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Os segredos e as (muitas) estratégias dos discursos de Zelensky

Zelensky, que usa os seus discursos como arma de guerra, fala esta quinta ao Parlamento português. Este especial multimedia explica porque é que as suas palavras são tão eficazes — e inesquecíveis.

Volodymyr Zelensky fez 105 discursos nos primeiros 55 dias de guerra na Ucrânia. E transformou-se: passou de Presidente convencional, de fato e gravata e rosto escanhoado, para líder de guerra, com uma t-shirt verde-tropa e barba por fazer. Cinco especialistas em retórica política descodificam ao Observador as declarações do Presidente da Ucrânia, os significados subliminares das suas mensagens e as entrelinhas daquilo que Zelensky não diz, mas comunica.

Os 6 truques de retórica
A linguagem não verbal
As referências a discursos históricos
As estratégias de liderança e de negociação
O mapa dos discursos

Os 6 truques de retórica

Volodymyr Zelensky é o símbolo da resistência democrática na primeira guerra na Europa em plena era das redes sociais. Sabe falar com toda a gente e para toda a gente. O segredo do sucesso dos seus discursos está nas seis estratégias retóricas que o Presidente da Ucrânia usa repetidamente. São truques que os filósofos identificaram e desenvolveram há quase 2.500 anos.

Ao longo do primeiro mês de conflito, entre 24 de fevereiro e 24 de março, Volodymyr Zelensky fez 65 discursos oficiais — fora todos os que improvisou e publicou nas redes sociais. Segundo Nomi Claire Lazar, professora de retórica política na Universidade de Ottawa e autora do livro “Out of Joint: Power, Crisis, and the Rhetoric of Time”, esses discursos são escritos a partir de seis categorias de comunicação: criação de empatia; descrição da situação; definição do que está em jogo; dicotomia entre o bem e o mal; elogio e condenação; pedido impossível.

São estratégias tradicionais que a filosofia estuda, identifica e desenvolve desde o século V a.C.. E há uma que o Presidente ucraniano domina como ninguém: consegue falar sobre os terrores da guerra de forma a que o público sinta admiração pela Ucrânia — não pena.

Analisamos em baixo o discurso que Zelensky fez no Parlamento do Reino Unido a 8 de março à luz destas estratégias — cada uma está identificada por uma cor que aparece destacada no texto e que pode iluminar ou apagar.

Todos estes discursos são exemplos mais notáveis da aplicação destes truques retóricos. E fazem de Zelensky um mestre na arte da persuasão: desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, a popularidade do Presidente ucraniano triplicou, de 30% em dezembro de 2021 para 91% a 26 de fevereiro.

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Criação de empatia

Procura estabelecer uma proximidade emocional e pessoal com quem o ouve. Para isso, desenvolve uma atmosfera de intimidade entre a Ucrânia e o país a que se dirige; ou mesmo diretamente entre Zelensky e o líder político a que se dirige.

Descrição da situação

Destaca os acontecimentos mais marcantes nas horas anteriores ao discurso. O objetivo não é apelar à piedade, mas sim criar uma sensação de urgência moral e demonstrar orgulho pela capacidade de enfrentar os obstáculos.

Definição do que está em jogo

Recorda como os avanços do inimigo também terão um impacto no país ou organização a que se dirige. A mensagem vai de aspetos mais tangíveis, como a escassez de recursos, a outros mais abstratos, como a expansão de ideais anti-democráticos.

Dicotomia entre o bem e o mal

Transforma a Ucrânia num símbolo dos valores partilhados europeus e da democracia; e associa a inimiga Rússia, símbolo de uma epidemia do mal, a todos os ideais que contrariam e atacam essa posição. Cria a narrativa “nós versus eles”: quem não está com a Ucrânia, está do lado errado da História.

Elogio e condenação

Agradece o apoio que já foi prestado, mas para logo a seguir fazer críticas, responsabilizando quem o ouve pelas atrocidades cometidas pela Rússia ou pela vulnerabilidade da Ucrânia. Refere, por exemplo, a inação dos países e organizações ou a demora na tomada de decisões.

