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Os clientes dos bancos portugueses que investiram nas Obrigações PT Taxa Fixa 2012/2016 não receberam os 231 milhões de euros que a emissão previa reembolsar a 26 de julho passado. Este prejuízo não é o final – os investidores poderão ainda recuperar parte do investimento inicial –, mas as perdas dos aforradores portugueses não se resumem ao investimento direto nas obrigações de retalho.
Os clientes de três bancos a operar em Portugal registam, adicionalmente, um prejuízo de perto de 200 milhões de euros em produtos financeiros complexos que dependem da solvência da Portugal Telecom Internacional Finance (PTIF). O rasto das perdas já vai em mais de 400 milhões de euros e haverá mais.
Números recolhidos pelo Observador junto de fontes financeiras indicam que só o investimento realizado por pequenos investidores em produtos financeiros complexos que têm como referência as obrigações da antiga Portugal Telecom ascende a cerca de 900 milhões de euros. Estas aplicações, vendidas por vários bancos junto dos clientes de retalho, sofrem perdas por causa do pedido de recuperação judicial da operadora brasileira Oi. O processo suspendeu o reembolso e o pagamento de juros destes títulos que foram declarados em incumprimento. Os maiores prejuízos foram, para já, comunicados nos produtos que tiveram reembolso antecipado.
Foram os clientes do Deutsche Bank que mais dinheiro perderam: mais de 82 milhões de euros. Este montante inclui não só os produtos que foram reembolsados antecipadamente devido à situação da PTIF (Portugal Telecom International Finance) mas, também, a desvalorização do valor nominal de produtos que permanecem na carteira dos clientes até à maturidade. Não inclui, no entanto, a perda de cupões que a maioria dos instrumentos contabiliza.
Atrás do Deutsche Bank ficam o Santander Totta e o Banco Best na lista dos intermediários financeiros com os produtos que mais perdas provocaram aos investidores portugueses, segundo os dados compilados pelo Observador junto das declarações oficiais dos intermediários financeiros, da agência Bloomberg e de fontes do setor bancário.
O Observador detetou ainda emissões de produtos financeiros indexados à dívida da PTIF — a empresa controlada pela Oi que ficou responsável por pagar estas obrigações — comercializados pelo Novo Banco e pelo Barclays (entretanto substituído pelo Bankinter), mas não conseguiu apurar o valor das perdas dos seus clientes. Os mais de 60 produtos analisados pelo Observador que incluem alguma exposição à PTIF captaram mais de 1,3 mil milhões de euros das poupanças dos portugueses. O saldo vivo (por pagar) destas aplicações é, contudo, inferior, porque houve vendas e reembolsos antes da maturidade.
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Os produtos financeiros complexos distinguem-se por oferecerem uma rentabilidade incerta, geralmente dependente da evolução do preço de outros ativos subjacentes (ações, cabazes de ações, índices, taxas de juro, matérias-primas, entre outros).
A complexidade destes produtos é elevada e são raros os investidores que os conseguem compreender e avaliar corretamente. Muitas vezes podem assumir valores negativos, avisa a CMVM.
No chapéu dos produtos complexos cabem obrigações estruturadas, como as CLN (credit link notes), warrants estruturados, produtos duais e outros produtos complexos, unit-linked (seguros e operações ligados a fundos de investimento); fundos de investimento alternativos, fundos especiais de investimento imobiliário, plataformas de negociação eletrónica.
Perdas até 87,4%
Há três anos, os clientes da sucursal portuguesa do Deutsche Bank poderiam aplicar as poupanças nas Notes db Rendimento Portugal Telecom Finance 2020. A expectativa, na altura, era a de que estes títulos pagassem no primeiro ano uma taxa anual de 4,5% e que, nos anos seguintes até maio de 2020, rendessem o equivalente à Euribor a três meses acrescida de 3%. Isso teria acontecido se a PTIF não tivesse sido declarada em incumprimento.
