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O magusto costuma ser acompanhado pelo verão de São Martinho, uma trégua solarenga aos dias de chuva do outono. Mas este ano, as chuvas de outono não chegaram. Algumas zonas do país não veem água desde o início da primavera e as consequências são claras para os produtos nacionais. A castanha tão apetecida nesta altura do ano está seca e é de fraca qualidade. E assá-la só a vai tornar o problema ainda pior.
Se faltam as boas castanhas nacionais no outono, o Natal não será mais feliz: as nozes e pinhões portugueses também não atingem a qualidade ou quantidade dos anos anteriores. Sem água os frutos não crescem. Sem água as árvores não conseguem produzir novas rebentações. Para o ano, prevê-se que também sejam escassos os pinhões e nozes nacionais nas mesas natalícias.
O verão de 2017 foi mais quente do que o normal e com muito menos chuva, afetando os frutos, legumes e cereais que precisavam de água nessa altura. Mas a seca extrema continuou em setembro e outubro começando já a afetar as produções do próximo ano. Para já, é garantido que em 2018 terá menos cerejas, amêndoas e azeitonas nas bancas do mercado. E se não vier chuva para encher as barragens vai faltar o milho e o arroz agulha nacional, porque não chegam sequer a ser semeados.
Perante o calor e seca deste ano, só as vinhas parecem ter aguentado o ano com sucesso. Os produtores têm conseguido adaptar-se às condições: nas zonas mais secas os agricultores recorreram à rega e em todas as regiões os produtores conseguiram antecipar a vindima em quase três semanas. No início de agosto já as uvas tinham atingido a maturação ótima, o que promete vinhos de elevada qualidade em 2017.
Para além do óbvio, que é poder faltar a água nas torneiras — em Viseu já está a ser transportada água em camiões cisterna para abastecer a rede pública — como é que a seca vai chegar aos bolsos e à mesa dos portugueses?
Queijos
Queijo da Serra da Estrela em risco de extinção
Está mais próximo do que imagina o dia em que chegará à prateleira dos queijos de denominação de origem protegida (DOP) e a encontrará vazia. Só este ano, a seca e os incêndios provocaram uma quebra de 70% na produção do leite necessário para o fabrico de Queijo da Serra da Estrela DOP na Casa Matias, um dos maiores produtores deste tipo de queijo.
José Matias, diretor executivo da Casa Matias, já informou os clientes que não vai conseguir abastecê-los com as quantidades previstas. Com a escassez de leite, este produtor já está a pagar mais pela matéria prima — 1,30 euros por litro, mais cinco cêntimos do que no ano passado —, mas esse custo ainda não se vai refletir no preço do supermercado. Os contratos são feitos anualmente e a Casa Matias vai cumprir os preços acordados com os clientes. Para o próximo ano, com a renegociação dos contratos, pode contar que estes queijos, que já custam cerca de 25 euros por quilo, fiquem mais caros.
A diminuição da quantidade de leite não é, porém, um problema de agora. “É um problema que se arrasta há 10 ou 15 anos e que pode levar ao desaparecimento do Queijo da Serra da Estrela DOP”, disse José Matias, quinta geração à frente do negócio. Os pastores estão envelhecidos e vão deixando a atividade não só pela idade, mas pelas exigências fiscais, como contabilidade organizada. Além disso, a maior parte tem 60 a 80 ovelhas quando “seriam precisas umas 150 para um casal ter um salário condigno”.
Continuaremos a ter Queijo de Seia, que se pode fazer com leite importado, mas para fazer o Queijo da Serra da Estrela DOP só se pode usar leite das ovelhas de raça Bordaleira Serra da Estrela ou da raça Churra Mondegueira. E só se pode usar o leite da região demarcada, portanto nem os núcleos de raça Bordaleira que existem no Alentejo podem ajudar na produção, explicou o engenheiro agrónomo.
