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Parentalidade. “Quando as crianças estão agitadas ficam cegas e surdas”

Terapeuta norueguesa explica que o estado de agitação tem efeitos sobre o cérebro das crianças que ficam, literalmente, cegas e surdas. Não é teimosia — simplesmente perdem a capacidade de nos ouvir.

Dizem que é a bíblia dos pais do século XXI e que é este livro — “A Magia da Parentalidade” — que vai, finalmente, transformá-los naquilo que sempre quiseram ser. Quem tem filhos sabe que essa é uma ambição comum, até porque a parentalidade é uma tarefa muito mais fácil e romântica quando as crianças não passam de pequenos seres imaginários e adoráveis. O problema é quando se tornam reais e mães e pais fazem tudo aquilo que juraram nunca fazer. A privação do sono, a que nenhum pais ou mãe escapa nos primeiros meses (ou anos) de vida do filho, ou as birras que se seguem em catadupa antes do pequeno-almoço são momentos habituais do dia a dia de uma família, mas são capazes de transformar até o pai mais zen num Bruce Banner prestes a virar Hulk.

Mas há soluções para manter as pulsações em baixa, mesmo quando o seu filho de cinco anos demora 10 minutos a calçar uma meia. Pelo menos, é isso que promete Hedvig Montgomery em “A Magia da Parentalidade”, o primeiro de uma série de livros assinados pela norueguesa. Considerada uma guru no seu país, especialista em terapia familiar, Montgomery trabalha há mais de 20 anos com pais, ajudando-os a criar filhos mais felizes e saudáveis.

Com 51 anos e três filhos — de 9, 12 e 25 anos —, a terapeuta conta ao Observador, numa conversa por email, que o seu forte como mãe é a capacidade de compreensão e que, se mudasse alguma coisa na relação com os filhos, seria o tempo que dedica ao trabalho. Não rejeita a ideia de que ser mãe ou pai é um dos trabalhos mais duros da nossa vida de adultos, mas garante que, se olharmos bem, vamos sempre encontrar pedaços de magia no meio do caos. Defende que os pais deviam conhecer melhor as fases de desenvolvimento das crianças, já que isso iria ajudá-los a saber o que esperar, tornando a parentalidade bastante mais fácil. E deixa um alerta: atenção aos momentos em que perdem a paciência, porque há linhas vermelhas que não podem nunca ser ultrapassadas.

Hedvig Montgomery trabalha com pais há 20 anos. É considerada uma guru da parentalidade na Noruega (Janne Rugland)

Janne Rugland

Confessa que a maioria dos pais está cheio de conselhos inúteis e que só devemos confiar nas opiniões que fazem sentido para nós e ignorar as outras, mesmo quando chegam de conceituados especialistas. Com o tempo, promete, todos melhoramos as nossas capacidades parentais e seremos sempre mais capazes de educar o segundo ou o terceiro filho. O importante, com todos os nossos defeitos, é que as crianças percebam que são amadas e que a sua família é um sítio seguro.

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Esse é, aliás, o grande truque: “As crianças aprendem quando se sentem seguras, é nesses momentos que apanham uma série de coisas complicadas.” Nos outros, na altura do caos, o melhor é reencontrar o equilíbrio e deixar as lições de vida para mais tarde. O estado de agitação tem efeitos sobre o seu cérebro, ao ponto de ficarem, de certa forma, cegas e surdas. Não é teimosia, simplesmente perdem a capacidade de nos ouvir. “O que devemos fazer é apostar mais no que elas aprendem quando podem e tentar acalmar situações que deram para o torto, muito mais do que seguir a via do castigo”, aconselha. “Os castigos nunca são úteis para a criança, por isso não há necessidade de usá-los.”

“A Magia da Parentalidade” é o nome do livro em português. Mas para muitas mães, depois de lidarem com 20 birras, ou quando estão a passar pela privação do sono, nem sempre é fácil ver onde está a magia, não concorda?
Bem sei que ser mãe ou pai é um trabalho muito duro. Mas, no meio de tudo isso que diz, de repente, olha e vê o seu lindo filho ou filha a brincar, a dizer algo fantástico ou apenas satisfeito e sente uma onda de amor. Esse momento é pura magia, e eu tento dar aos pais ferramentas para criar e reconhecer esses momentos com mais frequência.

