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A analogia é a seguinte: depois de ver filmes em Imax, a hipótese de uma tela normal de cinema parecer fascinante perde-se para sempre. Se o telescópio Hubble moldou a nossa visão do universo nos últimos 30 anos, e ajudou a descobrir coisas que os cientistas desconheciam (como, por exemplo, que o universo, em tempos, se expandia mais lentamente), o telescópio Webb com apenas cinco imagens obtidas em cinco dias já mostrou que o conhecimento do universo nunca mais será o mesmo. As imagens de alta resolução, com uma nitidez e detalhe nunca antes vistos, deixam a comunidade científica arrebatada. É certo que o Hubble foi o primeiro amor, mas basta olhar para as imagens da Nebulosa de Carina de um e de outro e ver que o novo telescópio tem muito universo para revelar.
O que é o telescópio espacial James Webb?
É um dos mais ambiciosos projetos de investigação espacial e promete revolucionar o conhecimento que temos do Universo. Nasceu de uma parceria entre a Agência Espacial Europeia (ESA) e a Agência Espacial Canadiana há mais de 30 anos, a que se juntou a NASA. Nos anos 1980, começou a discutir-se a necessidade de substituir o telescópio Hubble, mas só na década seguinte se deram os primeiros passos que culminariam na construção e lançamento do telescópio espacial que permite captar a radiação infravermelha. O lançamento aconteceu a 25 de dezembro de 2021.
De onde vem o nome?
Em 1996, o projeto (assim como o futuro observatório) chamava-se Telescópio Espacial de Próxima Geração, já que seria o substituto do telescópio Hubble. Em 2002, foi renomeado com o nome de um antigo administrador da NASA, a Agência Espacial Americana, que, entre outros feitos, liderou muitas das missões do programa Apollo, que levou o homem à lua. No entanto, a escolha é polémica já que Webb está ligado a perseguições a pessoas da comunidade LGBTQ+ nas décadas de 1950 e 1960 e existe uma petição da comunidade científica a pedir a mudança de nome — algo que a NASA recusou até à data.
O que é que o Webb vai fazer?
Depois de um investimento de 10 mil milhões de dólares, o Webb é capaz de observar algumas das galáxias mais antigas e olhar para dentro das atmosferas de exoplanetas. Como? Através de um sistema de lentes, filtros e prismas que conseguem fazer aquilo que o olho humano não faz: descobrir sinais no espectro infravermelho.
Isso quer dizer que vai olhar para o passado?
É exatamente isso que quer dizer, segundo as explicações de Jonathan Gardner, um dos cientistas seniores do projeto. “O Webb pode olhar para trás no tempo, logo a seguir ao Big Bang, e procurar galáxias que estão tão distantes, que a luz levou muitos mil milhões de anos a chegar até nós”, explicou numa conferência de imprensa.
“Estamos quase a voltar ao começo”, argumentou, por seu turno, Bill Nelson, administrador da NASA, quando mostrou a primeira imagem do Webb, na véspera da nova série de imagens ser conhecida.
Então, estas não são as primeiras imagens conhecidas do Webb?
Não. A 11 de julho houve uma espécie de antestreia do que foi mostrado esta terça-feira. Bill Nelson explicou então o que estava à frente dos nossos olhos: a luz de galáxias, curvadas ao redor de outras galáxias, a viajar ao longo de muito tempo antes de ser detetada pelo telescópio. E esse “muito tempo” tem um valor, mesmo que não seja preciso. “Estamos a olhar para há mais de 13 mil milhões de anos.” A esperança dos cientistas é conseguir recuar ainda mais e haverá imagens de até 13,5 mil milhões de anos. A idade estimada do Universo é hoje de 13,82 mil milhões de anos.
A quem coube ver essa apresentação em primeira mão?
Foi ao Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. A sua presença na cerimónia de segunda-feira, bem como a de Kamala Harris, a sua vice-presidente, levaram a NASA a divulgar uma primeira imagem antes de todas as outras. “É até difícil de entender”, afimou Joe Biden na segunda-feira, referindo-se às imagens. “É surpreendente. É um momento histórico para a ciência e para a tecnologia, para a América e para toda a humanidade.”
Kamala Harris estava igualmente deslumbrada e considerou o telescópio “uma das grandes realizações de engenharia da humanidade”.
O que é que se via nessa primeira imagem?