Pedido impossível

Após criticar o posicionamento do país a que se dirige, lança um pedido extremamente difícil de realizar. Zelensky sabe que não o vai atingir, mas essa é uma estratégia negocial: assim obterá tanta ajuda quanto possível.

Senhor presidente da Câmara dos Comuns! Senhor primeiro-ministro! Membros do governo, parlamento, lordes.

Senhoras e senhores!

Estou a dirigir-me a todas as pessoas do Reino Unido. Todo o povo da Grã-Bretanha. Grandes pessoas. Com uma grande história. Estou a dirigir-me a vós como cidadão, como presidente de um grande país também. Com um grande sonho. E uma grande luta.Quero contar-vos sobre os nossos 13 dias. Treze dias de guerra feroz, que não começámos e que não queríamos. Mas estamos a travá-la.

Porque não queremos perder o que temos, o que é nosso — a Ucrânia. Assim como não queriam perder a vossa ilha quando os nazis se preparavam para iniciar a batalha pelo seu grande poder, a batalha pela Grã-Bretanha.

Treze dias da nossa defesa.

No primeiro dia, às quatro da manhã, mísseis de cruzeiro foram disparados contra nós. Para que todos acordassem — nós, as crianças, todos nós, pessoas vivas, toda a Ucrânia. E não dormimos desde então. Todos pegamos em armas e tornamo-nos um grande exército.

No dia seguinte, combatemos ataques aéreos, terrestres e marítimos. E os nossos heróicos guardas de fronteira na Ilha das Serpentes, no Mar Negro, contaram a todos sobre o fim da guerra. Ou seja: para onde o inimigo irá no final. Quando um navio russo exigiu que os nossos homens largassem as armas, eles responderam… tão firmemente que não se pode dizer no parlamento. E nós sentimos o poder. Grande poder do nosso povo que perseguirá o invasor até o fim.

No terceiro dia, as tropas russas dispararam abertamente contra pessoas e prédios com apartamentos sem se esconderem. Usaram artilharia usada, bombas aéreas.E finalmente mostraram-nos, mostraram ao mundo quem é quem. Quem são as grandes pessoas e quem são apenas selvagens.

No quarto dia, quando já tínhamos começado a fazer dezenas de prisioneiros, não perdemos a nossa dignidade. Não abusamos deles. Tratámo-los como pessoas. Porque continuamos humanos no quarto dia desta guerra vergonhosa.

No quinto dia, o terror contra nós já se tinha tornado total. Contra as cidades, contra as pequenas localidades. Regiões em ruínas. Bombas, bombas, bombas, mais bombas em casas, em escolas, em hospitais. Isso é genocídio. Que não nos quebrou. Mobilizou cada um de nós. E isso deu-nos uma sensação de grande verdade.

No sexto dia, mísseis russos atingiram Babyn Yar.Este é o lugar onde os nazis executaram 100 mil pessoas durante a Segunda Guerra Mundial. Oitenta anos depois, a Rússia matou-os pela segunda vez.

No sétimo dia, percebemos que eles estavam a destruir até as igrejas. A usar bombas! Mísseis, outra vez.Eles não conhecem o sagrado e o grande como nós conhecemos.

No oitavo dia, o mundo viu tanques russos a disparar contra uma central nuclear. A maior da Europa.E o mundo começou a entender que isto é terror contra todos. Este é um grande terror.

No nono dia, ouvimos uma reunião dos países da NATO.Sem o resultado desejado para nós. Sem coragem. Foi assim que nos sentimos — não quero ofender ninguém — sentimos que as alianças não funcionam. Eles não podem nem sequer fechar o céu. É por isso que as garantias de segurança na Europa devem ser construídas do zero.

No 10º dia, ucranianos desarmados protestaram em todos os lados nas cidades ocupadas. A parar veículos blindados com as mãos vazias. Nós tornamo-nos inquebráveis.

