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Evan Vucci/AP/X

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Os tiros regressaram à política americana. Que efeito vai ter na campanha?

Fantasmas da violência dos anos 60 e das falhas de segurança reavivaram-se. A reação rápida e desafiante de Trump, captada numa imagem icónica, fará dele um mártir — e, possivelmente, Presidente.

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“O atirador foi abatido.” Foi com esta frase dita por um agente do Serviço Secreto para os colegas que os seguranças que rodeavam Donald Trump decidiram agir para tirar dali o antigo Presidente — depois de, numa tentativa de assassinato, um tiro o ter atingido na orelha em cima do palco de um comício, enquanto discursava. “Já aqui estou consigo”, disse um dos agentes a Trump, enquanto ele e os colegas tentavam tirá-lo do local do atentado o mais depressa possível. “Esperem”, disse o candidato, e pediu que o deixassem calçar os sapatos, que tinha perdido na confusão. Ao ser levado, Trump virou-se para a multidão, com o sangue ainda a escorrer de um dos lados da cara, e ergueu um punho fechado do ar. “Lutem! Lutem! Lutem!”, disse, antes de ser finalmente colocado a salvo, segundo relataram os jornalistas que estavam no local e que assistiram a tudo.

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Imagens no comício da Pensilvânia, pouco depois de serem disparados os tiros

The Washington Post via Getty Im

“Nunca imaginei estar numa situação destas”, confessou um deles, o veterano fotojornalista Doug Mills, ao seu próprio jornal, o The New York Times. Mills acompanha Presidentes e candidatos há 40 anos. Aquilo a que assistiu no final de tarde deste sábado foi uma completa estreia: a última tentativa de assassinato a um Presidente acontecera em 1981, quando Ronald Reagan foi atingido a tiro a caminho do carro, e Mills ainda não acompanhava as altas figuras da política.

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Mas não é uma estreia na política americana. Na década de 1960 e inícios da seguinte, vários candidatos à presidência foram alvos de atentados semelhantes. O presidente John F. Kennedy foi morto em Dallas em 1964 por um atirador; quatro anos depois aconteceria o mesmo com o seu irmão, Robert F. Kennedy, na altura candidato à presidência; no mesmo ano, o líder da luta pelos direitos civis Martin Luther King foi também assassinado a tiro; quatro anos depois, o governador George C. Wallace, do Alabama, foi alvo de uma tentativa de assassinato — sobreviveu, mas ficou numa cadeira de rodas para o resto da vida.

Os fantasmas de JFK, RFK e MLK. O regresso aos anos de chumbo da década de 1960?

Quase de imediato, ainda no rescaldo do atentado contra Trump, a América susteve a respiração ao recordar-se desses anos de chumbo e interrogou-se se 2024 marca um regresso a uma era em que a violência passa da retórica aos atos. “JFK, RFK, MLK…”, enumerava Joseph Meyn, um dos apoiantes que estavam no comício poucas horas depois à CNN. “Houve um atentado contra o Reagan e agora uma tentativa de assassinato de Trump. É ridículo. A política não devia ser um jogo de grau zero, em que alguém ganha tudo e perde tudo.”

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Ronald Reagan foi atingido a tiro em 1981, uma última vez que um Presidente ou candidato ao cargo foi alvo de uma tentativa de assassinato

Bettmann Archive

Há mais de 40 anos que a América não assistia a nada assim, mas o clima de polarização que se vive em torno desta eleição presidencial que opõe Donald Trump a Joe Biden já vinha a deixar muitos inquietos com a possibilidade de irrupção de violência. Uma sondagem de maio da Bloomberg notava que metade dos eleitores nos chamados swing states, que oscilam historicamente entre os candidatos republicanos e democratas, diziam temer violência relacionada com a eleição.

A quantidade de pessoas para quem a violência se tornou aceitável na arena política está a crescer, alerta Robert Pape, diretor do Projeto de Segurança e Ameaças da Universidade de Chicago. E não é exclusiva de um só campo: à NBC, o professor citou estudos de opinião de junho que mostram que 7% dos norte-americanos defendem o uso da força para que Trump volte a ser Presidente, enquanto 10% consideram que “o uso da força é justificado para impedir que Donald Trump se torne Presidente”. Mais de metade dos que defendem tais ideias têm armas em casa.

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As mortes de John F. Kennedy, Robert F. Kennedy e Martin Luther King são símbolos da violência política que se viveu na década de 60 nos Estados Unidos

Bettmann Archive

O risco de descida a um novo vórtice de violência política é, por isso, real, alertam os especialistas. “Num país onde grande parte dos americanos não acredita que a democracia esteja saudável ou particularmente funcional e onde uma grande maioria pensa que a oposição quer destruir essa democracia, este tipo de evento é o pior que pode acontecer num ambiente destes”, alertava o presidente do Eurasia Group, Ian Bremmer, pouco depois do ataque.