Devido à situação da PTIF, a dbInvestor Solutions, o emitente do produto que pertence ao grupo Deutsche Bank, comunicou aos subscritores que, por cada mil euros investidos originalmente, iriam receber 125,69 euros, ou seja, registariam uma perda efetiva de 87,4%. Esta foi a maior emissão de títulos indexados à PTIF afetada pelo incumprimento da Oi. Em agosto de 2013, as Notes db Rendimento Portugal Telecom Finance 2020 reuniram 100 milhões de euros dos clientes do Deutsche Bank, embora o montante antes do cálculo do reembolso se tivesse reduzido para 71,4 milhões de euros, segundo a Bloomberg.
Fontes financeiras apontam a sucursal portuguesa do Deutsche Bank como a instituição que colocou um maior montante deste tipo de aplicações. Dados obtidos pelo Observador, com base em comunicações à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, apontam para 13 produtos com emissões que totalizam 443 milhões de euros
Alguns clientes da sucursal do banco alemão afirmam que foram enganados porque o produto tinha sido vendido como uma solução de capital garantido e planeiam avançar para tribunal contra o Deutsche Bank.
Perdas versus desvalorizações
A estrutura dos produtos comercializados pelo Banco Best é semelhante àquela que foi adotada pelo Deutsche Bank e foi construída pelo Haitong (o antigo Banco Espírito Santo de Investimentos). Os clientes do Banco Best, controlado maioritariamente pelo Novo Banco, que investiram em cinco produtos complexos que tinham apenas as obrigações da PT como referência, perderam entre 81,6% até 85,7% das aplicações. Esta percentagem de perda foi aplicada a uma emissão — Eur 5Y CLN Portugal Telecom International Finance BV II — que teve custos de desmontagem mais elevados, mas com um valor colocado relativamente baixo. Os cinco produtos representam investimentos de 48,3 milhões de euros.
A situação no Santander Totta é diferente: os investimentos nas obrigações da PTIF foram conduzidos através de fundos autónomos ligados a contratos de seguros. Embora o valor da carteira desses fundos tenha caído, em média, 11,9% desde o início do ano até 31 de julho passado, poderá haver recuperação até à maturidade dos seguros ser atingida entre 2017 e 2021. As desvalorizações não foram superiores, porque os seguros financeiros do Santander Totta não investem unicamente na PTIF. No caso do produto Plano Financeiro Trimestral Janeiro 2013, por exemplo, os aforradores ficam não só expostos à PTIF mas também à dívida da EDP e da Telecom Italia e a depósitos a prazo ou obrigações do grupo Santander.
O Novo Banco, o Haitong (antigo Banco Espírito Santo de Investimento, emitente dos produtos colocados junto dos cliente do Novo Banco e do Banco Best) e o Bankinter não responderam aos pedidos de informação do Observador.
Custos do reembolso pesam
As perdas registadas em produtos como Notes db Rendimento Portugal Telecom Finance 2020 não se prendem unicamente com a desvalorização dos títulos; também há custos a contabilizar. Os chamados “custos de desmontagem” do produto encolhem o escasso retorno do investidor.
Fonte oficial do Deutsche Bank sublinhou ao Observador que, neste caso, apenas 8% da perda é atribuível à operação de cobertura de risco, parte do produto que continha um swap de taxa de juro. Esta operação, acrescenta o banco, “visava assegurar o pagamento de juros periódicos aos investidores a uma taxa variável (assim protegendo aqueles contra variações agressivas das taxas, em comparação com uma taxa fixa). Mesmo sem esse custo, os investidores teriam sempre perdido 80% do capital investido por causa do default. O banco assegura que “não cobrou qualquer montante aos seus clientes, no âmbito do reembolso antecipado deste produto”, a 3 de agosto passado.
Nenhum dos bancos contactados pelo Observador revela o número de clientes que sofreu ou vai sofrer perdas, em particular por via dos reembolsos antecipados. O Deutsche Bank questiona, contudo, a informação de que será o banco que mais comercializou produtos tendo como base as obrigações da ex-PT. “Tendo em conta a informação dispersa existente no mercado acerca destes produtos entende ser falsa essa informação”.