E se procura normalmente produtos de denominação de origem protegida saiba que não serão só os queijos a desaparecer das prateleiras, mas também a carne. “O que irá acontecer, muito provavelmente, será a substituição dos produtos DOP nacionais (queijo e carne) por produtos importados, frustrando os esforços que os nossos queijos e carnes de denominação de origem protegida têm feito na informação e conquista do consumidor”, disse Tiago Melim, vice-presidente da Associação Nacional da Cabra Serrana.
Carne
“Estamos perto de uma situação de catástrofe”
Falta água para a rega de cereais, faltam cereais para a alimentação dos animais, mas se perguntar no seu talho não falta carne nos balcões nem os preços sofreram alterações. Num mercado onde 50% da carne é importada, os produtores nacionais não conseguem ver o aumento do custo de produção refletido no preço final dos produtos ou arriscam-se a não conseguir vendê-los.
Nem no caso dos produtores em regime extensivo — em que os animais se alimentam de fenos e pastos verdes ao ar livre — se prevê um aumento do preço, apesar do aumento dos custos. Esta carne já é mais cara do que a de regime intensivo ou do que a importada, aumentar o preço pode significar uma fuga dos compradores. Sem falar na dificuldade em negociar outros preços com o maior comprador nacional: as grandes superfícies.
“Estamos muito perto de uma situação de catástrofe para a criação de gado em regime extensivo como é o caso da carne alentejana”, disse Fernando Carpinteiro Albino, presidente do conselho de administração da Carnalentejana. O alimento que se destinava aos animais para enfrentarem o inverno, já foi consumido durante o verão. Os produtores viram-se assim obrigados a comprar palhas, fenos e rações, com um grande aumento do custo de produção. Os produtores garantem, no entanto, que a qualidade da carne não será afetada.
“Há mais de 80 anos que não nos acontecia uma coisa destas”, disse Manuel Cirnes, secretário-geral da Associação Nacional dos Criadores da Raça Arouquesa. “Se não houver apoio do Ministério [da Agricultura], os produtores vão reduzir o número de animais ou acabar com as produções.”
Para ajudar os criadores de gado, o Ministério da Agricultura já colocou cinco mil toneladas de ração à disposição dos produtores nas regiões afetadas pelos incêndios e pela situação de seca. “Trata-se de um apoio gratuito à alimentação dos animais”, assegurou o Ministério. Para os mesmo produtores “foi criada uma linha de crédito garantida, no valor de cinco milhões de euros”.
Milho
Se agora há falta de milho para o gado, para o ano será pior
Grande parte do milho consumido em Portugal tem como destino a alimentação dos animais. Ainda assim, a produção nacional só satisfaz 35% das necessidades do país. Ou satisfazia. Se se continuarem a verificar situações de seca como este ano e se as barragens não retomarem os níveis normais, a produção nacional milho vai diminuir e muito.
Como as grandes produções de milho usam a rega — cultura de regadio —, os agricultores que, este ano, previram que não teriam água suficiente, desde a sementeira até à colheita, optaram por não semear. “Se as reservas de água não forem repostas [pela chuva], a área semeada com milho em 2018 será muito penalizada. Ninguém vai semear milho sem ter garantias de ter água em quantidade suficiente para regar“, disse José Luís Lopes, presidente da Associação Nacional de Produtores de Milho e Sorgo (Anpromis).
Trocar as variedades de regadio por variedades de sequeiro (cultura em que o recurso à rega é mínimo) também não é solução, como explicou José Luís Lopes. “É muito pouco rentável.” Existem algumas plantações de milho de sequeiro no norte do país, mas são sobretudo para autoconsumo.
As consequências negativas das quebras de produção serão maiores para os produtores, que têm de continuar a suportar as despesas, do que para o consumidor final. O preço é definido internacionalmente e pouco reflexo terá a quebra nacional ou o aumento dos custo de produção. O aumento da importação pode, no entanto, “prejudicar a balança do país”, disse o presidente da Anpromis. “A escassez pode levar a um descontrolo na importação, o que é um problema. Se houver muita importação pode haver dificuldade em escoar o produto nacional.”