O nome é menos apelativo do que a imagem — SMACS 0723. Esse aglomerado de galáxias, a cerca de 5 mil milhões de anos-luz da Terra, é o que surge em primeiro plano, mas são as outras imagens, de outras galáxias, ainda mais distantes, e reveladas com uma nitidez com que nunca tinham sido vistas, que deixam a comunidade científica em êxtase.
Basicamente, e como foi explicado na conferência de imprensa desta terça-feira, quando a imagem foi de novo analisada, o SMACS 0723 funciona como uma enorme lente (graças às forças gravitacionais) ampliando a luz das galáxias que se encontram por trás de si, algumas a mais de 13 mil milhões de anos-luz. Isso garante imagens com uma nitidez e profundidade nunca antes vistas.
O telescópio Hubble não conseguia ver tão longe?
Não, segundo a explicação de Jonathan Gardner: “O Webb é maior do que o Hubble para que possa ver galáxias mais ténues, e que estão mais distantes.” Esta terça-feira, Jane Rigby, cientista de operações do telescópio, explicou que com o Hubble seriam precisas semanas para conseguir uma imagem destas, de campo profundo. Com o Webb foi possível ter a imagem “antes do pequeno-almoço”, gracejou a cientista.
Onde está o Webb?
É outras das diferenças para o Hubble, telescópio que está situado numa órbita baixa da Terra, o que lhe permite ser visitado por missões de manutenção. Já o Webb não está a orbitar o nosso planeta, não terá direito a visitas de manutenção e foi enviado para um ponto fixo, onde não orbita. Chama-se L2 e está a cerca de 1,5 milhões de quilómetros da Terra, na direção oposta do sol.
Isso quer dizer que o observatório está parado no espaço?
Praticamente. L2 é uma alcunha, ou abreviatura, se preferirmos, para o segundo Ponto Lagrange (existem cinco). O que é que ele tem de excecional? A gravidade do Sol e da Terra equilibram a órbita de qualquer satélite situado naquele ponto, permitindo-lhe ficar numa posição fixa, sendo necessária uma quantidade muito pequena de energia para corrigir o seu curso, se tal for necessário, explica a NASA.
Assim, se a Terra tapa sempre uma parte do que o Hubble poderia captar, como quando alguém se coloca no nosso campo de visão, o Webb não tem esse problema. Se juntarmos a esta posição privilegiada o seu espelho e a sensibilidade dos seus instrumentos infravermelhos, este novo telescópio tem potencial para fornecer muita informação, muito detalhada e muito rapidamente.
Há mais motivos para se ter escolhido o L2?
Sim. Além da vantagem de não entrar e sair da sombra da Terra a cada 90 minutos, como acontece ao Hubble, o Sol e o nosso planeta estão do mesmo lado do céu, permitindo ao Webb ter uma visão desimpedida do universo. Mas há mais: a temperatura. O Webb vê o universo através de infravermelhos, ou ondas de calor. Para lhe dar a melhor hipótese possível de o fazer, encontrando luzes distantes e ténues de galáxias e estrelas, é preciso mantê-lo a uma temperatura tão baixa quanto possível. Ali, conseguirá estar a 225 graus Celsius negativos.
Quanto tempo demorou a juntar as imagens agora divulgadas?
Apenas 5 dias. E outras imagens semelhantes serão produzidas a cada 5 dias o que significa uma quantidade imensa de informação para os cientistas de todo o mundo analisarem.
Qual é o grande objetivo dos cientistas?
Ver as primeiras estrelas e galáxias formadas logo depois do Big Bang, ou seja, ver “o universo acender as luzes pela primeira vez”, como disse Eric Smith, cientista do programa Webb. O objetivo já não está muito longe, se considerarmos que a idade do universo é de 13,8 mil milhões de anos (uma estimativa, claro) e as imagens agora reveladas vão até 13 mil milhões de anos.
Para onde mais vai olhar o Webb?
A apresentação desta terça-feira serviu para dar uma ideia de tudo o que o telescópio pode fazer. Primeiro, quer espreitar o momento em que o universo nasceu, ou em que “as primeiras luzes se acenderam”; em segundo, vai pôr a espectroscopia — estudo da interação entre a radiação eletromagnética e a matéria — ao serviço da comunidade científica. Outras técnicas usadas “vão permitir detetar fontes de luz fraca ao lado de fontes muito brilhantes”, explica a NASA.