A sucursal do banco alemão destaca, ainda, que existem outros produtos com este ativo subjacente – as obrigações PT – “no âmbito dos quais os clientes não sofreram perdas desta natureza, ou até que obtiveram ganhos”. E acrescenta que o banco “não deixará de prestar o devido acompanhamento aos seus clientes”.
O Banco Best também reembolsou antecipadamente cinco produtos financeiros por incumprimento da PTIF, a entidade emitente das obrigações, que passou para a esfera da Oi. A percentagem de recuperação do investimento inicial feito é de 20%, mas a recuperação líquida é da ordem dos 18,4%, depois de deduzidos os custos de desmontagem do produto que incluem o cancelamento do swap de taxa de juro.
Questionado pelo Observador, fonte oficial do Banco Best, esclarece que disponibiliza um conjunto muito diversificado de produtos financeiros que permitem aos investidores optar por diferentes estratégias de investimento, estando estas sujeitas naturalmente aos riscos inerentes e previamente identificados. Apesar de algumas destas estratégias poderem, ocasionalmente, serem menos bem-sucedidas, no ano passado foram reembolsados vários produtos associados à PTIF cujo reembolso foi feito a 100%, tendo apresentado um ganho médio anual de 7%.
O Novo Banco comunicou, também, o reembolso antecipado de vários produtos complexos construídos pelo Haitong que tinham captado um investimento conjunto de 66,3 milhões de euros. No caso desta instituição não são conhecidas as percentagens de reembolso. Outras aplicações desta natureza com dívida da PT venceram antes de serem apanhadas no incumprimento da operadora brasileira.
Uma bola de neve de perdas
Os clientes que investiram nestes produtos estão a ser avisados nas últimas semanas das perdas que as suas aplicações vão sofrer nos casos de reembolso antecipado. Mas o rasto dos prejuízos provocado pela dívida da antiga Portugal Telecom não ficará por aqui. A primeira situação conhecida foi a falha no reembolso das obrigações de retalho que ameaça com perdas muito acentuadas milhares de pequenos investidores. Em causa estão investimentos de 231 milhões de euros que deveriam ter sido reembolsados a 26 de julho, um processo que foi suspenso com o pedido de proteção judicial de credores, apresentado pela operadora brasileira Oi.
Estes investidores, que são os donos das obrigações, pouco mais podem fazer do que aguardar pela proposta aos credores que será feita pela gestão judicial da Oi, um processo que pode demorar pelo menos um ano a produzir resultados. Estas obrigações, cuja negociação na bolsa de Lisboa está suspensa, têm um valor atual da ordem dos 20% do montante aplicado, que corresponde à expectativa de recuperação, caso haja alguém interessado em comprar. Por outro lado, não é líquido que a proposta aos credores consista num pagamento em dinheiro. A solução poderá passar pela entrega de ações da nova Oi, uma solução que coloca em grande incerteza a recuperação de qualquer investimento.
Muitos dos investidores afetados não são os titulares das obrigações, mas de um contrato que dá direito a uma remuneração indexada àquele produto. Os juros e o valor final do produto dependem assim (estão indexados) à capacidade ou não da entidade de referência cumprir as suas responsabilidades.
Como as obrigações PT chegaram aos clientes dos bancos?
Em causa estão obrigações que foram vendidas em emissões para investidores institucionais. Como é que estes títulos chegaram aos clientes de retalho dos bancos? Porque foram colocadas como produto de investimento junto de pessoas que procuram maior rentabilidade e estão, em teoria, dispostas a correr mais riscos.
A maioria dos produtos consultados pelo Observador foi vendida entre 2012 e 2014, após o primeiro impacto da crise financeira portuguesa, quando o Banco de Portugal obrigou os bancos a baixarem os juros dos depósitos que tinham sido especialmente atrativos para atrair liquidez. Estas aplicações, tal como as obrigações emitidas pelas grandes empresas portuguesas dirigidas ao retalho, eram uma alternativa que oferecia remuneração e um grau de segurança que estava associado ao risco da emitente. Algumas destas empresas, como a Portugal Telecom e a EDP, tinham um rating superior ao da República Portuguesa, e havia um apetite por este tipo de títulos, adiantam fontes do setor bancário.