No 11º dia, quando as áreas residenciais já tinham sido bombardeadas, quando tudo foi destruído por explosões, quando as crianças foram retiradas de um hospital pediátrico de oncologia danificado… Percebemos: os ucranianos tornaram-se heróis. Centenas de milhares de pessoas. Cidades inteiras. Crianças, adultos — todos.

No 12º dia, quando as perdas do Exército russo já ultrapassavam as 10 mil mortes, o general também apareceu neste número. E isso deu-nos confiança: para todos os crimes, para todas as ordens vergonhosas, ainda haverá responsabilidade perante o Tribunal Internacional ou as armas ucranianas.

No 13º dia, uma criança morreu em Mariupol ocupada pelos russos. Morreu de desidratação. Eles não permitem comida ou água para as pessoas. Simplesmente bloquearam — e as pessoas estão nas caves. Acho que toda a gente ouve: as pessoas não têm água lá!

Em 13 dias da invasão russa, 50 crianças foram mortas. Cinquenta grandes mártires. Isso é terrível! Isto é o vazio. Em vez de 50 universos que poderiam viver, eles levaram-nos. Simplesmente levaram-nos.

Grã-Bretanha!

A Ucrânia não ambicionava isto. Não procurava grandeza. Mas tornou-se grande durante estes dias desta guerra.

A Ucrânia que salva pessoas apesar do terror dos invasores. Defende a liberdade apesar dos golpes de um dos maiores exércitos do mundo. Defende apesar do céu aberto. Ainda aberto a mísseis russos, aviões, helicópteros.“Ser ou não ser?” — conhecem bem esta pergunta shakespeariana.

Há 13 dias, esta questão ainda poderia ser levantada sobre a Ucrânia. Mas agora não. Obviamente, ser. Obviamente, ser livre. E se não aqui, onde devo lembrá-lo das palavras que a Grã-Bretanha já ouviu. E que são relevantes outra vez.

Não iremos desistir e não iremos perder!

Iremos percorrer todo o caminho.

Lutaremos nos mares, lutaremos no ar, defenderemos a nossa terra, custe o que custar.

Lutaremos nas florestas, nos campos, nas praias, nas cidades e aldeias, nas ruas, lutaremos nas colinas… E quero acrescentar: lutaremos nos depósitos de resíduos, nas margens do Kalmius e do Dnieper! E não nos renderemos!

Claro, com a vossa ajuda, com a ajuda da civilização de grandes países. Com o vosso apoio, pelo qual somos gratos e com o qual contamos.E sou especialmente grato a si, Boris, meu amigo!

Aumente as sanções contra o estado terrorista. Reconheça-o finalmente como um estado terrorista.Encontre uma maneira de tornar o nosso céu ucraniano seguro. Faça o que puder. Faça o que tiver de fazer.Faça o que a grandeza do seu Estado e do seu povo obriga.

Glória à grande Ucrânia! Glória à Grã-Bretanha.

A linguagem não verbal

Nem só com palavras – pensadas – se faz a comunicação de Volodymyr Zelensky. Da evolução da sua imagem, agora com barba por fazer e sem gravata, aos locais que escolhe para falar à Ucrânia e ao mundo, tudo transmite mensagens.

O presidente ucraniano passa a mensagem de ser um homem próximo do povo ucraniano, que quer que continue unido, mas também um líder legitimado — e são vários os elementos de poder que podemos encontrar nas suas comunicações. A família é também um dos elementos importantes e que não fica de fora desta análise, feita pelo professor da Católica Porto Business School Rui Lourenço. Clique nos círculos para conhecer a linguagem não verbal do Presidente da Ucrânia.

Quando Zelensky vai à rua acaba por transmitir a mensagem de que não só está regularmente no seu posto de trabalho, enquanto Presidente, como, por outro lado, não se fecha no seu gabinete. Dá testemunho de que é destemido e de que vai ao terreno, oferecendo não só confirmações da sua localização e dando leituras diretas, como ainda deixando a mensagem de que é acessível, de que está com o povo.

