Ainda não passaram dois anos da luta interna que dividiu a IL praticamente a meio e muito mudou na oposição interna dos liberais. As figuras que protagonizaram candidaturas contra Rui Rocha abandonaram o partido e passou a ser Tiago Mayan Gonçalves o rosto de um novo movimento que é o abrigo dos desalinhados da corrente da direção. Com a saída de Carla Castro, nos descontentes da IL olha-se para Mayan como o único nome com espaço mediático para avançar e procura-se alimentar a ideia de que esta é uma oposição interna mais preparada e capaz de fazer frente à direção. Isto numa altura em que a recandidatura de Rui Rocha é mesmo o cenário mais provável.

Com a saída antecipada de João Cotrim Figueiredo, caiu no colo de Rui Rocha uma tarefa hercúlea: ser o sucessor (com direito a passagem de testemunho e tudo) daquele que tinha sido o homem que levou a IL à Assembleia da República, do líder que estava à frente do partido quando este chegou aos oito deputados e cujo nome — viriam mais tarde as eleições europeias a provar — vale tanto ou mais do que o próprio partido.

O desafio tornou-se mais difícil quando o país percebeu que, afinal, os liberais estavam mais divididos do que parecia. E no fim de uma convenção que prometia ser um virar de página na história do partido, Rocha acabou mesmo por sair vencedor, mas herdou um partido longe da união: conquistou 51,7%, contra os 44% de Carla Castro e os 4,3% de José Cardoso.

Agora, a poucos meses de uma nova convenção eletiva, a oposição interna prepara uma segunda tentativa de destronar a linha da direção — que manteve uma base sólida com a mudança de Cotrim para Rocha. O atual presidente ainda não se apresentou como recandidato ao cargo, ao contrário de Tiago Mayan Gonçalves, que meses depois de dar a cara pelo movimento “Unidos pelo Liberalismo”, acabou por se assumir como candidato à liderança da IL.

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Ainda assim, vários liberais ouvidos pelo Observador recusam a ideia de que esta é uma “recandidatura” da oposição interna do passado, desde logo por estar mais “unida” (houve duas candidaturas contra a direção em 2023), mas também porque se tornou o espaço de “muitas pessoas novas que estavam afastadas” e de outras que passaram do lado da direção para a oposição — um movimento dinâmico de que ambos os lados se gabam.

Mayan, um candidato alimentado pelo mediatismo

Tiago Mayan Gonçalves é o principal rosto do movimento “Unidos pelo Liberalismo”. Em abril, nem um mês depois das legislativas em que a IL apenas conseguiu manter o número de deputados no Parlamento, marcou uma conferência de imprensa para apresentar publicamente o manifesto, garantiu que existia uma alternativa” dentro do partido, que estava disposto a “refundar o partido em valores e princípios liberais” e a trabalhar para o “regresso” de quem deixou o partido em rutura com a direção — com uma palavra especial dirigida a Carla Castro, que até então não regressou. Fê-lo numa sala de um hotel em Lisboa, com vários subscritores do movimento nas costas e a atirar para mais tarde respostas sobre se aquele movimento era um primeiro passo para uma candidatura ao partido.

Mayan quer “refundar” a IL, recuperar quem saiu e assume estar “pronto para liderar uma candidatura à liderança”

Perante a insistência dos jornalistas, acabou por deixar tudo em aberto: “Se estou aqui perante vocês é porque estarei pronto para assumir todas as consequências do que está aqui manifestado.” Era a primeira pedra na construção de uma ideia que tinha perdido a maternidade no dia em que Carla Castro preferiu deixar o partido ao invés de voltar a dar a cara por mais um embate político numa próxima convenção eletiva. E deixou as portas abertas para o que se seguiu: Mayan será, como o Observador confirmou no mês de julho, o candidato da oposição interna a fazer frente a uma provável recandidatura de Rui Rocha.

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Liberais ouvidos pelo Observador justificam que se trata do melhor candidato, desde logo devido ao percurso dentro do partido, que vai desde o ponto alto da candidatura a Belém à presidência da Junta da União das Freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde. Além disso, é membro fundador da IL, presidiu ao Conselho de Jurisdição e é visto como alguém capaz de unir a oposição interna.