João Fardilha, técnico agrário na Cerealplus – Organização de Produtores de Cereais, lembrou que há uns 30 anos era proibido importar na altura da colheita nacional. “Agora não há proteção à lavoura.” O milho importado, como o que vem do Brasil, é muito mais barato porque as explorações agrícolas conseguem produzir em maiores quantidades e porque, como chove com frequência, não têm os mesmos custos com a rega que tem Portugal.
Trigo, aveia e cevada
Mesmo que falte trigo nacional, não lhe faltará o pão
Nas padarias ainda não se sente o efeito da seca. A farinha continua ao mesmo preço e o pão também. Mas também não se espera que mude de um momento para o outro. Por um lado, existe um preço recomendado para o pão que é definido anualmente. Por outro, a quase totalidade do trigo (90%) usado nas farinhas é importado. E não é previsível que falte trigo importado.
O problema maior é mesmo para os produtores. Os cereais de sequeiro, como trigo, aveia e cevada, tiveram uma quebra de produção de 30% este ano, segundo José Miguel Ribeiro, gerente da Cooperativa Agrícola de Beja e Brinches. Mas mesmo que a água abundasse nos furos e nas barragens não dava para, de um momento para o outro, transformar as explorações em culturas de regadio: os agricultores não têm estruturas para isso, nem capacidade para suportar o investimento num curto espaço de tempo.
Apesar de ainda se lamentarem as quebras deste ano, os agricultores já estão a olhar para os prejuízos do próximo ano. “Nesta altura os cereais já deviam estar semeados e não estão”, disse José Miguel Ribeiro. E, enquanto não chover o suficiente, os produtores não arriscam semear, porque podem perder todas as sementes. Mas o tempo foge. A aveia tem mais duas semanas para ser semeada, depois deixa de ser altura. O trigo ainda pode ser semeado até ao final de dezembro, mas só se chover.
Arroz
No Sado a seca é tal que pode não se conseguir um único hectare de arroz
Portugal produz todo o arroz carolino que consome. E se a seca não afetar demasiado as regiões do Mondego e do Tejo e Sorraia assim continuará a ser. Mas o arroz carolino, apesar de ser o mais característico da gastronomia tradicional portuguesa, só representa 30% do consumo nacional de arroz, disse Pedro Monteiro, diretor-geral da Associação Nacional dos Industriais de Arroz.
A grande aposta do sector, nos últimos três anos, tem sido convencer o consumidor a preferir arroz carolino em vez de agulha ou basmati. A meta é conseguir ter os 30 mil hectares de arrozal em Portugal a produzir exclusivamente carolino. Os industriais ficariam protegidos e os consumidores teriam a garantia de qualidade deste produto. Ainda assim, isso só representaria 60% do consumo nacional. 40% teria de ser importado, tal como já é importado agora.
Se a região do Mondego e do Tejo e Sorraia ainda não sentiram os efeitos da seca, o mesmo não poderá dizer a região do Sado. Este ano, a região já reduziu a área de produção, mas em 2018 poderá ser ainda pior. “Para o ano, se não chover, não se consegue sequer um hectare”, disse João Reis Mendes, diretor executivo do Agrupamento de Produtores de Arroz do Vale do Sado (Aparroz).
As barragens do Pego do Altar e Vale do Gaio têm uma capacidade de cerca de 160 milhões de metros cúbicos e agora estão só a 10% da capacidade — o mínimo para manter a população de peixes e dar de beber aos animais —, referiu o diretor executivo do Aparroz. “Não me lembro de ter chegado ao fim de uma campanha sem água nas barragens.”
Para fazer face à seca, que afeta mais os arrozais alentejanos, já se tentou o regadio, com pivôs de rega, mas não resultou, disse João Reis Mendes. Uma alternativa seria receber água do Alqueva, mas é cara.
No Sado a produção é sobretudo de arroz agulha, o resultado da quebra de produção é um aumento das importações. Como o mercado é regulado internacionalmente, não se espera que o preço final para o consumir português sofra alterações. Mas não conte com arroz agulha português à sua mesa.