As referências de Zelensky a discursos históricos

“A imitação é a forma mais sincera de elogio”. A citação é de Oscar Wilde e Volodymyr Zelensky transformou-a num dos recursos dos seus discursos: o Presidente ucraniano torna-se Churchill quando o cita ao falar aos britânicos; torna-se Luther King quando o cita ao discursar aos americanos: torna-se Reagan quando o cita ao deixar um apelo aos alemães. Noutros discursos também mimetiza expressões que, mais recentemente, utilizaram o Presidente americano Joe Biden e a ex-primeira-ministra britânica Theresa May. Há duas estratégias por detrás destas alusões: criar um elo de ligação com o público que o ouve e equiparar-se às figuras que cita.

Quando Aristóteles escreveu o livro “Retórica”, há quase 2.500 anos, definiu que o poder de persuasão construía-se sobre três alicerces. Um é o “logos” (lógica), os argumentos baseados em dados científicos e evidências concretas, em gráficos e em estatísticas. Outro é o “ethos” (credibilidade), a capacidade de convencer alguém através da reputação, da autoridade e da confiança com que se comunica. E o terceiro pilar é o “pathos” (emoção), relacionado com a entoação do discurso, a empatia que se transmite e as reações que se despertam em terceiros. Volodymyr Zelensky utiliza-os a todos quando discursa, mas os momentos em que se refere a discursos e expressões que marcaram a História são ainda mais flagrantes: o Presidente da Ucrânia serve-se dessas declarações, e da imagem de quem as proferiu, para amplificar a mensagem e aperfeiçoar a sua própria popularidade. Evan Nierman, especialista em gestão de crises e fundador da empresa de relações públicas Red Banyan; John Zimmer, perito em persuasão e autor do blogue “Manner Of Speaking”; e Robert Danisch, professor de artes comunicacionais na Universidade de Waterloo especializado em retórica política nas sociedades democráticas, analisam para o Observador seis declarações de Zelensky inspiradas em discursos históricos.

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Comparação entre o discurso de Volodymyr Zelensky no Parlamento do Reino Unido a 8 de março e o discurso em que se baseou — o de Winston Churchill, à época primeiro-ministro do Reino Unido, na Câmara dos Comuns do Parlamento britânico a 4 de junho de 1940, sobre a ameaça de uma invasão pela Alemanha Nazi.

O discurso original é um exemplo maior da mestria na utilização da anáfora, ou seja, da repetição de palavras no início de frases sucessivas. Segundo John Zimmer, na maior parte dos casos, o número ideal de frases para concretizar este instrumento retórico são três — mais do que isso, o discurso torna-se teatral e artificial. Mas há três exceções consagradas: o discurso “Eu Tenho Um Sonho”, de Martin Luther King Jr.; o “aviso” que o líder trabalhista Neil Kinnock deixou em 1983 contra a primeira-ministra conservadora Margaret Thatcher; e o “Lutaremos nas Praias”, de Winston Churchill durante a Segunda Guerra Mundial. Zelensky repetiu o recurso estilístico noutras ocasiões e raramente se cingiu às três frases. Porquê? Porque só os grandes oradores o podem fazer. E Zelensky quer ser percecionado como um deles. Aliás, a recuperação do discurso de Churchill em particular sugere um paralelo entre a luta do líder britânico contra Hitler com a que Zelensky trava agora contra Putin, interpreta Robert Danisch. Mais do que isso, o objetivo aqui é que os próprios protagonistas destas batalhas sejam percecionados com a mesma heroicidade e prestígio. Em retórica, este truque chama-se “auctoritas”: Zelensky está a tentar cultivar a sua própria autoridade colando-se à imagem de Churchill.

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Comparação entre o discurso de Volodymyr Zelensky no Congresso dos Estados Unidos a 16 de março e o discurso citado de Martin Luther King Jr., “Eu Tenho Um Sonho”, proferido a 28 de agosto de 1963 durante a Marcha de Washington por Empregos e Liberdade, do movimento pelos direitos civis.