O veterano Karl Rove, ex-conselheiro de George W. Bush, resumiu ao Politico o que está em jogo. “Uma fração de centímetro e [Trump] estaria morto. Sobreviver àquele momento e reagir da forma que ele reagiu é icónico. Mas o que me preocupa é isto: isto foi um incidente e acabou ou estamos a entrar num período semelhante ao que vivemos entre 1963 e 1981?”, interrogou-se.

À direita, aponta-se o dedo à retórica dos democratas e insinua-se uma perseguição que culminou em violência. À esquerda, interrompe-se a hostilidade política, mas as teorias da conspiração propagam-se

Os primeiros sinais são de que a polarização pode bem escalar a partir deste momento. A começar pela reação à ação do Serviço Secreto: perante um ataque que podia ter morto um antigo Presidente, muitos se interrogam se terá havido uma falha grave de segurança.

Vários congressistas republicanos já alertaram para isso mesmo e pedem uma investigação a nível político. “O Comité de Segurança Interna tem de investigar a tentativa de assassinato e de tiroteio em massa e perceber como isto pode ter acontecido”, disse o senador Josh Hawley. “Não há desculpas para o facto de um atirador conseguir ter um antigo Presidente e candidato presidencial que segue à frente na mira”, acrescentou o senador Rick Scott.

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O clima de crispação política nesta campanha eleitoral tem sido marcado por uma retórica agressiva

Getty Images

James Corner, presidente do Comité de Supervisão da Câmara dos Representantes [órgão de investigação máximo da câmara baixa do Congresso] já disse que tenciona que haja inquirições sobre o assunto. “Há muitas perguntas e os americanos exigem respostas”, justificou. O presidente da Câmara dos Representantes, Mike Johnson, garantiu que irá ser feita uma investigação a nível político. E, como lembra o Politico, o diretor do FBI já tinha uma audiência marcada no Congresso este mês — que agora será, certamente, dominada por este tema.

Mas, para além da responsabilização possível das forças de segurança, vários republicanos também assacam responsabilidades aos opositores políticos, destacando como o nível de retórica dentro do Partido Democrata tem subido nos últimos meses — a declaração do Presidente Joe Biden dizendo que “chega de falar do debate, é altura de colocar Trump na mira” tem sido frequentemente apontada como provocadora.

“Não iremos tolerar este ataque da esquerda”, decretou o congressista republicano Mike Kelly. O senador J.D.Vance, apontado como possível candidato a vice-presidente de Trump, foi ainda mais direto na responsabilização dos democratas pelo que aconteceu: “A premissa central da campanha de Biden é a de que o Presidente Donald Trump é um fascista autoritário que tem de ser travado a qualquer custo. Esta retórica levou diretamente à tentativa de assassinato do Presidente Trump”.

Uma vez mais, surgem os fantasmas da década de 1960. No rescaldo do assassinato de JFK, ainda antes de serem conhecidas as motivações do assassino Lee Harvey Oswald (um auto-intitulado marxista que chegou a viver na Bielorrússia), muitos se apressaram a apontar o dedo ao clima hostil da direita para com o governo em Dallas. Citaram-se exemplos como a manifestação na cidade em que cuspiram sobre Lady Bird Johnson, mulher do vice-presidente, e o anúncio publicado nos jornais antes da chegada de JFK, “Bem-vindo, senhor Kennedy”, onde se criticava a política do Presidente, vista pelos signatários como demasiado pró-soviética. Dallas ganhou rapidamente o epíteto de “Cidade do Ódio”, apesar de a investigação acabar por concluir que quem matou o Presidente não vinha da extrema-direita, mas antes da extrema-esquerda.

Em 2024, em plena campanha eleitoral e ainda antes de serem conhecidas as motivações do atirador, as narrativas de responsabilização já estão em marcha. Vivek Ramaswamy, ex-adversário de Trump nas primárias do Partido Republicano, insinuou que o ataque faz parte de uma tentativa mais vasta de derrubar o candidato: “Primeiro processaram-no. Depois acusaram-no judicialmente. Depois tentaram retirá-lo dos boletins de voto. A única coisa mais trágica do que aquilo que acabou de acontecer é que, se formos honestos, isto não é um choque assim tão grande.”

Do lado do Partido Democrata, as reações têm sido inicialmente contidas e de condenação da violência, com figuras como Nancy Pelosi e Barack Obama a dizerem-se aliviados por Trump estar fisicamente bem e reforçando que “não existe lugar para a violência” na política. O Presidente Joe Biden classificou a tentativa de assassinato como “doentia” e falou pessoalmente com Trump.

