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A operação envolvia militares e civis
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A operação envolvia militares e civis

A operação envolvia militares e civis

Operação Miríade. Militares suspeitos de tráfico de diamantes e droga tinham cúmplices em Portugal, também detidos: o caso em 10 pontos

Denúncia em 2019 desencadeou a maior operação deste ano da PJ. Bitcoins complicam investigação, que só chegou à Judiciária em 2020. Militares serviriam de correio e ficariam com metade dos lucros.

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Uma pesquisa no dicionário revela a dimensão da mega-operação que acordou o país: “Miríade”, o nome com que a Polícia Judiciária batizou a investigação a um esquema de tráfico de diamantes, ouro e droga entre a República Centro Africana, Portugal e Bélgica, significa, em sentido figurado, “grande número”. E será, de facto, um negócio milionário aquele que militares e ex-militares portugueses junto com civis montaram, aproveitando-se de missões das Nações Unidas naquele país africano. O volume de negócios rondará os 500 milhões de euros, segundo a TVI24. Parte significativa das movimentações financeiras terá sido feita através bitcoins, uma moeda virtual com valores flutuáveis — o que trouxe ainda mais desafios durante a investigação e até nesta segunda-feira de buscas, a reta final da megaoperação. Dez pessoas acabaram detidas, mas só uma parte eram militares: as outras eram civis, que também faziam parte da teia (como as que tratavam do transporte por via terrestre entre Portugal e Bélgica), apurou o Observador.

Todo o esquema beneficiava de um trunfo, entretanto corrigido -- a carga transportada por aviões militares não era fiscalizada

O que está em causa?

Há militares e ex-militares, atualmente membros da GNR e da PSP, suspeitos de terem participado num esquema de tráfico de diamantes, ouro e droga transportados da República Centro Africana para a Europa, nomeadamente para as cidades belgas de Antuérpia e Bruxelas, em aviões militares destacados para missões da Organização das Nações Unidas (ONU). Além disso, o esquema contemplaria ainda o branqueamento de capitais, com o produto do crime a ser pago através de bitcoins.

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Em primeiro lugar é preciso deixar claro que todo o esquema beneficiava de um trunfo, entretanto corrigido — a carga transportada por aviões militares não era fiscalizada. Depois de aterrarem em Lisboa, diamantes, ouro e droga seguiam, já por via terrestre, para a Bélgica, onde eram vendidos por milhões de euros. Já em território belga, compravam-se moedas virtuais, que serviam apenas para branqueamento o dinheiro conseguido ilicitamente. A investigação acredita que os militares ficariam com metade do lucro.

A viagem dos diamantes desde a República Centro Africana até à Bélgica (ANA MOREIRA/OBSERVADOR)

Quem são os detidos e quando são ouvidos?

Dez pessoas foram detidas esta segunda-feira no âmbito da Operação Miríade, a maior investigação da Polícia Judiciária (PJ) em 2021. Só uma parte eram militares — os restantes eram civis e tinham ligações a crimes conexos, apurou o Observador. Mas, além dos detidos, sabe ainda o Observador, há militares que foram já constituídos arguidos e outros que ainda o serão.

Entre os militares detidos, um é um guarda-provisório em formação na GNR, desde junho de 2021, em Portalegre — “ingressou na formação proveniente das Forças Armadas”, refere a GNR em comunicado, acrescentando que “mostra total disponibilidade para colaborar com a Polícia Judiciária na investigação em curso”.

Só uma parte dos detidos são militares — os restantes são pessoas com ligações a crimes conexos, apurou o Observador.

O Observador sabe também que o guarda tinha sido transferido do Exército e terá sido neste braço das Forças Armadas que estava quando os alegados crimes foram cometidos. A GNR vai agora abrir um processo interno para averiguar a atuação do guarda-provisório, tal como é costume em casos desta natureza, mas só no fim da investigação geral é que se tomam medidas definitivas.

Outro detido é um agente da Polícia de Segurança Pública, pertencente ao comando metropolitano de Lisboa e que também já foi militar, apurou o Observador. À semelhança do que parece acontecer com o guarda-provisório, os crimes alegadamente cometidos pelo agora agente da PSP terão sido cometidos enquanto era militar.

Todos têm de começar a ser ouvidos pelo juiz Carlos Alexandre num prazo de 48 horas desde a detenção, podendo o interrogatório prolongar-se por mais tempo, até serem conhecidas as medidas de coação.

O que desencadeou a investigação?

A investigação começou depois de uma denúncia feita em dezembro de 2019 junto do comandante da 6.ª Força Nacional Destacada na República Centro Africana. Os relatos iniciais davam conta de que alguns militares destacados naquele país teriam sido utilizados “como correios no tráfego de diamantes, ouro e estupefacientes”, materiais alegadamente “transportados nas aeronaves de regresso das Forças Nacionais Destacadas a território nacional”.