Em resposta ao Observador, fonte oficial do Deutsche Bank relembra que, “na altura de venda do produto, a antiga PT representava um investimento considerado sólido e defensivo, atento ao rating da empresa e a liquidez do título no PSI 20″, o índice da bolsa de Lisboa.
“Não era expectável, à data, que todos os eventos subsequentes que afetaram esta empresa e as sociedades do seu universo viessem a ter lugar, levando ao desfecho lamentável que todos conhecemos e testemunhamos. As perdas sofridas pelos clientes do Deutsche Bank e dos demais bancos afetados são o resultado, primeira e essencialmente, da desvalorização de cerca de 80% que conheceram aqueles títulos, fruto do desfecho acima referido”.
O que correu mal na PT? Tudo
Mas afinal o que correu mal? Praticamente tudo. Tudo o que de mal podia ter acontecido na Portugal Telecom, aconteceu, reafirma uma das fontes contactadas pelo Observador. Primeiro, foi o investimento desastroso de 900 milhões de euros na Rioforte (holding do Grupo Espírito Santo), a queda do maior acionista da PT – o Banco Espírito Santo – e a alteração das condições da combinação de negócios entre a PT e a Oi que retirou poder de decisão ao lado português do negócio, com a demissão de Zeinal Bava da liderança executiva da Oi, em setembro de 2014. Apesar das nuvens negras sobre a PT, quando os títulos de dívida passam para a Oi no verão de 2014, o rating das obrigações até sobe, porque a empresa brasileira tinha uma nota mais alta do que a portuguesa.
A estratégia da Oi passou por vender a PT Portugal aos franceses da Altice e focar-se na consolidação de negócios no Brasil, tirando partido do encaixe obtido nesta operação. Em janeiro de 2015, numa dramática assembleia geral, os acionistas da PT SGPS aprovam a venda da PT Portugal à Altice por 7.500 milhões de euros. Era um preço elevado porque a empresa portuguesa foi vendida sem a dívida que ficou toda do lado da Oi.
Estas alterações de estrutura acionista da entidade emitente das obrigações e da sua titularidade foram sendo aprovadas em assembleias gerais de obrigacionistas. No caso dos títulos de retalho, emitidos pela Portugal Telecom SGPS e que eram transacionados na bolsa de Lisboa, a Oi foi forçada a promover um reembolso antecipado, que ocorreu em julho de 2015, mas esta operação coincidiu com as férias e foi muito pouco divulgada. Menos de metade do valor emitido em 2012, de 400 milhões de euros, foi pago.
No Brasil, a Oi foi acumulando prejuízos e a Pharol, antiga PT SGPS, que é a maior acionista da operadora brasileira, foi acumulando perdas em bolsa. As negociações para uma fusão com a TIM marcaram passo e, já este ano, a operadora controlada por capitais italianos comunicou o desinteresse na operação. O fundo russo que estava disposto a investir na Oi também sai de cena. O cenário começa a ficar mais negro, à medida que a empresa brasileira vai gastando o que recebeu pela venda da PT Portugal no pagamento de uma dívida gigantesca superior a 60 mil milhões de reais (18 mil milhões de euros).
A Oi contratou consultores para renegociar a dívida, mas não chegou a acordo e, a 20 de junho, avança com um pedido de recuperação judicial, a um mês de reembolsar as obrigações de retalho vendidas aos pequenos investidores portugueses. O comité de decisões da ISDA (Associação Internacional de Swaps e Derivados) declarou a existência de um evento de crédito (incumprimento) da Oi e da PTIF, a entidade que passou a ser a titular das obrigações da antiga Portugal Telecom. A PTIF com sede na Holanda também se encontra sob proteção judicial de credores. A declaração da ISDA desencadeou uma série de reembolsos antecipados de produtos financeiros, com perdas relevantes para os investidores, que têm vindo a ser comunicados nas últimas semanas.
E não há nada a fazer?
Os produtos financeiros complexos passaram a ser alvo de uma supervisão e fiscalização mais rigorosa por parte da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), no quadro da diretiva dos mercados de instrumentos financeiros. Além da obrigação de divulgar as características destes produtos no portal da CMVM, os bancos são obrigados a informar os potenciais clientes de todos os riscos associados a estes investimentos, incluindo o pior cenário possível.