O discurso de Zelensky nos Estados Unidos foi o segundo em que recuperou um dos exemplos mais notáveis do impacto das anáforas. Mas repete outra expressão inspirada no “Eu tenho um sonho” de Martin Luther King Jr.: “Eu tenho uma necessidade”. É como se as duas ideias entrassem em confronto, sugere John Zimmer. Enquanto o ativista norte-americano tinha um desejo, uma aspiração; Zelensky não tem tempo para sonhos: tem uma exigência concreta e urgente. Ainda assim, repete a técnica de se comparar a Martin Luther King Jr. como figura de autoridade e comunicador nato, recorda Robert Danisch: “A alusão de Luther King pretende sugerir que ele compartilha alguma coisa com ele. E essa coisa é a habilidade retórica”.

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Comparação entre o discurso de Volodymyr Zelensky no Bundestag (parlamento da Alemanha) a 17 de março e o discurso mencionado por ele de Ronald Reagan, antigo Presidente dos Estados Unidos na altura, a 12 de junho de 1987 em Berlim.

O mais importante recurso estilístico que Zelensky utiliza ao citar Ronald Reagan é a metáfora: neste discurso, a palavra “muro” surge 16 vezes e só em duas delas tem um significado literal. No contexto da guerra na Ucrânia, a palavra é um gatilho para a Alemanha: simboliza a fronteira entre o “lado bom” e o “lado mau” no conflito armado e sugere que a Alemanha está no lado errado — sobretudo por causa da intensa ligação económica que mantém com a Rússia. É também por isso que o discurso, pensado como um raspanete aos alemães, refere tantas vezes os eventos da Segunda Guerra Mundial: assim, o poder político depara-se outra vez com a possibilidade de estar a apoiar novamente o vilão na narrativa de Zelensky. O jogo retórico vai ainda mais longe porque Ronald Reagan, autor original da expressão “Derrube este muro!”, também era ator antes de ter assumido a presidência dos Estados Unidos, tal como Zelensky o era antes de presidir à Ucrânia. Mais uma vez, Zelensky afasta-se da imagem de um líder improvisado: se Reagan, com um passado artístico, conquistou o respeito presidencial, ele também o pode conquistar.

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Comparação entre o discurso de Volodymyr Zelensky no Sejm (Câmara dos Comuns) do Parlamento da Polónia a 11 de março e o discurso que o Presidente da Ucrânia cita: o de Lech Kaczynski, então Presidente da Polónia, a 12 de agosto de 2008, em plena invasão da Geórgia pela Rússia.

Quando o Presidente da Ucrânia cita Lech Kaczyński utiliza um esquema retórico que equipara a urgência que Zelensky tem em obter apoio com a transmitida pelo então Presidente da Polónia, considera Robert Danisch. Zelensky utiliza o recurso estilístico a que chamamos assíndeto, em que se omitem as conjunções e as frases ficam separadas apenas por vírgulas. É usado para acelerar o ritmo e a cadência do discurso; e para aumentar o drama e a intensidade da mensagem. Além de o contexto histórico em que a Geórgia (também ela a ser invadida pela Rússia) se encontrava na altura do discurso de Kaczyński legitimar esta referência, Zelensky aproveita-o para deixar um aviso aos polacos: no futuro, podem ser eles os atacados. Esse é um dos três principais argumentos que sustentam o poder de persuasão: o “logos”, ou seja, a lógica.

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Comparação entre o discurso de Volodymyr Zelensky aos ucranianos a 6 de março e as declarações de Joe Biden, Presidente dos Estados Unidos, a 26 de agosto de 2021 quando um atentado suicida no aeroporto de Cabul, no Afeganistão, resultou na morte de 13 soldados norte-americanos e 60 afegãos.