Mas a magia existe, de facto, na sua opinião?
Sim, existe em todas as famílias. Podemos aumentar a quantidade de magia na família, mas a vida não vai ser sempre mágica. Se assim fosse, os nossos filhos não aprenderiam a lidar com a vida real ou com todas as dificuldades que têm de enfrentar. E nós nem saberíamos que existe magia. Para ver os momentos mágicos, temos também de experimentar o outro lado.

Se a parentalidade fosse fácil, não seriam precisos tantos livros sobre o tema. Ser mãe é das tarefas mais difíceis da nossa vida e no seu livro diz que todos os pais com quem falou em algum momento erraram. Não há famílias perfeitas? É importante percebermos isso?
Ser humano é difícil, criar um filho é ainda mais difícil. Quando vivemos em conjunto com alguém, essa proximidade faz com que o atrito aconteça, seja qual for o relacionamento. Mas, enquanto pais, somos responsáveis pelos nossos filhos. Nós podemos resolver os problemas, eles não. Saber que as armadilhas existem torna mais fácil sermos responsáveis e ajuda-nos a lidar com os nossos próprios erros.

Como foi consigo e com os seus três filhos — 9, 12 e 25 anos — de gerações tão diferentes? Sentiu a influência da década enquanto educadora? Há coisas que as nossas avós faziam e que nós não arriscamos repetir. Cada geração melhora o tipo de pais que tem?
Penso que cada geração comete os seus próprios erros, tem os seus ângulos mortos e tenta corrigir a educação das suas crianças. Nos anos 1950, os pais eram demasiadamente rígidos e as suas interações com as crianças eram pobres. A distância entre pais e filhos era enorme e os castigos físicos e psicológicos eram comuns. O resultado disto foram crianças inseguras com pouco contacto com os seus próprios sentimentos. Nos anos 1970, era dada mais permissão às crianças para brincarem e para serem elas mesmas, mas muitos pais esqueciam-se de tomar conta dos seus filhos da forma apropriada. Estavam ocupados a criar uma nova sociedade e a encontrar o seu próprio espaço dentro dela. O resultado? Crianças que se sentiam à parte e que tinham de lutar para criar ligações. Nos anos 1990, apercebemos-nos da importância de proteger as crianças de acidentes e começámos a tornar os parques infantis mais seguros e começámos a preocupar-nos mais. As crianças não eram autorizadas a tentar e a falhar e isto resultou em crianças com medo de cair e de falhar. As crianças superprotegidas sentem que não podem fazer nada, e isso faz com que o seu mundo se torne mais pequeno. Hoje em dia, penso que vemos pais muito ocupados que querem fazer tudo bem, então acabam a fazer muitas coisas pelos seus filhos. Não deixam que as crianças tentem por si próprias porque não há tempo para isso. Por isso, acho que os pais de hoje são fantásticos, melhores do que nunca. Mas ainda temos de procurar os nossos próprios ângulos mortos. Acredito sinceramente que todas as gerações deviam tentar fazer melhor. E não, a avó nem sempre está certa. Mas faça-lhe perguntas na mesma, ela sabe sempre algo útil sobre a vida.

E enquanto pessoas, vamos ficando melhores pais? Ou seja, somos melhores pais do segundo filho do que do primeiro? Isso faz com que as mães de famílias numerosas estejam num patamar muito diferente das mães de filhos únicos?
Penso que a maioria de nós faz as coisas mais bem feitas da segunda ou da terceira vez. Lembro-me de que quando dei à luz o meu terceiro filho, pensei: “Uau, agora é que realmente sei como fazer isso!” Os pais em geral tendem a ser muito rígidos com o primeiro filho. Só com o filho número dois, ou três, é que aprendemos a deixar-nos ir, é com eles que aprendemos que todas as fases difíceis têm fim.

"Penso que cada geração comete os seus próprios erros, tem os seu ângulos mortos e tenta corrigir a educação das suas crianças. Nos anos 1950, os pais eram demasiado rígidos e as suas interações com as crianças eram pobres. A distância entre pais e filhos era enorme e os castigos físicos e psicológicos eram comuns. O resultado disto foram crianças inseguras, com pouco contato com os seus próprios sentimentos."