“É a pessoa que está mais preparada para o cargo”, resume uma fonte da oposição liberal ouvida pelo Observador, que destaca o facto de o candidato à liderança da IL estar “preocupado em unir o partido e dar voz a todos os membros”. O mesmo liberal justifica que além da experiência “próxima das pessoas” pelo trabalho autárquico, Mayan tem também um amplo conhecimento do partido: “Internamente sabe o que é o partido e como funciona, parece-me fundamental.”

Um outro apoiante do movimento argumenta que Mayan Gonçalves tem “um nível de acolhimento externo e interno brutal”, bem como “presença nos media” e “valores alinhados com os fundacionais do partido”. Os vários apoiantes ouvidos pelo Observador vão sublinhando que Mayan era o “único” capaz de surgir na comunicação social com a “força necessária” para fazer frente à atual direção, já que há muito tempo construiu essa posição. Desde que foi candidato presidencial foi aparecendo como uma voz de destaque entre os liberais, principalmente numa altura em que os rostos conhecidos dentro do partido não iam muito além de João Cotrim Figueiredo e Carlos Guimarães Pinto. Aos poucos, com o crescimento do partido, Mayan foi-se mantendo em comentários nas televisões e rádios e, agora, esse é visto como o seu “maior trunfo”.

Aliás, há mesmo quem considere que o espaço que foi ganhando é uma prova de que é o homem certo para liderar a IL. “Conseguiu uma notoriedade relevante dentro da Iniciativa Liberal, o que não é fácil, dado que o acesso ao espaço público de maior dimensão é extremamente controlado para evitar sobressaltos, como aquele que existiu com a Carla Castro”, argumenta um apoiante de Mayan, apontando que a notoriedade do candidato à presidência da IL “já vinha de trás” e acabou por “fugir ao controlo”. “Isso faz dele um candidato com potencial. Além disso, o Tiago Mayan Gonçalves cresceu imenso, já não é o mesmo candidato às presidenciais”, explica, com destaque para a “experiência” e para o facto de ter “outra destreza no pensamento e na linguagem quando é questionado na comunicação social”.

“Tiago Mayan Gonçalves tem uma capacidade agregadora e vontade de melhorar a transparência e os mecanismos internos do partido e é precisamente isso que falta atualmente à IL”, realça o mesmo militante, enquanto um outro remata: é um “candidato unânime”. Apesar disso, há quem diga ao Observador que não é bem assim e que Carla Castro conseguiria “agregar mais gente, até pessoas que não são tão distantes da direção” e que veem na ex-deputada um “nome mais consensual” e capaz do que Mayan. E a verdade é que a nostalgia até pode existir, mas Carla Castro deixou mesmo a IL e não será opção para a próxima disputa eletiva — e Mayan parece ser o único candidato da oposição interna a preparar-se para o desafio.

Os que abandonaram, não voltam por Mayan e sonham com Carla Castro

Era um dos grandes objetivos de Tiago Mayan Gonçalves: recuperar os que abandonaram a IL em rutura com a atual direção. Na apresentação do manifesto, o agora candidato chegou mesmo a dizer que a IL tem sido “incapaz de agregar e reter valor” e questionado diretamente sobre o caso de Carla Castro, admitiu que a ex-deputada foi um “ativo essencial” e “foi uma pena perder-se”. Na altura, deixava um desejo: “Espero que com esta visão se sinta de novo atraída a voltar ao partido. Da minha parte será bem-vinda.”

Alguns apoiantes de Mayan vão assegurando que há regressos ao partido e, mais do que isso, pessoas novas que já entram para se juntar ao movimento, mas até ao momento Carla Castro não voltou, tal como José Cardoso, que também se candidatou à presidência da IL e se desfiliou. Ao Observador, ex-membros do partido contam que a solução Mayan não é suficiente para regressarem. Um deles entende que Mayan “não é o candidato ideal nesta fase do partido” porque “não está disposto a marcar uma diferença significativa que permitisse ganhar”.

Aos olhos de quem saiu, esta oposição interna fica “sempre a meio caminho”, uma espécie de “oposição fofinha” que preferiu “afastar-se dos movimentos internos que existiam” do que dar cara por eles. Aliás, mesmo no que toca à convenção, há quem considere que “competia” à equipa de Mayan ter mostrado a “relevância” da mesma, mas “não percebeu que era uma primeira volta das eleições” e que “saiu derrotado”. E acrescenta que para ganhar nem era preciso ter de facto vencido, apenas ter conseguido uma votação a rondar os 40 ou 50% e que permitisse mostrar que a “oposição estava com força” e capaz de derrotar o candidato da direção.