Zelensky recupera expressões que Joe Biden utilizou quando as tropas americanas foram atacadas em Cabul e até segue o mesmo esquema narrativo: primeiro, recorda as vítimas; depois, promete não “perdoar” nem “esquecer”; e, por fim, garante que os atacantes vão ser castigados. “Never Forget” (“Nunca Esquecer”, em português) é uma expressão que tem sido adotada em memória das vítimas do atentado do 11 de setembro em 2001 e das vítimas do Holocausto. “Não é um acidente, nem uma coincidência” que tenha recuperado esta estrutura, considera Evan Nierman: “Está a tentar traçar paralelos entre a Ucrânia e essas democracias” e a “usar a retórica para se aproximar da sua liderança”. Mas o detalhe mais relevante, acrescenta John Zimmer, é a cadência das frases: “São como o staccato da música, caem como as bombas”. Ou seja, as armas de arremesso de Zelensky não são apenas as palavras: são a sensação que elas produzem nos outros, mesmo que inconscientemente.

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Comparação entre o discurso de Volodymyr Zelensky aos ucranianos no fim do primeiro dia de invasão da Ucrânia pela Rússia, a 24 de fevereiro, e o discurso de Theresa May, ex-primeira-ministra do Reino Unido, ao Parlamento britânico um dia após o atentado terrorista em Londres a 22 de março de 2017.

“Nós não temos medo” é uma expressão adotada regularmente por líderes ocidentais para reagir a ataques terroristas, tal como Theresa May fez há cinco anos. A escolha da expressão não é inocente, considerou Evan Nierman: é assim que, logo no primeiro discurso de balanço ao primeiro dia de guerra, o Presidente da Ucrânia traça uma narrativa entre o lado bom e o lado mau da História; e começa a implantar a ideia de que a própria Ucrânia (o lado bom) está ela mesma a ser vítima de um ataque terrorista da Rússia — e do próprio Vladimir Putin pessoalmente (o lado mau). A característica do discurso que mais salta à vista é a repetição de palavras no início de frases sucessivas. A vantagem desse recurso estilístico, que se chama anáfora, é que cria atração emociona — a mensagem torna-se memorável e o discurso ganha cadência.

As estratégias de liderança e de negociação

Quando o Presidente Zelensky fala, quer seja aos ucranianos, quer seja a estrangeiros, assume quase sempre uma postura de líder. As estratégias que usa são variadas e dependem muito do momento, do tipo de discurso e dos interlocutores.

Rui Lourenço, professor auxiliar convidado da Católica Porto Business School, que dá aulas de liderança e negociação, analisou algumas passagens escolhidas pelo Observador e concluiu que são várias as estratégias que podem ser encontradas, desde o empoderamento simbólico, passando pela criação de dissonâncias e pela motivação por idealização.

As palavras do líder

Quando me candidatei à Presidência, disse que cada um de nós é Presidente. Porque todos nós somos responsáveis pelo nosso Estado. Pela nossa linda Ucrânia. E agora acontece que cada um de nós é guerreiro. Um guerreiro no seu lugar. E estou confiante de que cada um de nós vencerá.

28 Fevereiro de 2022, às 11h

Esta passagem pode ser interpretada no âmbito da sua estratégia de liderança. É em si mesma um processo de influência: de empoderamento simbólico, que procura que as pessoas se perfilem para que da atitude passem à ação.

Povo russo, quero dirigir-me a vocês. Como é isto possível? Juntos, em 1986, lutámos contra as consequências do desastre de Chernobyl. Vocês devem lembrar-se da grafite em chamas. Das vítimas. Vocês devem lembrar-se da incandescência por cima da central de energia destruída. Vocês devem lembrar-se da evacuação de Pripyat e do perímetro de 30 quilómetros. Como vocês puderam esquecer-se disso? E se não se esqueceram, então não podem agora ficar em silêncio. Devem contar isso às autoridades, ir às ruas e dizer que querem viver. Viver numa terra sem contaminação radioativa. A radiação não sabe onde fica a fronteira da Rússia.

4 Março 2022, às 11h21

Aqui a estratégia para afirmar a sua liderança passa por tentar exercer influência sobre os russos, criando uma dissonância entre o que devia ser feito e o que foi efetivamente feito. Zelensky apela, assim, à Justiça por parte dos russos, mas sempre a falar para o Ocidente. Aposta no pilar da retórica ethos, a ética, mas com um respaldo afetivo.