A comercialização destes produtos aos balcões dos bancos exige também uma prévia avaliação do perfil de risco do cliente, para decidir se é compatível com os riscos destes produtos, e o consentimento por escrito das características e perigos dos produtos que são sistematizados nas fichas de informações financeiras apresentadas aos investidores.
A maioria das fichas dos produtos que têm como referência as obrigações da Portugal Telecom, consultadas pelo Observador, sinaliza as aplicações como sendo de nível quatro, que é o mais elevado nível de alerta para o risco de perda da totalidade do capital investido. Ou seja, reconhecem quase sempre a possibilidade de perda total do capital investido.
Um investimento nas Notes comporta o risco de o montante de capital a reembolsar poder ser inferior ao capital investido, podendo equivaler a zero.
A CMVM acompanha o cumprimento formal das obrigações legais na comercialização destes produtos, mas não analisa especificamente as condições de cada um destes produtos. A sua publicidade é obrigatória, mas os produtos financeiros complexos não estão sujeitos à aprovação prévia do supervisor.
Fonte oficial da CMVM, contactada pelo Observador, adianta que está a acompanhar a situação e a analisar as reclamações feitas por investidores para avaliar se há incumprimento por parte dos deveres dos intermediários financeiros, na aplicação das regras de colocação destes produtos.
Mas há matérias que poderão ultrapassar as competências do regulador e entrar na esfera dos tribunais. Para já, um movimento de “lesados da PT” ainda está a dar os primeiros passos e poderá nunca atingir a dimensão das ações desencadeadas pelos clientes do antigo Banco Espírito Santo por causa do papel comercial das empresas do grupo, que acabou por ter uma solução política.
Os lesados da PT. Processos à vista?
O facto de estas aplicações terem sido comercializadas ao abrigo das novas regras para produtos complexos, com as respetivas fichas de informação e autorizações expressas dos investidores, transfere muita da responsabilidade do intermediário financeiro, o banco colocador, para o cliente final. Mas há quem esteja a recolher informação e queixas que indiciam falhas na construção destes produtos e na sua comercialização.
O grupo de clientes bancários que anunciou que se prepara para avançar para tribunal com uma ação contra o Deutsche Bank associou-se ao gabinete de advogados Macedo Vitorino & Associados.
Os clientes queixam-se que o produto lhes foi vendido como sendo de “capital garantido” e que, além disso, “nunca foi assinado nenhum documento que autorizasse que o investimento na Portugal Telecom fosse alterado para uma empresa chamada Oi, com sede no Brasil”.
O Observador contactou o escritório de advogados Macedo Vitorino & Associados, que trabalhou com clientes do antigo BES numa solução para o papel comercial. António de Macedo Vitorino confirma ter sido contactado por cerca de uma centena de clientes de bancos com produtos de investimento associados a obrigações PT, na maioria dos casos colocados pelo Deutsche Bank. O advogado especialista em produtos complexos e derivados está a analisar as situações apresentadas, mas admite, pela informação já disponível, que haverá falhas graves na construção destes produtos e na sua comercialização.
Existindo indícios de vício na formação de vontade, ou seja, sinais de que os clientes foram convencidos a investir com argumentos falsos ou enganadores, essa será mais uma matéria para os tribunais. O mais provável é que antes de chegar a vias de facto se tente a negociação.
Dúvidas e queixas
A circunstância de alguns destes produtos proporcionarem uma remuneração inferior àquela que seria obtida por via do investimento direto na obrigação PT, que é o produto de referência, e o facto de estes títulos, cuja emissão teve como destino investidores institucionais, terem ido parar às carteiras de investidores de retalho, são outras matérias que levantam dúvidas. Há, ainda, interrogações sobre o compromisso assumido no produto de que seria feita a gestão de risco e a transferência da titularidade destas obrigações para outra entidade, sem que o cliente final exposto ao risco, e que não é o dono da obrigação, tenha sido consultado.