Um outro liberal que deixou o partido diz ao Observador que parece haver “vergonha” das anteriores candidaturas da oposição interna e que esse é um “erro” de Mayan, porque só “unindo” todas as formas de pensamento “pode ter hipótese de ganhar”. “Estão à procura de ser a oposição mais pura do mundo, a que não comete erros e isso não funcionem. Não se comprometem nem se apresentam como uma alternativa clara”, argumenta a mesma fonte.

Além do mais, mesmo entre os que já saíram, mas também entre liberais desalinhados ouvidos pelo Observador, há a teoria de que Carla Castro era um ativo mais poderoso do que Tiago Mayan Gonçalves, nomeadamente pelo percurso dentro do partido e pelas relações que criou quando liderava o gabinete de estudos da IL. Assim, acredita-se, segundo um outro liberal, que “Carla Castro tinha muito mais hipóteses do que qualquer pessoa”, não só se fosse a “uma segunda tentativa” como até a “dar a cara por uma outra candidatura”. Por enquanto esse não é um apoio com que Mayan Gonçalves possa contar, pelo menos com o peso de poder ter uma ex-deputada, dentro do partido, a apelar ao seu voto. Caso o faça será à distância e depois de meses afastada da vida partidária.

A recusa da ideia de “recandidatura”

Dentro do manifesto “Unidos pelo Liberalismo” foge-se da ideia de que esta é uma “recandidatura” da oposição interna e alimenta-se a tese de que se aprendeu com a última convenção, mas que Tiago Mayan Gonçalves representa algo diferente e novo — mais capaz de unir os desalinhados da direção.

Quando o documento foi apresentado, Tiago Mayan Gonçalves revelou que já contava com mais de 200 subscritores e, quatro meses depois, fala em 400. Não há nomes tornados públicos e a equipa de Mayan ainda é, por opção, um segredo. Mas há a crença de que várias pessoas se estão a juntar ao partido para apoiar o candidato da oposição e até que quem tem entrado se desiludiu por perceber “rapidamente que a IL não pratica cá dentro o que apregoa para fora”, segundo um ex-conselheiro da IL.

Uma fonte liberal ouvida pelo Observador acredita que entre as novas adesões há quem se tenha apercebido de que Mayan é a “pessoa ideal para mudar” a IL. Aliás, as críticas à falta de democracia interna e “seguidismo interno” prosseguem contra a direção, bem como a teoria de que “o crescimento do partido está bloqueado” e que o principal motivo está nos mecanismos internos e na falta dos mesmos para que sejam escolhidas as melhores pessoas para os lugares certos.

De resto, ainda antes de Mayan se ter assumido como candidato à IL, o manifesto “Unidos pelo Liberalismo” teve uma primeira prova de fogo na convenção estatutária. O movimento em si não fez uma defesa da proposta encabeçada por Miguel Ferreira da Silva, mas o documento não só saiu de uma equipa da qual Mayan fez parte, como muitas das pessoas ligadas à oposição interna subiram ao palco para se posicionarem ao lado desse pensamento. No final, a proposta do Conselho Nacional apoiada pela direção venceu e subiu de votos da primeira para a segunda votação, mas não chegou aos dois terços necessários para alterar os estatutos. Já a outra proposta diminuiu da primeira para a segunda votação e ficou bem longe de sair vencedora.

Entre os apoiantes do partido as opiniões dividem-se entre quem acha que esta reunião magna “não teve impacto, nem positivo nem negativo” nas eleições internas que se aproximam, e há também quem considere que a direção perdeu por não ter conseguido aprovar a proposta. Na visão de um conselheiro nacional liberal ouvido pelo Observador uma direção que não consegue reunir dois terços do partido à volta de uma proposta tem de repensar a forma como mantém o “espírito divisionista” que existe no partido porque pode mesmo vir a perder as eleições. Por outro lado, há quem reconheça que o resultado não foi propriamente positivo para os descontentes com o rumo do partido. A segunda ronda está marcada para o próximo ano e uma coisa é certa: o candidato da direção terá mais uma vez oposição.