Castanhas
As castanhas de 2017 estão quase a acabar e encareceram
Se não aproveitou o magusto para encher a barriga de castanhas, é melhor que se apresse, porque podemos já só ter castanha nacional até ao final do mês. Mas se quiser mesmo encher a barriga, tem de se preparar para pagar bem por elas — alguns lotes podem chegar aos 7,5 euros por quilo (contra os cinco euros do ano passado). E sem garantias de que sejam tão boas como em anos anteriores. Umas estão secas, outras estão menos resistentes e chegam à sua mão já podres. Se tiver paciência, pode escolhê-las uma a uma e tirar partido do magusto tardio.
As castanhas estão secas este ano por causa da falta de chuva. Sem água no início do outono, as castanhas não cresceram. “Houve um bom número de frutos, mas não cresceram pela falta de água em setembro e outubro, e não têm qualidade”, disse Domingos Barreira, presidente da Cooperativa Souto Os Cavaleiros. E, quando a castanha cai, já está seca e apodrece com mais facilidade.
Este é o impacto para este ano, mas o próximo ano pode não ser melhor, porque a seca interfere na resistência dos castanheiros. Uma situação agravada pelos últimos anos, que têm sido secos ou pouco chuvosos, e que pode implicar que os castanheiros mais jovens, com menos de 20 anos, não tenham capacidade para florir.
Os produtores de castanhas transmontanas falam numa quebra de produção de 60 a 80% devido à seca, segundo Carlos Fernandes, presidente do Agrupamento de Produtores de Castanha do Transbaceiro. Mas o vendedor da empresa Questão de Primavera, não o sentiu. Para este vendedor que trabalha no Mercado Abastecedor da Região de Lisboa (MARL), em 2017 até houve bastante castanha, a diferença é que começou muito mais cedo: “No dia 28 de agosto já tinha produtores a quererem vender-me castanha. Não me lembro de outro ano assim”.
Com os últimos quilos de castanha nacional a serem vendidos por grossistas e retalhistas o preço aumenta nos mercados. Quando acabar a castanha nacional começamos a importar da Turquia ou da China, esta última com muito menos qualidade.
Nozes, amêndoas e pinhões
Produção de pinhões afetada por seca e incêndios
Os frutos secos nacionais primam pela qualidade, mas os custos são difíceis de suportar. Na padaria do bairro, o bolo rei faz-se quase sempre com nozes importadas, porque a utilização das nozes nacionais não justifica o que o padeiro paga por elas. Já os pinhões, se não for possível comprar produto nacional — pela escassez ou pelo preço — mais vale não usar de todo. O pinhão chinês não é minimamente comparável em termos de qualidade e sabor. Mas para quem não aguenta passar o Natal sem pinhões, é uma opção bem mais barata.
À semelhança do que aconteceu com muitos frutos, as nozes estavam prontas mais cedo, e como havia muita ao mesmo tempo os preços baixaram e foi complicado escoar tanta noz, explicou o vendedor da Questão de Primavera. Os produtores não vêem o problema da mesma forma e dizem que houve uma quebra de produção na ordem dos 75%, segundo Domingos Barreira. Se não conseguir nozes nacionais para a mesa do Natal, só lhe restarão as importadas, mas fique com um conselho do padeiro: “As nozes francesas são melhores do que as chilenas”.
Se gosta de pinhões já sabe que pode pagar tanto por um pequeno saco do pinhões como paga por uma refeição. Este ano pode contar com preços na ordem dos 70, 80 ou até ultrapassar os 100 euros por quilo. Um problema que promete manter-se nos próximos anos, sobretudo nos núcleos de pinheiros mansos ardidos, como em Oliveira do Hospital, Carregal do Sal e Mangualde.