Quantas imagens foram reveladas?
Foram cinco, embora a primeira a ser analisada seja a que já conhecíamos desde a véspera. Os retratos são, para além do aglomerado SMACS 0723, da Nebulosa Carina (um berçário estelar a 7.600 anos-luz), da Nebulosa do Anel Sul, que rodeia uma estrela a morrer, e do Quinteto de Stephan, um aglomerado de galáxias, onde duas estão já em processo de fusão (tal como um dia irá acontecer com a nossa Via Láctea e a galáxia vizinha, Andrómeda). A espectroscopia permitiu ainda ver dados sobre os espectros do planeta Wasp 96b.
O que aprendemos com a imagem do aglomerado de galáxias SMACS 0723?
“Para todo o lado onde olhamos há galáxias”, disse Jane Rigby, enquanto explicava a imagem. Ao longe, os pontos vermelhos, que na verdade são galáxias, são o motivo pelo qual “construímos o telescópio”, disse a cientista. “Estamos a vê-las como elas seriam há mais de 13 mil milhões de anos — menos de um milhão de anos depois do Big Bang.” Por outro lado, imagens de momentos mais recentes da vida das galáxias, vão ajudar a perceber como evoluem ao longo do tempo. E onde se lê tempo deve ler-se milhares de milhões de anos.
O que aprendemos com a imagem do exoplaneta WASP-96b?
Para sermos rigorosos, a segunda imagem é uma ilustração e retrata um exoplaneta comparável a Júpiter (apenas em tamanho). Neste caso, o equipamento de infravermelhos fez o prometido e olhou para dentro da atmosfera do WASP, explicou Knicole Colon, especialista em exoplanetas, mostrando pormenores nunca antes vistos. Naquele planeta, a mais de um milhão de anos-luz, foi encontrado vapor de água depois de o Webb detetar essa assinatura química, e que pode ser representada num gráfico. O futuro? Procurar e estudar exoplanetas mais pequenos, além de olhar para dentro do nosso sistema solar, de Marte em diante.
E com a nebulosa do Anel do Sul?
Fica na constelação da Vela, já a conhecemos relativamente bem e isso é uma mais valia. A imagem que o Webb nos mostra agora serve para comparar com toda a informação registada anteriormente, explicou Karl Gordun, cientista dos instrumentos do telescópio. Causada pela morte de uma estrela, uma anã branca semelhante ao nosso Sol, é no centro da nebulosa que os cientistas encontraram a descoberta mais entusiasmante.
“Sabia-se que era uma estrela binária, mas nunca tínhamos visto bem a estrela que provocou a nebulosa. Agora vemo-la a vermelho e está rodeada de poeiras”, explicou o cientista Karl Gordun, algo que não se sabia até agora. Na imagem, é a estrela mais escura. O Webb vai permitir conhecer melhor estas nuvens de gás e poeira, originadas por estrelas moribundas.
A imagem do quinteto de Stephan traz algo de novo?
A resposta é afirmativa, como não podia deixar de ser. No quinteto de Stephan vemos cinco galáxias e esta é a maior imagem captada, até agora, pelo telescópio. A dimensão? Um quinto do diâmetro da Lua, mais de 150 milhões de pixels e mil imagens individuais. Giovanna Giardino, a cientista que explicou a imagem, frisou que duas delas estão já em processo de fusão. “Há uma espécie de dança cósmica motivada pela gravidade”, descreveu. O que se aprende? Como esta interação molda a evolução das galáxias ao longo do tempo. Além disso, a resolução da imagem é tão boa que permite ver o resultado da colisão: gás quente em tons vermelhos.
“Esta imagem capta, de certa forma, a evolução das galáxias no universo ao longo dos 13,8 mil milhões de anos”, explicou, por seu lado, Mark McCaughrean, conselheiro sénior para a Ciência e Exploração. E mostra também um buraco negro ativo, com um nível de detalhe nunca visto antes.
O que ensinou a imagem do berçário de estrelas?
A nebulosa Carina, na nossa Via Láctea, está a cerca de 7.600 de anos-luz da Terra. As novidades que traz foram expressas com emoção por Amber Straughn, responsável pela comunicação do projeto Webb. “Vemos exemplos de estruturas que nem sabemos o que são”, disse, apontando para uma área específica na imagem. Além disso, a imagem deixa ver toda uma profundidade e textura na crista da nebulosa, desconhecida até agora.