Alguns dos bancos que distribuíram estes títulos foram também colocadores de dívida para a Portugal Telecom. Há suspeitas que teriam lotes para institucionais, cuja subscrição mínima era de 100 mil euros, na sua carteira própria, que teriam distribuído de forma retalhada por clientes de retalho. Em alguns dos produtos analisados, a subscrição mínima era de 1000 euros.
Um dos bancos que respondeu às perguntas do Observador, o Deutsche Bank, nega que os títulos usados nos seus produtos estivessem na sua carteira. Assegura que foram “comprados para este efeito, em mercado secundário, tendo em consideração o apetite do mercado na altura relevante e a performance do título”.
Alguns dos investidores que contactaram o Observador questionaram, também, os elevados custos de desmontar os produtos quando são efetuados os reembolsos antecipados. Há produtos que incluem um swap de taxa de juro, em que a taxa fixa assegurada pela obrigação foi trocada por uma taxa variável que, em determinadas condições, poderia ser benéfica para o investidor, se as taxas em mercado tivessem tido uma evolução positiva. Como isso não aconteceu, os custos de desmontar o swap ficam mais caros e são transferidos para o cliente.
Ainda sobre este tema, o Deutsche Bank assinala que os custos de desmontagem dos produtos estruturados “estão relacionados com o valor do cupão periódico oferecido em cada um desses produtos, com o momento em que foram emitidos e com o valor das taxas nos momentos de montagem da operação”.
Default da PT apanha pelo menos 3.800 milhões
A PTIF tem sete emissões de obrigações num valor total vivo de cerca de 3,8 mil milhões de euros, segundo um levantamento efetuado pelo Observador em junho. Apenas os títulos emitidos para o retalho, com um montante por pagar de 231 milhões de euros — estavam cotados em Lisboa. As restantes emissões vencem em 2017 — 382 milhões e 250 milhões de euros –, em 2018 — 750 milhões de euros –, em 2019, — 750 milhões de euros –, em 2020, — mil milhões de euros –, e em 2025 — 500 milhões de euros. Pela informação já recolhida, é plausível que uma parte muito substancial desta dívida esteja em Portugal, junto de investidores institucionais e de retalho, via produtos estruturados.
Há, ainda, outros produtos financeiros complexos que incluem no seu portfólio obrigações da antiga Portugal Telecom, a par de títulos que têm como referência outras entidades. Nestes casos, pode não haver reembolso antecipado, mas haverá perda cuja dimensão só será reconhecida no final da maturidade do produto ou em caso de pedido de resgate feito pelo cliente.
Os unit-linked correspondem a seguros de poupança associados que podem incluir obrigações da antiga Portugal Telecom no seu cabaz. Nestes casos, a perda máxima é proporcional ao peso que essa entidade tem no cabaz. E há casos de seguros que só estão associados a obrigações da PT, pelo menos um produto no antigo Barclays. Mas também há produtos como este comercializado pelo Santander Totta, cuja carteira de investimentos era composta em 45% pelas obrigações da PT. Neste caso, o incumprimento não implicará sempre o reembolso antecipado, será preciso esperar pela proposta da Oi.
Um recente comunicado feito ao mercado pela PTIF, a entidade emissora que é controlada pela Oi, admite que não será provável um desfecho antes de junho de 2017.
De acordo com fontes financeiras, as obrigações PT estão presentes em cabazes de investimento indexados à dívida de várias entidades (empresas). O pior cenário nestas aplicações será o first to default (o primeiro a entrar em incumprimento). Basta que uma das entidades entre em default, como aconteceu com a PT/Oi, para provocar o reembolso antecipado, com um pagamento que equivale à expectativa de retorno definida para a entidade que falhou. Estes produtos são de maior risco, mas oferecem uma remuneração mais atrativa.
O cenário normal nestas aplicações resultará numa perda máxima proporcional ao peso que a entidade que falhou tem no cabaz. Um exemplo: numa aplicação que tem como referência quatro entidades e uma delas é a antiga PT, a perda será de 25%, mas o produto continuaria válido até à maturidade, com os juros a incidir sobre os 75% do investimento que não foi afetado. O reembolso corresponderá a três quartos (75%) do capital investido.