O Vale do Sado não foi afetado pelos incêndios, mas a seca teve um impacto importante no tamanho dos frutos e no rendimento da pinha. E vai afetar também a produção das próximas pinhas. Os gomos florais que dão origem às novas pinhas, e que aparecem primavera, diferenciam-se no outono anterior, mas esse desenvolvimento está comprometido pela falta de água, explicou Pedro Silveira, presidente da direção da Associação de Produtores Florestais do Vale do Sado (Ansub). Como as pinhas levam três anos a crescer nas árvores, a seca deste ano vai continuar a ter impacto na produção de pinhões daqui a três ou quatro anos.
As amêndoas sofreram a seca normal do v
erão, mas podem ter o arranque do próximo ano comprometido se não chover este outono. As amendoeiras dependem da água para começarem a florir em meados de fevereiro. Se isso não acontecer, o resultado são florações atrofiadas e amêndoas mais pequenas, alertou Domingos Barreira.
Cerejas
É preciso chuva e frio para termos cerejas para o ano
Com a chegada da primavera, as cerejeiras começam a florir e lança-se o mote para as visitas à Serra da Gardunha. As flores delicadas, enchem os ramos das árvores ainda antes destas se encherem de folhas, e depois dão lugar ao fruto vermelho e apetecível. Todos se queixam do preço, mas os verdadeiros amantes não resistem a comprá-la. Enquanto houver.
Se não chover o suficiente nos próximos meses e se o frio de inverno não chegar, a produção de cerejas no próximo ano pode estar comprometida, alertou Filipe Costa, coordenador da equipa de engenheiros de campo da Cerfundão – Embalamento e Comercialização de Cereja da Cova da Beira.
À semelhança do que acontece com as amendoeiras, as cerejeiras dependem das chuvas de inverno para entrarem em dormência e se prepararem para o ano seguinte. O frio de inverno e o fim do frio, quando chega a primavera, são também essenciais para a planta quebrar a dormência nas condições ideais, para que todas as flores nasçam na mesma altura e de forma homogénea e para que os frutos também surjam todos ao mesmo tempo. Se o inverno não for favorável à cerejeira, no próximo ano poderemos ter menos frutos e de menor qualidade. Prepare-se para pagar mais e desfrutar menos.
Este ano já se verificou o efeito do clima no preço do desejado fruto. Em geral a cereja não esteve muito cara, porque havia muita, mas para comer as melhores tinha mesmo de investir um pouco mais. O inverno passado deu água suficiente às cerejeiras, o problema foram as temperaturas altas deste ano, que fizeram com que todo o ciclo da planta se antecipasse.
Laranjas
Os citrinos estão pequenos e pouco doces
O outono e a chegada do tempo frio não trazem só as castanhas, esta é também a altura das laranjas e clementinas. Mas o tempo quente e seco não deu tréguas nem às frutas de inverno. A falta de água fez com que ficassem mais pequenas e a falta de frio não as deixou ganhar o doce.
Não espere que a fruta fique mais barata, os tamanhas (calibres) mais pequenos já são por norma mais baratos. Mas também não ficará mais cara, apesar de os produtores terem aumentado os custos de produção por causa do recurso à rega. A empresa Os Algarvios gasta cerca de cinco mil euros por mês em eletricidade para a rega. Um esforço para conseguirem alguma produção, mas que não compensa a falta de humidade no ar que também é importante para estas árvores de fruto.
O calor fora de tempo, como o que temos sentido nos últimos meses, também afeta as laranjeiras e restantes árvores de citrinos. É o frio e o calor nas alturas devidas que ajudam a planta a regular o ciclo. As alterações nas temperaturas normais provoca o descontrolo do ciclo da planta, alertou Pedro Madeira, sócio gerente da Frutas do Sotavento do Algarve (Frusoal). O gestor espera, portanto, consequências negativas na produção do próximo ano.
Fruta e legumes
Enquanto houver água para regar não haverá problemas
Quer vá ao Mercado Abastecedor de Lisboa (MARL) ou a um mercado local, a resposta é a mesma: fruta este ano não faltou. Era muita e de qualidade, por isso foi mais frequente ver os preços a descer do que a subir. As temperaturas altas ajudaram a isso, a fruta amadureceu bem e mais cedo.