Mas não é certo que o clima de suspensão das hostilidades políticas se mantenha à esquerda nos próximos tempos. Nas redes sociais, a expressão “encenado” já circula vezes sem conta, com muitos a promoverem uma teoria da conspiração inversa, insinuando que a própria equipa de Trump seria responsável pelo ataque para criar uma ideia de martírio e vitimização que seria conveniente ao candidato. De acordo com a NBC, pouco depois das primeiras notícias do ataque, a segunda expressão mais usada no X depois de “Trump” já era “encenado” — com mais de 228 mil publicações a incluírem a expressão — apesar de não haver qualquer indício que o prove e de o candidato ter ficado efetivamente ferido (e um apoiante ter morrido).

Um mártir, o dono de um killer instinct político ou algo revelador de caráter? Uma fotografia icónica cujo verdadeiro impacto ainda está por conhecer

Apesar de as teorias da conspiração serem isso mesmo e não haver qualquer prova a sustentar essa tese, é certo que, pelo menos nos próximos dias, o ataque terá um efeito positivo na perceção pública de Trump. “Quem sobrevive a uma tentativa de assassinato torna-se num mártir e recebe uma vaga de empatia pública”, resume ao Washington Post o historiador presidencial Douglas Brinkley.

Mas nem tudo é fruto das circunstâncias. A própria reação de Trump perante a bala e o caos é em si um facto político, cujas consequências eleitorais são ainda difíceis de prever com certezas, mas que ajudam a calcificar a ideia que muitos apoiantes já tinham do candidato: um político corajoso, desafiador e pronto para enfrentar tudo e todos.

epa11476746 Former US President Donald Trump is rushed off stage by secret service after an incident during a campaign rally at the Butler Farm Show Inc. in Butler, Pennsylvania, USA, 13 July 2024.  EPA/DAVID MAXWELL

DAVID MAXWELL/EPA

Trump era assim nas palavras, agora foi-o nos atos: “Ele sempre teve muita consciência de como é retratado nos grandes momentos, praticando aquele semicerrar de olhos à Clint Eastwood e a careta da sua mug shot”, escrevia o The New York Times ainda na noite de sábado. “Mas aqui não houve tempo para preparar nada. Aquilo foi tudo instinto.” David Urban, conselheiro informal de Trump na Pensilvânia, resumiu à Bloomberg o impacto que o momento do punho erguido terá: “Donald Trump é um lutador. Aquela foto vai tornar-se icónica.”

Muitos já se atrevem mesmo a dizer que este pode ter sido o momento que conquistou a eleição de 5 de novembro para o candidato. “Não escondo a minha opinião sobre Trump. Mas isso não importa. Isto foi — de uma forma que até os céticos têm de reconhecer que revela algo do seu caráter, porque ninguém antecipa levar um tiro na orelha — provavelmente um dos melhores momentos de toda a sua vida até à data”, escrevia na National Review o colunista Jeffrey Blehar. “Ele provavelmente ganhou a eleição esta noite.” Ainda no local do comício naquele final de tarde de sábado, já havia quem o dissesse entre os seus apoiantes. “Pessoal, Trump hoje foi eleito. É um mártir”, afirmou um dos apoiantes.

As consequências políticas do acontecimento monumental deste sábado ainda são imprevisíveis, quer seja sobre o resultado da eleição presidencial, quer seja sobre a possibilidade de este ser o início de uma nova vaga de violência política na América. No Financial Times, Peter Spiegel relembrava como foi “extraordinário” que o país não tenha colapsado nos anos 60: “Os radicais de esquerda faziam grandes e raivosas manifestações contra a guerra do Vietname e grupos radicais contra a guerra como os Weathermen levavam a cabo ataques à bomba para tentar iniciar uma revolução. À direita, a morte de King foi a mais significativa numa orgia de violência de uma década contra afro-americanos e defensores dos direitos civis.”

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O local do comício depois de toda a gente ter sido retirada

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O país, porém, “voltou a tornar-se aborrecido”, nota o colunista. A resiliência do sistema americano permitiu um regresso à normalidade. Mas, como o próprio reconheceu, 2024 não é 1969. “Muito do que aconteceu nos EUA desde que Trump entrou na cena política foi sem precedentes, de tal forma que as lições da História americana podem já não ser um guia fiável.”

Há 40 anos que um Presidente ou candidato presidencial não era alvo de um atentado em solo americano. Ronald Reagan não era Donald Trump. E as redes sociais, ninhos de teorias da conspiração que tantas vezes transpiram para a vida política real, não existiam. Só o tempo dirá qual o verdadeiro impacto da tentativa de assassinato. Mas não há dúvidas de que a imagem de um homem ensanguentado, de punho erguido, a dizer à multidão para “lutar”, tem potencial para transformar uma eleição — e até mesmo a própria América.

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