No próximo Conselho de Ministros será discutido o pacote de medidas contra a corrupção. O documento que esteve a ser elaborado nos últimos meses pelo Ministério da Justiça ainda não foi divulgado, mas são já conhecidos alguns dos seus pontos — e também algumas das propostas dos partidos que não foram incluídas. E sabe-se por agora que, apesar de o documento não ter sido apresentado na íntegra aos partidos que estiveram esta terça-feira reunidos com Rita Júdice no Parlamento, é provável que não agrade à maioria.
Segundo apurou o Observador, serão discutidas cerca de 30 propostas, que ainda poderão sofrer alterações nos próximos dias. Incluídas no diploma que o Ministério de Rita Júdice levará a Conselho de Ministros deverá estar a criação de um projeto-piloto para a pegada legislativa e a regulamentação do lobbying. Mas há propostas da oposição — como o reforço das molduras penais de alguns crimes e a extensão dos prazos de prescrição — que o Governo decidiu manter fora do seu plano de combate contra a corrupção.
Fora: aumento de penas e de prescrição de crimes
Fora do pacote que será discutido que já esta quinta-feira em Conselho de Ministros ficam, para já, as alterações ao Código Penal que o Chega apresentava como grandes bandeiras em matérias de corrupção: o aumento das penas dos crimes de corrupção e aumento do prazo de prescrição. “O ministério considerou que, neste momento, as penas são adequadas para os seus fins”, referiu Cristina Rodrigues, deputada do Chega, ao Observador.
A questão da prescrição do crime de corrupção ganhou, aliás, força nos últimos tempos, sobretudo pelo caminho que processos como o Operação Marquês, por exemplo, tomaram. No caso do ex-primeiro-ministro José Sócrates, o juiz de instrução Ivo Rosa descartou que Sócrates fosse julgado pelos três crimes de corrupção de que estava acusado por considerar que tinham prescrito, mas depois o Tribunal da Relação teve outro entendimento e pronunciou o antigo primeiro-ministro por esses crimes.
Outra das propostas do Chega era o regime das sanções acessórias, cujo objetivo central passava por impedir o exercício de cargos públicos depois de uma condenação por crimes como corrupção. Essa medida deverá ficar pelo caminho.
Fora: fim dos paraísos fiscais
A discussão para travar o uso de empresas offshores é antiga — e, ao que o Observador apurou, vai manter-se no plano da discussão, não passando a letra de lei. Já na última legislatura, chegou a ser aprovada a obrigatoriedade de declarar rendimentos e ativos em offshores, mas o PCP, o PAN e o Bloco de Esquerda queriam ir mais longe — com a proibição de transferências para offshores, por exemplo.
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Estes partidos chegaram a entregar a Rita Júdice as respetivas propostas sobre esta matéria, mas depois da reunião desta sexta-feira com a ministra da Justiça, lamentaram que a preocupação com os paraísos fiscais tivesse ficado fora das medidas. À saída da reunião, Fabian Figueiredo, líder da bancada parlamentar do Bloco, defendeu que “as offshores são um fator de desigualdade”.
“As pessoas comuns, a larguíssima população da população portuguesa não tem como fugir aos seus impostos, paga impostos sobre o rendimento, sobre o trabalho e capital. Quem recorre a offshores tem uma via rápida de portagens para fugir ao pagamento de impostos, ganha dinheiro com recurso à criminalidade financeira e isso é inaceitável”, acrescentou o deputado do Bloco.
Incluído pela tutela: regulamentação do lobbying e megaprocessos
Na primeira ronda de encontros com os partidos na Assembleia da República, saiu um ponto quase transversal a todas as forças políticas: a regulamentação do lobbying. À exceção do PCP, os restantes querem incluir esta questão na agenda e, tal como explicou o deputado comunista António Filipe ao Observador, foi transmitido durante a reunião com a ministra Rita Júdice que “há um consenso alargado com os partidos” para encontrar medidas para regulamentar o lobbying.
No entanto, ainda que para o PCP a regulamentação do lobbying seja considerada uma via para a legalização do crime de tráfico de influências, os restantes partidos querem mudanças nesta área. Também à saída da reunião, Mariana Leitão, porta-voz da bancada parlamentar da Iniciativa Liberal, disse estar satisfeita com esta matéria: “Falámos da questão do lobbying, que já propusemos na Assembleia da República várias vezes e que consideramos ser necessário como algo que previna a corrupção“.
Apesar da intenção, não terá sido dado nenhum detalhe sobre como poderá ser feita esta regulamentação. E o mesmo aconteceu, aliás, com as restantes medidas que constam do documento, o que deu força às críticas do Partidos Socialista. “As ideias que nos são dadas são vagas”, disse Alexandra Leitão, deputada do PS. “Não entram em contacto connosco para apresentarmos as nossas”, acrescentou.
Outra das prioridades que deverá constar no documento a discutir e aprovar na próxima quinta-feira será a reestruturação dos megaprocessos, numa tentativa de acelerar os procedimentos judiciais e evitar que os processos complexos se arrastem durante anos nos tribunais. No entanto, mais uma vez, não terão sido dados detalhes sobre a proposta.
Contributos da PGR, Tribunal de Contas e Conselho Superior da Magistratura
Depois da primeira reunião com os partidos, em abril, Rita Júdice pediu propostas de combate à corrupção a várias entidades. Entre elas, como adiantou na altura a tutela ao Observador, estão o Tribunal de Contas, a Procuradoria-Geral da República, o Conselho Superior da Magistratura, o Mecanismo Nacional Anticorrupção e ainda a Associação Sindical dos Juízes Portugueses.