O problema será no próximo ano. Se as noites frias do inverno passado ajudaram as árvores de fruto a entrar em dormência, a falta de frio deste ano pode provocar alterações no ciclo da planta. A chuva nesta altura do ano seria importante para ajudar a planta a recuperar os nutrientes perdidos durante a época dos frutos, mas não aconteceu. Para o ano, o que pode acontecer é que as árvores não tenham tantos frutos porque ficaram muito esgotadas com a produção de 2017.
Já os pequenos produtores de hortícolas não têm queixas a fazer. Por enquanto a água chega para regar estes produtos e não se nota ainda qualquer alteração no preço. Mais uma vez, o aumento dos custos de produção, tal como os custos com a eletricidade para a rega, são suportados pelos produtores. Há tanta quantidade de hortícolas que aumentar o preço é arriscar a não vender, disse um dos produtores no MARL.
Se está preocupado com as batatas para a ceia de Natal, fique sabendo que a seca não afetou a produção. A batata precisa de pouca água e não houve seca antes de abril, a altura crítica para as batatas. Impacto nas batatas, só mesmo na batata do Montijo que ficou mais pequena do que o normal, referiu uma vendedora da empresa Pires Duarte e Irmão. Quanto aos preços também não se esperam alterações, segundo a vendedora os preços são regulados pela produção internacional.
Sem ter sofrido os efeitos da seca, visto que recorre à irrigação de todos os produtos, Ole Martin Siem, dono da Frupor, admite: “As consequências dramáticas são que os reservatórios estão baixos e, se a seca continuar, a água será pouca para as próximas estações”.
Agricultura biológica
Menos produtos, mais caros
Com uma filosofia diferente na utilização dos recursos, a agricultura biológica registou alguma quebra na produção de frutas (em quantidade e qualidade, com diminuição dos calibres da fruta) e na redução das áreas cultivadas com hortícolas de ar livre. Porém, os impactos totais ainda não são bem conhecidos, referiu Jaime Ferreira, presidente da direção da Agrobio – Associação Portuguesa de Agricultura Biológica.
Se prefere comprar produtos biológicos pode ter como garantido que a diminuição da oferta, graças às seca, vai fazer aumentar os preços e, possivelmente, aumentar o recurso à importação.
Mas não foi apenas a seca extrema que prejudicou a agricultura biológica. Nas zonas ardidas há perdas de estufas de produção hortícola, pomares, gado, olival e frutos secos. Jaime Ferreira lembrou também que houve empresas de adubos e sementes a serem afetadas pelos incêndios, o que acaba por prejudicar os agricultores.
Azeite
Há menos azeitona, mas o azeite é de qualidade
Se só gosta de regar as refeições com azeites de excelência, os azeites de Trás-os-Montes de 2017 prometem atingir este patamar. Quem o garante é Francisco Pavão, presidente da Associação dos Produtores em Proteção Integrada de Trás-os-Montes e Alto Douro, com base nas provas que já fez na região.
A campanha de apanha da azeitona ainda não acabou, por isso é difícil conhecer os impactos reais. Mas é claro que, onde faltou água, sobretudo nos olivais de sequeiro, as azeitonas não cresceram tanto. Os olivais de sequeiro são a norma em Trás-os-Montes, por isso os produtores estavam à espera que os frutos mais pequenos dessem menos azeite, referiu Francisco Pavão. Mas, para surpresa do produtor, o rendimento da extração de azeite está a ser 2 a 3% superior à do ano passado.
Naturalmente, os maiores impactos da seca serão nos olivais de sequeiro, visto que os olivais de regadio conseguiram ter água suficiente para a rega e minimizar os efeitos da seca. Ainda assim, Henrique Herculano, diretor técnico do Centro de Estudos e Promoção do Azeite do Alentejo (CEPAL), estima que a quebra no Alentejo ronde os 20 a 30%.
