o seu processo formativo.
Depois dos votos iniciais, Jorge foi para Santiago do Chile, onde passou o tempo do juniorado, um tempo de estudos iniciais, na Casa Loyola — uma casa destinada justamente a acolher os jesuítas juniores que se encontram neste primeiro período de formação. Ali, Bergoglio viveu de modo muito rígido, com horários apertados e obrigado a uma rotina de estudo intenso. Durante aquele tempo, aos fins de semana, Jorge deu aulas numa escola frequentada por crianças muito pobres, naquele que foi o primeiro grande contacto do jovem jesuíta de classe média com a miséria de alguns estratos sociais da população argentina.
De volta a Buenos Aires após o período do juniorado, Jorge rumou ao Colégio Máximo, para o primeiro dos dois grandes ciclos de estudos da sua formação intelectual: a filosofia. O período de estudos filosóficos em Buenos Aires ficou marcado pela tristeza da perda do pai, que morreu de ataque cardíaco no estádio de futebol do San Lorenzo — a equipa que Bergoglio continuou a apoiar fervorosamente até como Papa, em Roma — e pelos desafios teológicos colocados pela realização do Concílio Vaticano II. Como estudante, Bergoglio debateu intensamente os desenvolvimentos do concílio com os colegas — e já se assumia como um defensor da corrente mais progressista, a que defendia uma Igreja mais disponível para dialogar com o mundo contemporâneo.
No final dos três anos de estudos filosóficos, Jorge foi colocado como professor de literatura no Colégio da Imaculada Conceição, em Santa Fé, onde ensinou jovens do ensino secundário. Naquele período de magistério, pelo qual os jesuítas passam durante a sua formação, Jorge foi um professor muito apreciado de uma das escolas mais importantes da Argentina. Foi nesse período que se cruzou com Jorge Luis Borges, o mais aclamado escritor argentino — que na altura era já um ícone da literatura em língua espanhola. Bergoglio tinha contacto com a secretária de Borges e foi através dela que convidou o autor para ir ao colégio falar de literatura aos estudantes.
Borges acedeu e passou vários dias no colégio jesuíta com Bergoglio — um professor considerado brilhante, com grande conhecimento literário, mas soturno — e os seus estudantes; no final, o professor Bergoglio promoveu entre os alunos a escrita de contos, garantindo-lhes que os melhores textos seriam enviados a Jorge Luis Borges. A promessa de Bergoglio concretizou-se: quando recebeu o dossiê com os contos, Borges sugeriu a Bergoglio que os editasse num volume autónomo e ofereceu-se até para escrever o prefácio.
“Este livro transcende o seu original propósito pedagógico e chega, intimamente, à literatura”, escreveu Borges no prefácio. Terá sido nessa altura que ocorreu o inusitado episódio em que Bergoglio se viu subitamente obrigado a fazer a barba ao lendário escritor argentino. Quando Bergoglio e um colega seu, o também jesuíta e professor de literatura Jorge Gonzalez Manent, foram buscar Jorge Luis Borges ao hotel, foi Bergoglio que teve de subir ao quarto do escritor para o trazer — mas demorou mais do que o expectável. Cá em baixo, Manent esperava-o. Quando chegaram, o colega perguntou a Bergoglio o que se tinha passado. “O velho pediu-me que lhe fizesse a barba”, respondeu Bergoglio, segundo o relato feito por Manent à BBC.
Após três anos de ensino de literatura, Bergoglio regressou ao Colégio Máximo, em Buenos Aires, para o segundo grande ciclo de estudos da sua formação jesuíta — depois da filosofia, a teologia, entre 1967 e 1970. O grande tema daqueles anos era, inevitavelmente, o Concílio Vaticano II, que terminara pouco antes. O ressourcement — o regresso às fontes — era um objetivo vital do concílio e, dentro da Companhia de Jesus, o padre Pedro Arrupe, à época superior geral, coordenava este processo de regresso à espiritualidade de Santo Inácio. Ainda durante os estudos teológicos, Bergoglio começou a escrever os seus primeiros artigos e foi nomeado assistente do mestre de noviços. Aquela era uma ambição antiga de Bergoglio, que alinhava pela corrente mais progressista da Igreja Católica e pretendia ter responsabilidades na formação dos futuros jesuítas e contribuir para moldar as novas mentalidades ao sabor dos novos ventos do concílio.