De acordo com a investigação levada a cabo pela PJ, além de haver pessoas que traziam, usando os militares, o que não deviam daquele país, havia também outros crimes organizados associados. O branqueamento era “a sério”, sublinhou uma fonte ligada a investigação ao Observador, adiantando que os alegados cúmplices civis não viajariam nos aviões — estavam em Portugal e dedicavam-se à prática de outros crimes.

Porque é que a investigação demorou tanto tempo?

Apesar de a denúncia inicial ter sido realizada em dezembro de 2019, há quase dois anos, o caso só caiu nas mãos da Polícia Judiciária civil já em meados de 2020.

Houve diversos resultados obtidos logo no início da investigação da PJ, ao fim de pouco tempo, tendo os últimos meses servido unicamente para uma espécie de consolidação da prova.

Houve diversos resultados obtidos logo no início da investigação, ao fim de pouco tempo, tendo os últimos meses servido unicamente para uma espécie de consolidação da prova.

Quão complexa é a operação da PJ?

Os resultados chegaram rápido, mas o caso é complexo, o que se traduziu, aliás, na maior operação da Polícia Judiciária deste ano. Numa fase inicial, ainda com base na denúncia, a perceção das autoridades era que o esquema nem sequer tinha elevada complexidade — na verdade, pensava-se que apenas dois militares estavam envolvidos no caso. Só que, segundo a Sábado, o caso revelou-se mais amplo com as escutas telefónicas efetuadas ao principal suspeito da operação: afinal, envolvia mais militares e mais criminosos, que participavam não só no transporte ilícito de ouro, diamantes em bruto e droga, como também crimes de burlas informáticas, acessos indevidos a sistemas e branqueamento de capitais.

O uso de bitcoins, só por si, dificulta o trabalho das autoridades, dadas constantes flutuações no valor. Além de que o follow the money — seguir o rasto do dinheiro — não é tão fácil de fazer.

A complexidade do caso revelou-se até mesmo durante as buscas desta segunda-feira: o facto de se ter sabido delas nas primeiras horas da manhã terá criado desafios acrescidos ao trabalho da polícia, durante as buscas. Mas não só: as dificuldades prenderam-se sobretudo com a necessidade de se acautelar a apreensão das bitcoins. Como se trata de uma moeda virtual, controlada à distância, é relativamente fácil eliminar o rasto do dinheiro antes das apreensões, ou mesmo conseguir a sua depreciação. Ao contrário do que acontece com uma moeda física, em que há registo de transferências nos bancos, no caso das moedas virtuais as autoridades precisam de ter acesso aos computadores a partir dos quais se tem o controlo para conseguir uma apreensão real.

O uso destas moedas, só por si, dificulta o trabalho das autoridades, dadas constantes flutuações no valor. Além de que o follow the money — seguir o rasto do dinheiro — não é tão fácil de fazer.

Onde aconteceram as buscas?

Cerca de 320 inspetores e peritos da Polícia Judiciária participaram nas buscas desta segunda-feira. As diligências foram acompanhadas pelo juiz Carlos Alexandre, que emitiu os mandados de busca e de detenção, e pela procuradora Cláudia Ribeiro. O Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa confirmou a execução de 100 mandados de busca, 95 buscas domiciliárias e cinco não domiciliárias. O inquérito, dirigido por este DIAP, teve ainda o apoio da Autoridade Tributária.

As buscas aconteceram um pouco por todo o país. Como as suspeitas recaem sobre militares e ex-militares que estiveram nas missões naquele país, mas que agora estão em outros órgãos, como a PSP ou a GNR, a Polícia Judiciária esteve nos locais de formação das duas entidades em Torres Vedras, Queluz e Portalegre, assim como em Lisboa, Funchal, Bragança, Porto de Mós, Entroncamento, Setúbal, Beja e Faro. O regimento de Comandos, no quartel da Carregueira, seria a base dos principais suspeitos do esquema.

Quem recebeu a denúncia e o que fez?

Após receber uma denúncia, a 6.ª Força Nacional Destacada na República Centro Africana relatou as suspeitas ao Estado-Maior-General das Forças Armadas. Foi este o ponto de partida para investigação. As Forças Armadas, por sua vez, deram conhecimento das suspeitas à Polícia Judiciária Militar. Esta informou o Ministério Público, que transferiu o caso para a Polícia Judiciária civil.

O ministro da Defesa tomou conhecimento das suspeitas que deram origem à Operação Miríade — através do CEMGFA, almirante António Silva Ribeiro — e informou a Organização das Nações Unidas.