Azeite de qualidade e azeitonas pequenas, mas saborosas, são a norma deste ano. Para o ano não será assim, se vão ser grandes ou pequenos só a chuva o dirá, mas serão menos com certeza. A falta de água em 2017 fez com que as oliveiras não produzissem novos ramos. E as azeitonas só crescem nestes novos ramos. Resultado: sem ramos novos, não há azeitonas.
Vinho
Com as temperaturas altas a uva foi de elevada qualidade
Guarde na memória ou escreva no seu guia de vinhos: 2017 é um ano de referência. “Este foi o ano do século em termos de colheita, porque a uva tinha uma qualidade fantástica”, disse Vasco D’Avillez, presidente da Comissão Vitivinícola da Região de Lisboa. “É figurativo porque não há registo de 100 anos.”
Manuel Pinheiro, presidente da Comissão de Vinhos Verdes, confirma que o clima também foi muito favorável aos vinhos verdes. “Foi uma das melhores produções da última década quer em termos de quantidade — 20% superior a 2016 —, quer em termos de qualidade.”
Em algumas regiões onde a seca foi mais severa poderá haver alguma quebra na produção, mas a qualidade é, regra geral, muito alta. “Esperamos uma produção menor, mas certamente de qualidade devido à sanidade muito boa das uvas”, disse Francisco Mateus, presidente da direção da Comissão Vitivinícola Regional Alentejana.
A qualidade da uva deveu-se a uma maturação ótima, que este ano aconteceu muito mais cedo do que seria de esperar: no início de agosto já as uvas tinham apanhado a quantidade de Sol suficiente. A reação rápida dos vitivinicultores e a antecipação das vindimas em duas ou três semanas, permitiu aproveitar essa uva de excelente qualidade, como frisou Ana Isabel Alves, secretária-geral da Associação de Vinhos e Espirituosas de Portugal (Acibev).
A região dos vinhos verdes é normalmente húmida e sofreu pouco com a seca. Também a região dos vinhos de Lisboa, com uma frente Atlântica muito extensa, beneficia de uma humidade matinal diária que garante a rega natural das vinhas. Nas regiões mais afetadas pela seca, a utilização regrada da água permitiu minimizar os impactos negativos.
“No âmbito do Programa de Sustentabilidade dos Vinhos do Alentejo estamos a promover a reutilização da água e a captura das chuvas, bem como uma utilização mais eficiente nas vinhas e nas adegas”, disse Francisco Mateus. Alguns dos exemplos são a utilização de rega gota-a-gota nas vinhas para evitar o desperdício de água e a reutilização de águas residuais das adegas, tratadas para serem usadas nas vinhas.
Mel
As abelhas não têm o que comer
Há um efeito dos incêndios que talvez ainda não tenha ponderado: o desaparecimento de mel de denominação de origem protegida, como o Mel da Serra da Lousã DOP. Este mel só se pode produzir naquela região e está dependente de matos de urze, rosmaninho e alecrim. Se a chuva não ajudar à regeneração natural destes matos ou se a reflorestação se fizer com espécies diferentes, este mel tem os dias contados.
Além da destruição da vegetação nativa, essencial para os aromas característicos dos vários tipo de mel português, os incêndios também destruíram várias colmeias — 20 mil, numa estimativa da Federação Nacional dos Apicultores de Portugal (FNAP). A isso junta-se uma quebra de produção em 50% por causa da seca — que pode chegar aos 70% no interior norte.
Se costuma comprar o mel diretamente ao apicultor ou em lojas que garantam a origem 100% portuguesa do produto, vai notar um aumento considerável do preço. Mas se compra o mel nas grandes superfícies pode nem dar pela diferença. “A maior parte do mel nos supermercados é de mistura — lotes de mel nacional e estrangeiro”, afirmou João Casaca, da FNAP. Nestes casos, o produtor não pode aumentar o preço ou arrisca-se a não conseguir vender o produto.
