“Num ano marcado por tantas incertezas, uma coisa podemos assegurar: recrutámos o trio ideal de produtores, Jesse Collins, Stacey Sher e Steven Soderbergh, para porem de pé uma noite de Óscares como nunca se viu.” A frase otimista — talvez a fazer lembrar a retórica do ex-presidente Trump e os seus famosos “tremendous”, “the best”, “fantastic”, “incredible” — foi divulgada a 15 de março pelo presidente da Academia americana do cinema.
Nesta mensagem enviada aos seus quase 10 mil membros, e que em poucos instantes apareceu citada na imprensa online, David Rubin deu a conhecer alguma da logística da 93ª noite das estatuetas douradas, tão marcada pelos efeitos da pandemia que há ja quem lhe chame cerimónia-coronavírus. Desde então muitos outros pormenores vieram a público. Os Óscares em 2021 precisam de se afirmar após meses de salas fechadas por causa da Covid-19 e de estúdios sem atividade por não terem onde estrear. Face à mudança de hábitos do público, que cada vez mais prefere o streaming à projeção no grande ecrã, a cerimónia corre o risco de aprofundar a queda que vem sendo óbivia desde há pelo menos cinco edições.
A partir de Los Angeles, na Califórnia, a transmissão televisiva será realizada pelo canal ABC (pertencente à Disney) e chega a casa de milhões de espectadores de pelo menos 225 países na madrugada de domingo para segunda-feira. Os portugueses podem acompanhá-la em sinal aberto através da RTP1, logo a partir das 23h50 deste domingo.
Especulou-se muito sobre se a passadeira vermelha poderia mesmo ter lugar e tudo indica que assim será. Mais curta do que é costume, esta componente fundamental dos Óscares não vai incluir ajuntamentos de fãs aos gritos. Poucos órgãos de comunicação americanos têm autorização para cobrir o momento ao vivo e o mesmo acontece com os média do Japão, do Canadá, de Inglaterra, de França, do México ou do Brasil, segundo a Variety.
Fotógrafos e apresentadores a perguntar “o que traz vestido” só em número reduzido (reduzido à escala do momento) e a dois metros das celebridades, que chegam em carros discretos e não em vistosas limousines. Mantém-se, porém, a tradução de oferta aos nomeados de um pacote de prendas, ou gift bag, que parece este ano valer 225 mil dólares e inclui uma consulta de cirurgia estética e uma estadia de três noites num hotel sueco instalado num farol. Estilistas e designers de Hollywood estão satisfeitos com o regresso de um evento de larga escala, caso de Chloe Hartstein, que preparou a imagem de Glenn Close para a próxima madrugada. “É um pequeno sinal do regresso à normalidade”, declarou ao Wall Street Journal.
Antes dos prémios propriamente ditos (às oito da noite, hora local; uma da manhã em Lisboa), a ABC exibe Oscars: Into the Spotlight, forma de aquecer os motores com nomeados nas categorias musicais dos Óscares. Atuam Celeste, H.E.R., Leslie Odom Jr., Laura Pausini, Daniel Pemberton, Molly Sandén e Diane Warren. Os apresentadores do interlúdio são Ariana DeBose e Lil Rel Howery. A seguir aos prémios, a emissão segue com Oscars: After Dark, onde há entrevistas aos vencedores e um apanhado dos melhores momentos. Segurar audiências parece ser o objetivo.
Em direto de uma estação de comboios
Prevista para 28 de fevereiro — há quase 20 anos que os Óscares costumam acontecer quase sempre em fevereiro —, a cerimónia foi adiada por dois meses devido à pandemia e marcada para 25 de abril, o que implicou a avaliação de filmes estreados até 28 de fevereiro, e não apenas até 31 de dezembro do ano passado, como inicialmente estabelecido. Estudos de opinião mostram que uma maioria dos espectadores não está familiarizada com as obras e autores nomeados e isso pode contribuir para um elevado desinteresse perante a grande noite do cinema.
O local da transmissão também sofreu alterações. Não será apenas o Dolby Theater, em Hollywood, como acontece desde 2002, junto à mítica Sunset Boulevard. Desta vez os Óscares têm também como cenário, e será o principal, a estação de comboios de Union Station, a 13 quilómetros do Dolby Theater, mas igualmente no centro de Los Angeles. Porquê uma estação de comboios? A Academia americana do cinema justificou que a dimensão do espaço permitirá o distanciamento físico entre pessoas, perante o receio de contágios pelo vírus da Covid-19.
Há mais novidades determinadas pela pandemia. Quase todos os eventos oficiais em torno da cerimónia foram cancelados: sessões de visionamento dos filmes nomeados, cocktails e receções, festas para espectadores e o baile que habitualmente se seguia. Até a conhecida festa de angariação de fundos para a fundação de Elton John de combate à sida tem desta vez um formato virtual, como o próprio anunciou no Instagram.