O pensamento teológico de Bergoglio foi fortemente influenciado pela obra do teólogo francês Yves Congar, que apontava a diferença entre a verdadeira reforma (que pretende tornar a Igreja mais fiel a si própria, regressando às origens e valorizando a tradição) e a falsa reforma (um mero alinhamento da Igreja com o pensamento secular). Num contexto de grande divisão teológica na Igreja argentina, com fraturas assinaláveis entre católicos e num momento marcado pelo surgimento da teologia da libertação, Bergoglio preparava-se para a ordenação sacerdotal.
É impossível compreender o catolicismo na América Latina naquele período histórico sem o ler à luz da teologia da libertação, uma corrente surgida na sequência do Concílio Vaticano II que colocou a ênfase da libertação humana, já não apenas na ideia de rejeição do pecado, mas também na libertação das sociedades dos regimes e estruturas sociais que oprimem os povos e aumentam as desigualdades e a injustiça. Popularizava-se a “opção preferencial pelos pobres”, expressão que o Papa Francisco viria a repetir múltiplas vezes durante um pontificado em que deu significado à redefinição da Igreja Católica como “povo de Deus”, e já não como uma mera estrutura hierarquizada, que resultou do concílio.
Rapidamente, porém, a teologia da libertação ganharia, no contexto latino-americano, uma grande proximidade com as ideias marxistas. Bergoglio situava-se, segundo o seu biógrafo Austen Ivereigh, noutro campo de pensamento: para ele, a opção pelos pobres não se devia confundir com o marxismo; a Igreja não defende os pobres classificando-os como uma classe em luta contra outras, mas defende a dignidade integral de cada pessoa, olhando para cada um como agente da sua própria história.
No entanto, uma interpretação da teologia da libertação mais próxima do marxismo tornou-se a mais popular na Argentina, sobretudo tendo em conta que o país estava nas mãos de uma ditadura militar desde 1966. Naquele contexto, o marxismo, o socialismo, o peronismo e a teologia da libertação começaram a fundir-se. O marxismo disseminou-se dentro da Igreja Católica, sobretudo com a criação do “Movimento de Sacerdotes do Terceiro Mundo”, que a dada altura já reunia uma parte significativa dos padres argentinos. A ideia era a de que a Igreja Católica tinha de estar do lado do povo — e o povo era peronista. Ao mesmo tempo, como recorda o biógrafo de Francisco, a visão destes padres entrava em conflito com a dos bispos, que estavam muito próximos dos militares. Este conflito entre as bases e a hierarquia, na verdade, refletia a divisão existente na sociedade, entre o povo e as forças armadas.
Esta proximidade entre alguns segmentos da Igreja e o marxismo e o peronismo levou a que, entre o final da década de 1960 e o início da década de 1970, muitos destes padres e jovens católicos se ligassem às guerrilhas que lutavam contra o regime dos militares. Segundo Austen Ivereigh, não se pode dizer que a Igreja como instituição tenha participado ativamente na guerrilha, mas muitos padres justificavam e enquadravam a violência como meio necessário para a libertação dos oprimidos.
Em 13 de dezembro de 1969, após um longo período de formação dentro da Companhia de Jesus marcado pela turbulência social na Argentina e pelas grandes reformas do Concílio Vaticano II, Jorge Bergoglio foi ordenado padre na capela do Colégio Máximo. Começaria, naquele momento, um dos períodos mais complexos da vida do futuro Papa, situado no meio de profundas divisões sociais no seu país e na sua Igreja.
Nas décadas seguintes, o percurso de Bergoglio foi intenso: dentro da província argentina da Companhia de Jesus, foi mestre de noviços, professor universitário, reitor do colégio e finalmente superior provincial dos jesuítas argentinos. Apesar da controversa proximidade com os militares que governavam o país com mão de ferro, Jorge Bergoglio conseguiu, na verdade, salvar dezenas de pessoas da morte certa, providenciando possibilidades de fuga do país a muitos dos resistentes anti-ditadura — uma história pormenorizadamente descrita pelo jornalista italiano Nello Scavo no livro A Lista de Bergoglio. Na década de 1980, passou um período na Alemanha a fazer a sua tese de doutoramento e, já no início da década de 1990, foi elevado a bispo por decisão do Papa João Paulo II.
Depois de um período como bispo auxiliar, ascendeu a arcebispo de Buenos Aires em fevereiro de 1998 e o Papa tornou-o cardeal. Durante quase duas décadas, foi o mais importante clérigo da Argentina — até ao conclave de 2013.