Não haverá vestígios do inimigo. Vamos reconstruir tudo. Faremos com que as nossas cidades destruídas pelo invasor sejam melhores do que qualquer cidade na Rússia [...] Digo-vos: eu fico aqui. Eu fico em Kiev. Na Rua Bankova. Eu não estou a esconder-me. E não tenho medo de ninguém.

7 Março 2022, às 23h42

Nestes segmentos, em que acaba a mostrar o seu gabinete nas imagens em modo selfie, o Presidente ucraniano procura duas coisas. Uma é a motivação inspiracional, componente da liderança transformacional. Neste caso, focando-se no carisma — quer inspirar os outros a ser como ele e não como os russos que, segundo fica subentendido, nem sequer têm capacidade para o encontrar, mesmo com ele a dizer onde está. Há ainda uma espécie de motivação por idealização, quando diz que as cidades ficarão melhores do que qualquer cidade russa, antevendo um futuro desejado por todos. Na prática, é uma contracorrente da desmotivação que os russos querem trazer.

Vejam: o mundo não acredita no futuro da Rússia, não fala sobre isso. Nem uma palavra, nem uma ideia. Toda a gente entende o que se está a passar. Falam sobre nós. Ajudam-nos. Estão a preparar-se para apoiar a nossa reconstrução. Depois da guerra. Porque todos viram que, para as pessoas que se defendem tão heroicamente, esse “depois da guerra” certamente virá.

8 Março 2022, às 23h36

Aqui, Zelensky trabalha a visão anterior, da motivação por idealização. Mas vai mais longe, diz que a via para a reconstrução vem pela ajuda. Diz ainda que isso é justificado e é justo dada a capacidade de resistência dos ucranianos — apostando no reconhecimento dos cidadãos. Dir-se-ia que é feita uma motivação por idealização e com via. A visão realista (da destruição) está omissa neste trecho mas existe e, por isso, o Presidente ucraniano parte para a visão idealizada. A primeira seria a tese, a segunda a antítese e a síntese seria uma visão pragmática.

As palavras do negociador

Do ponto de vista da negociação, as estratégias utilizadas nos discursos de Zelensky são também variadas. Rui Lourenço explica que, desde a desilusão à restrição de alternativas, há muito que se pode encontrar nos pronunciamentos do Presidente ucraniano.

Começo esta mensagem com boas notícias. Resistimos e repelimos com sucesso os ataques inimigos. A luta continua. Em muitas cidades e distritos do nosso estado. Mas sabemos o que estamos a defender. O país, a terra, o futuro das crianças […] Digo isto com a maior franqueza: o povo ucraniano já ganhou e tem o direito de se tornar membro da União Europeia. Esta será a prova chave do apoio ao nosso país. É um momento crucial para encerrar de uma vez por todas a discussão estratégica de longa data e decidir sobre a adesão da Ucrânia. Discuti isso hoje com Charles Michel, Ursula von der Leyen e Emmanuel Macron.

26 Fevereiro 2022, às 12h14

Zelensky fala na primeira pessoa e faz referência a determinadas personalidades. Ao focar-se em figuras proeminentes, tornasse ele próprio proeminente. Isto inspirar simpatia, por se tratar de um Presidente no terreno, na linha da frente, sem distância em relação ao povo. Do ponto de vista da negociação, Zelensky pretende a adesão à UE (esta é a sua zona de procura direta), mas também a reconstrução da Ucrânia (que é a zona de procura indireta). Ainda que não se esteja perante uma negociação, cria-se um cenário de ganhos para o processo negocial, utilizando uma restrição de alternativas por pressão de tempo (“a Ucrânia tem o direito, não há outra alternativa”). No processo negocial, esta é uma tática de natureza competitiva, que neste caso está respaldada num âmbito integrativo — Zelensky faz crer que é uma relação em que as duas partes ganham: a UE e a Ucrânia.