Algures ao longo deste processo, o ministro da Defesa tomou conhecimento das suspeitas que vieram a dar origem à Operação Miríade — através do CEMGFA, almirante António Silva Ribeiro — e informou a Organização das Nações Unidas das denúncias que recaíam sobre alguns militares. Foi o próprio ministro João Gomes Cravinho que, em declarações à Agência Lusa, confirmou que havia dito à ONU que “a denúncia tinha ocorrido, que o assunto tinha sido encaminhado para as nossas autoridades judiciais e que todos os elementos pertinentes tinham sido entregues para investigação judiciária”.

Mas Marcelo também foi informado pelo Governo?

Não. O Estado-Maior-General das Forças Armadas sabia da investigação, o Governo também e a ONU foi informada. Quem ficou às escuras foi Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República e chefe supremo das Forças Armadas, que não sabia sequer destas suspeitas.

Marcelo dissera na tarde desta segunda-feira que não havia sido informado sobre “pormenores” da investigação porque ela decorreu “sob sigilo”, mas o Observador apurou que nem sequer teve conhecimento sobre as suspeitas ou denúncias iniciais.

Os motivos para esta alegada falta de comunicação com Belém ainda não são conhecidos, nem sequer se houve alguma falha no protocolo, dado que se desconhece se a comunicação à ONU foi feita também de forma sigilosa, no âmbito da cooperação judicial, ou se havia lugar a uma troca de informação com o chefe supremo das Forças Armadas.

O Observador apurou que Marcelo Rebelo de Sousa nem sequer teve conhecimento das suspeitas ou das denúncias iniciais.

Questionado pelo Observador, o Ministério da Defesa ainda não prestou quaisquer esclarecimentos.

Como reagiu o Governo e o Presidente às buscas?

Antes ainda de se saber que Governo e ONU sabiam de tudo desde o ano passado, Marcelo Rebelo de Sousa foi questionado sobre se o caso poderia afetar a credibilidade das Forças Armadas, tendo recusou essa ideia. “Não atinge minimamente o prestígio das Forças Armadas portuguesas”, disse o Presidente da República, em viagem oficial a Cabo Verde: “Pelo contrário, o facto de investigarem casos isolados que possam ter ocorrido e tomarem essa iniciativa só as prestigia em termos internacionais”, afirma. O “prestígio das forças armadas” está “incólume”: “As Forças Armadas, elas próprias, fizeram o que deviam ter feito, as instituições de investigação policial estão a fazer o que deve ser feito”.

O objetivo agora, prosseguiu Marcelo, é “levar as investigações o mais longe possível, para apurar o que se passa, confirmar se sim ou não são casos isolados — como à primeira vista há quem entenda que sejam”.

"Ninguém está livre de ter um criminoso ao seu lado", afirma António Costa

Em entrevista à RTP, António Costa também se referiu ao caso, salientando que “as próprias Forças Armadas detetaram e comunicaram” o que se passou e lembrando que “ninguém está livre de ter um criminoso ao seu lado”. O primeiro-ministro sublinhou, no entanto, que “vivemos num país onde ninguém está acima das leis”. E confirmou a informação de Gomes Cravinho, de que a ONU fora de imediato informada e foram tomadas medidas, logo em 2020.

Também o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, considerou que a investigação “não afeta a imagem internacional”: “Se as autoridades judiciais entendem que há indícios que exigem investigação, essas investigações devem ser feitas”. Santos Silva entende até que a “imagem internacional” de Portugal “muito beneficia” do “facto de sermos um contribuinte líquido para a segurança internacional”: “Não oiço de nenhum meu interlocutor internacional que fale de forças portuguesas destacadas em missões de paz internacionais outro pedido que não que nós reforcemos e continuemos a nossa presença”.

Já o secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional, Jorge Seguro Sanches defendeu que “as investigações são muito importantes” para a credibilidade das instituições militares e recusa que a investigação afete a imagem das forças armadas portuguesas e de Portugal. “Não afeta. Se houver alguma situação que deva ser esclarecida, ela tem de ser esclarecida. Se não fosse esclarecida, é que poderia afetar.”

E o que diz agora a ONU?

A ONU anunciou esta segunda-feira que está disponível para colaborar com as investigações das autoridades portuguesas. Num comentário sobre o caso, Stéphane Dujarric, porta-voz do secretário-geral, afirmou que a organização está a acompanhar as notícias e está disponível para cooperar na investigação.

“Acabámos de ver as notícias esta manhã, estamos a seguir o assunto. Por uma questão de princípio, vamos sempre cooperar e prestar auxílio dentro das estruturas legais existentes”, declarou o porta-voz da ONU, em conferência de imprensa na sede da organização, em Nova Iorque.

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