Neste momento, os produtores têm ainda outra preocupação, a alimentação das abelhas nas zonas ardidas. “Há cerca de 110 mil colmeias — 20% do efetivo nacional — que se encontram ameaçadas devido às pastagens estarem ardidas ou secas”, referiu João Casaca. Esta é uma alimentação de manutenção e, sem ela, as abelhas podem não aguentar o inverno. Para compensar esta situação o “Ministério da Agricultura distribuiu 102 toneladas de açúcar para alimentar as abelhas das regiões afetas” pelos incêndios e pela seca, conforme fonte do Ministério.
Mais uma vez, é a chuva que vai determinar se há produção de mel ou não. Nas zonas afetadas pela seca, a chuva pode ser suficiente para garantir a floração e tudo decorrerá normalmente. Já nas zonas ardidas, mesmo com chuva, está tudo depende da capacidade de regeneração natural das plantas.
Água
Barragens e sistemas de regadio são a solução para produtores
Ainda que chova tudo o que os criadores de gado e os agricultores desejam, é provável que muita água se perca. Em vez de se infiltrar no solo, enchendo os lençóis de água subterrâneos, a água acaba por escorrer para as linhas de água. O que os produtores defendem é que se criem formas de reter e armazenar a maior quantidade de água da chuva possível e que se torne esse água acessível a todos os produtores.
Criar pequenas barragens de terra é a solução proposta por muitos produtores. As exigências burocráticas e a obrigatoriedade de um estudo de impacto ambiental para se conseguir a licença de construção, são os maiores entraves encontrados. Fernando Carpinteiro Albino, presidente do conselho de administração da Carnalentejana, defendeu que se mudem as exigências e que estas sejam mais adaptadas à realidade alentejana: que os EIA sejam exigidos para barragens para uma capacidade maior e que sejam mais baratos. Fernando Albino perguntou ainda porque não aposta o Governo na dessalinização da água do mar como se faz em Espanha.
Um melhor aproveitamento das barragens existentes ou um pleno aproveitamento dos sistemas de barragens e canais que começaram a ser construídos é outra das sugestões. Domingos Barreira, presidente da Cooperativa Souto Os Cavaleiros, lembrou o sistema de barragens e canais que começou a ser construído a partir da barragem do Azibo, mas que nunca foi concluído. Fazendo com que o canal de rega do Azibo esteja subaproveitado e que menos de 10% da água seja usada em regadio.
“A castanha com rega melhora a produção em 25%. Já nas nozes, nas amêndoas e nas avelãs o aumento da produção é exponencial”, disse Domingos Barreira. José Gomes Laranjo, presidente da RefCast, confirma: “Em 2017, os soutos regados não tiveram quebra de produção. Infelizmente menos de 5% dos soutos são regados”.
Mas a água para rega constitui um custo elevado para os produtores. Em particular, a água da barragem do Alqueva, como referiu João Reis Mendes, diretor executivo do Aparroz. O dirigente sugere a baixa do preço da água e que se possa comprar água apenas nos momentos de necessidade. “Só preciso da água do Alqueva se não chover, não quero comprar todos os anos.”
O Ministério da Agricultura referiu, no entanto, que os preços já foram reduzidos este ano. “Os novos valores, que entraram em vigor em abril, representam uma descida no valor do tarifário que chega a atingir os 33%.”
A Agrobio, baseada nos conhecimentos de agricultura biológica, sugeriu a implementação de sistemas agrícolas mais resistentes à seca: o aumento do teor de matéria orgânica nos solos, porque aumenta a capacidade de retenção de água; a cobertura do solo, combinada com sistemas de rega eficientes; e a diversificação dos próprios sistema agrícolas, com combinação da agricultura, pastorícia e mata autóctone, as sebes vivas e estratificadas, a plantação de culturas e variedades menos exigentes em água.
Outras sugestões passam por uma gestão e utilização mais eficiente da água, com menos desperdício; a utilização de castas e porta-enxertos mais resistentes à secura, no caso das vinhas; ou incentivar as explorações a tornarem-se mais resilientes às alterações climáticas. Até lá, é esperar que chova. Bastante.