Escreve no livro que aqueles pais que dizem que na sua família é tudo maravilhoso já se esqueceram dos problemas. Esqueceram-se mesmo ou estão apenas a mentir?
Um facto divertido: quando me perguntam como era o sono do meu filho mais velho em bebé, costumo responder que foi o mais fácil dos três e que dormia sem problemas. Realmente é isso que eu sinto, e é isso que penso que é verdade. Mas quando encontrei os meus diários daquela altura, caramba, ele estava sempre acordado. Hoje em dia, ele é um jovem brilhante e para mim é quase impossível pensar nele daquela maneira. Por isso, penso que não mentimos, o que acontece é que aquele facto deixou de ser importante. E agarramo-nos aos momentos felizes — e isso é uma coisa boa.

Há falta de solidariedade entre os pais? Quando se fala de educar uma criança, todos vestem a pele do crítico e avós, cunhadas e amigas, todas têm a solução perfeita para o nosso problema.
Todos nós queremos falar sobre as nossas próprias soluções brilhantes e a nossa própria criança fofa. Os outros pais não veem necessariamente a situação em que estamos. Devemos tentar tratar melhor os outros pais e os seus filhos e perceber a situação deles antes de começarmos a falar da nossa.

Os outros pais estão cheios de conselhos inúteis?
Algumas vezes, sim. Todos nós estamos. O melhor que temos a fazer é só aceitar conselhos de pais e especialistas que façam sentido para nós.

Enquanto educadores cometemos a nossa dose de erros e não é fácil lidar com isso. No livro, diz que um mau pai é aquele que, depois de castigar o filho, pensa para si próprio: “Ele mereceu.” Esta é a pior justificação que podemos encontrar para o nosso erro? As crianças nunca merecem um castigo?
As crianças merecem que as tratemos bem, que as ajudemos e que lhes demos conselhos. Os castigos nunca são úteis para a criança, por isso não há necessidade de usá-los.

Então, até que ponto é que nos podemos zangar com os nossos filhos?
Todos nós nos zangamos de tempos a tempos, é apenas humano. Mas existe uma linha de que devemos estar conscientes e que nunca devemos ultrapassar. Gritar tão alto que a criança fique com medo de nós, agarrar o seu braço com tanta força que a magoe — essa linha é quando passamos de estar zangados para estarmos a magoar o nosso filho. Aí somos uma ameaça e somos potencialmente perigosos. A criança não terá respeito, terá medo dos pais. E ter medo é um sentimento solitário.

Diz que os castigos não funcionam e que são inúteis. Certo, mas o que funciona? A lógica de recompensa/punição está ultrapassada? Castigamos de mais as crianças?
Devemos dizer às crianças o que queremos que elas façam ou não façam, e não dizer-lhes o que é incorreto. Devemos ajudá-las quando estão aflitas, não mandá-las embora. Quando as coisas estão difíceis, devemos voltar a entrar em contacto com as crianças, não afastá-las ainda mais. Se procurarmos alternativas para a punição, vai valer a pena.

O medo é o pior inimigo dos pais?
Sim, o medo torna as pessoas solitárias em qualquer idade.

"Lembro-me de que quando dei à luz o meu terceiro filho, pensei: 'Uau, agora é que realmente sei como fazer isso!' Os pais, em geral, tendem a ser muito rígidos com o primeiro filho. Só com o filho número dois, ou três, é que aprendemos a deixar-nos ir, é com eles que aprendemos que todas as fases difíceis têm fim."

Defende no livro que não se educa quando as coisas correm mal, educa-se quando correm bem. Como é que isto se faz na prática?
As crianças aprendem quando se sentem seguras, nesses momentos apanham uma série de coisas complicadas. Elas vêm o que fazes, ouvem o que dizes. Quando as crianças estão agitadas, de certa forma ficam cegas e surdas. O que devemos fazer é apostar mais no que elas aprendem quando podem e tentar acalmar situações que deram para o torto, muito mais do que seguir a via do castigo.

Somos mais exigentes com as crianças do que somos com alguns adultos?
Definitivamente. Somos mais exigentes com as crianças do que com alguns adultos e elas ainda nem sequer têm os cérebros completamente desenvolvidos.