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Perante este cenário, o êxito dos Óscares é preocupação que não sai por um segundo da cabeça dos responsáveis. Os números mostram que desde 2015 é cada vez mais reduzida a audiência global da cerimónia. Por exemplo, o mínimo de cerca de 24 milhões de espectadores no ano passado contrasta com o recorde histórico de 57 milhões em 1998 (o ano que consagrou Titanic). Desta vez há novo formato, novos motivos de interesse, circunstâncias novas. Será que teremos mais público a assistir à mais do que provável consagração do hipernomeado Mank, que David Fincher realizou para a Netflix?
Soderbergh procura segurar a queda
Com a indústria tradicional do cinema a lutar furiosamente por sobreviver enquanto ícone da cultura americana, o que é cada vez mais difícil perante o triunfo do entretenimento em casa via streaming mais o encerramento compulsivo de salas de cinema devido ao coronavírus, um desaire de audiência na madrugada desta segunda-feira é capaz de fazer Hollywood cair numa crise de identidade, escreveu há dias o New York Times. De acordo com o mesmo jornal as habituais três horas de duração da cerimónia são pouco apelativas nesta época em que a lógica fragmentada da internet é a de escassos minutos de atenção a cada coisa. No ano passado, contas do New York Times, as três horas e 36 minutos dos Óscares teriam dado para ver 864 vídeos na rede social Tik-Tok.
Na esperança de contrariar a queda, a Academia aposta no consagrado Steven Soderbergh — esse mesmo, o de Sexo, Mentiras e Vídeo, de Traffic – Ninguém Sai Ileso e do agora reabilitado em tempos de pandemia Contágio. Ele e mais uma mulher, Stacey Sher (produtora de Pulp Fiction), e um negro, Jesse Collins (realizador da série Psi Factor, que a TVI chegou a transmitir há 20 anos).
O efeito Covid-19 é tal que, segundo o New York Times, a logística sanitária implica um terço do orçamento da cerimónia, que supera 40 milhões. Os receios levaram mesmo a que o contrato inicial de Soderbergh incluísse referências à transmissão via plataforma Zoom.
Nas últimas semanas, o realizador notou que essa hipótese estava afastada, ou seria apenas um último recurso, mas nos jornais americanos especula-se sobre se o Zoom não acabará por entrar na equação. Muitos convidados e nomeados são de fora dos EUA, há restrições de viagens aéreas em todo o mundo e quem visita a Califórnia é obrigado a uma quarentena de 10 dias.
Neste particular, as dúvidas só estarão desfeitas à hora da cerimónia. Sabe-se que estão previstas ligações por satélite a Londres, Oslo, Paris ou Roma, o que indica que alguns nomeados não vão estar em Los Angeles. A maioria estará, em pessoa, na Union Station. Aparentemente entram e saem da sala principal à medida que sejam entregues as estatuetas. Apenas apresentadores, nomeados e um acompanhante por cada. Os mais de três mil lugares de outras edições dão lugar a um máximo autorizado de 170 pessoas.
A transmissão televisiva deverá ser “muito diferente” do habitual, mas sem perder a “ligação à tradição”. A noite rende qualquer coisa como 90 milhões de dólares e cada 30 segundos de publicidade é vendida pela ABC a dois milhões de dólares (cerca de 1,7 milhões de euros), razão pela qual se perfilam como grandes anunciantes a Google, a General Motors, a Rolex, a Adidas ou a Verizon (de telecomunicações).
Os três produtores contam apresentar um formato mais “intimista” dos que noutras edições. Para maior empatia junto dos espectadores não haverá rostos com máscaras em cima do palco, diz a revista Variety — ou, melhor, ninguém será obrigado a usar máscara frente às câmaras, o que aponta para um esquema de larga escala de testes à Covid (alegadamente, três testes dos últimos dias e medição da temperatura à chegada). Fora isso, e principalmente nos intervalos, os participantes são convidados a cobrir o rosto.
A qualidade da imagem fará lembrar a de um filme e é por isso que há quem se refira à cerimónia como uma obra cinematográfica. A novidade está nos frames: filmagem em 24 frames por segundo, em vez dos habituais 30, detalhe suficiente para dar à emissão um ar de filme e não de comum programa televisivo.
A opção tem sido entendida como uma maneira de oferecer um produto diferente, acima da TV comum e mais ainda da lógica pixelizada das videochamadas, que tão populares se tornaram desde a chegada da pandemia ao ocidente. Uma forma de valorizar a emissão dos Óscares face a experiências por Zoom mais ou menos falhadas, como a dos Globos de Ouro a 1 de março, em que o ator Daniel Kaluuya tinha o microfone desligado e não conseguia fazer o discurso de agradecimento como Melhor Ator Secundário.
Finalmente, os apresentadores da noite. Como tem acontecido nos últimos três anos, serão vários. Contam-se Joaquin Phoenix, Renee Zellweger, Brad Pitt e Laura Dern, vencedores anteriores. Harrison Ford, Rita Moreno, Halle Berry e o grande consagrado de 2020, Bong Joon-Ho, realizador de Parasitas, também devem subir ao palco.