Hoje, por iniciativa do lado russo, aconteceu a primeira ronda de negociações entre a Ucrânia e a Rússia. Essas negociações ocorreram no contexto de bombardeamentos e bombardeamentos no nosso território, nas nossas cidades. A sincronização dos bombardeamentos com um processo de negociação foi clara. Acredito que a Rússia está a tentar pressionar-nos dessa maneira. Não percam tempo. Não percebemos essas táticas. As negociações justas são possíveis quando um lado não atinge o outro lado com mísseis precisamente no momento das negociações.

28 Fevereiro 2022, às 23h48

Culturalmente, os russos negociam com força. A chamada MAPAN (melhor alternativa para um acordo negociado) não é o forte da Rússia, dalvo quando utiliza a ameaça com armas nucleares. Por isso, pode acreditar-se que criem constrangimentos situacionais para ganhar peso na negociação. Uma forma de ganhar espaço negocial é criar medo. Nas suas declarações, Zelensky começa por deixar claro que não entende ser ético, quando se quer negociar, estar a matar. Também sabe que esta pauta cultural e comportamental dos russos não entra na cabeça do Ocidente, pelo menos no discurso dominante. Zelensky acaba assim por fomentar a indignação e desacreditar a boa-fé da contraparte, com quem tem de negociar. Há uma busca de apoio no campo negocial, criando-se um contexto para continuar a negociação.

Desde o primeiro dia da invasão russa, a Ucrânia vem repetindo aos seus parceiros que, se não fecharem o céu, também serão responsáveis por essa catástrofe, uma catástrofe humanitária de grande escala. A Rússia usa mísseis, aviões, helicópteros contra nós, contra civis, contra as nossas cidades, contra as nossas infraestruturas. Este é um dever humanitário do mundo, o de responder. Mas... não há decisão.

9 Março 2022, às 12h34

Há aqui uma clara tentativa de negociação falhada. Fica claro no discurso de Zelensky que os parceiros com os quais gostaria de falar não aceitam a dimensão negocial. E o Presidente ucraniano tenta com esta passagem mudar a atitude da contraparte, o Ocidente. E fá-lo através de um dilema, baseado numa dissonância: ‘Não trazer aviões tem uma vantagem, porque evita a escalada da guerra, mas também é negativo e contrário aos valores dessas sociedades, porque significará mais mortes de ucranianos’. A estratégia, porém, não funciona, porque os líderes do Ocidente têm resolvido esse dilema com uma racionalização: ‘Muitas mais pessoas morreriam se escalássemos a guerra’. Neste segmento, a zona de procura indireta, que é salvar vidas, acaba por ser a mesma do Ocidente. No ‘Mas…’, Zelensky utiliza a resignação a desilusão, uma abordagem que tenta, em último recurso, procurar a mudança de atitudes através da dissonância cognitiva gerada inicialmente.

Prometo a todos, a todos os ucranianos que perderam a casa, que perderam um apartamento como resultado de hostilidades ou bombardeamentos, que o Estado vai repor tudo. E vai repor de forma independente.

17 Março 2022, às 01h05

Nesta frase, Zelensky não está propriamente a negociar, mas a procurar uma atitude favorável ao que quer negociar. Está a fazer uma promessa de compensação não específica em nome do Estado que representa, contrariando o desespero, a falta de ânimo. Mas as promessas têm o valor que têm, sobretudo nesta altura em que nem se sabe quando a guerra acabará. O Presidente ucraniano trabalha com esta frase a sua continuidade junto dos ucranianos e ainda tenta manter o apoio a esta linha estatal.

O mapa dos discursos pelo mundo

Desde o início da guerra, Volodymyr Zelensky já discursou nos parlamentos de 23 países, participou em duas manifestações de apoio aos ucranianos, dirigiu-se a cinco instituições políticas e até falou nos Grammy. Cada declaração foi preparada com precisão para atingir um público específico — das centenas de pessoas do outro lado da câmara aos milhões que o ouvem em todos os cantos do planeta através das redes sociais. Explore o mapa-mundo dos locais onde Zelensky já discursou e recorde, em vídeo, as mensagens mais impactantes que o Presidente ucraniano quis passar.

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