No livro, relata um momento em que um pai lhe perguntou se tem de ser sempre o adulto a adaptar-se à criança. É isso que acontece ou é isso que sentimos?
É apenas o que sentimos, as crianças adaptam-se imenso, muito mais do que conseguimos perceber. Viver em conjunto é adaptarmo-nos uns aos outros. Como pais, somos a parte responsável em criar um lar que seja bom para toda a família. Estamos no comando e isso, por vezes, é muito difícil.

Porque é que as crianças não cooperam mais com os adultos? Seria bastante mais fácil para nós se, de tempos a tempos, elas fizessem o que nós pedimos…
As crianças cooperam quando podem. Quando não o fazem há sempre uma razão. Talvez não sejam capazes de fazer o que pedimos porque é muito difícil, talvez tenham uma ideia diferente em relação à situação e não estejam a ser capazes de nos dizer o que estão a planear, talvez tenham sentimentos muito fortes sobre o assunto e não sejam ainda capazes de lidar com eles. Ou talvez estejam apenas com fome ou com sono, que na verdade são os dois principais motivos que levam as crianças a não cooperar. Só temos de tentar perceber o que se passa. Mas, ao mesmo tempo, não podemos esquecer que elas querem cooperar, que elas querem fazer o que é certo e querem ser amadas.

"Todos nós nos zangamos de tempos a tempos, é apenas humano. Mas existe uma linha de que devemos estar conscientes e que nunca devemos ultrapassar. Gritar tão alto que a criança fique com medo de nós, agarrar o seu braço com tanta força que a magoe — essa linha é quando passamos de estar zangados para estarmos a magoar o nosso filho. Aí somos uma ameaça e potencialmente perigosos. A criança não terá respeito, terá medo dos pais. E ter medo é um sentimento solitário."

Ao longo do livro fala do desenvolvimento cerebral das crianças, da inteligência, da forma como elas aprendem a lidar com as suas emoções de uma forma muito lenta, e de como em muitas das vezes em que nos desafiam, em que são teimosas, simplesmente não conseguem agir de outra forma. Os pais deviam aprender mais sobre estes aspetos do desenvolvimento infantil?
Sim, porque quando sabemos o que esperar acabamos por perceber melhor o comportamento das crianças..

Passamos 20 anos da nossa vida a educar os nossos filhos e somos testados diariamente. Quão importante é impor limites?
Estamos sempre a impor limites para manter a criança segura. Aonde ir (e não ir), quando ir para a cama, quando ir para a escola, etc. As crianças precisam disto, e precisam que os pais encontrem os limites apropriados para elas e para as suas idades — do princípio até ao fim.

Quando perdemos a paciência devemos pedir desculpa aos nossos filhos?
Sim. Pedir desculpa aos nossos filhos vai ensinar-lhes o que é errado e o que é certo, vai ensinar-lhes que são pessoas importantes para nós e vai ensinar-lhes o significado correto da palavra ‘desculpa’. E vai dar-nos a nós próprios a oportunidade de melhorar.

Escreve que vamos acabar a repetir os padrões de parentalidade que experimentámos com os nossos pais. Há alguma forma de quebrar o ciclo ou, inevitavelmente, vamos tornar-nos nas nossas mães, perpetuando os mesmos erros?
Sim, há uma maneira de nos tornarmos melhores mães — um dos passos no livro é “Melhore os seus próprios padrões”. E funciona, posso garantir-lhe que funciona, depois de trabalhar com pais há mais de 20 anos.

Há alguma forma de resumir os segredos para educar uma criança saudável e feliz?
Bom, tentar criar uma família, um lar onde todos se sintam bem. E saudar os nossos filhos com alegria todos os dias. Uma vez por dia, deixar que as crianças percebam pela forma como olhamos para elas, sorrimos para elas, que são pessoas fantásticas na nossa vida. Sentir-se bem-vindo todos os dias faz uma grande diferença.

"As crianças aprendem quando se sentem seguras, nesses momentos apanham uma série de coisas complicadas. Elas veem o que fazes, ouvem o que dizes. Quando as crianças estão agitadas, de certa forma ficam cegas e surdas. O que devemos fazer é apostar mais no que elas aprendem quando podem e tentar acalmar situações que deram para o torto, muito mais do que seguir a via do castigo."

A Maria Montessori [pedagoga italiana, 1870-1952, inventora do método Montessori] dizia que quando fazemos algo por uma criança que ela pode fazer sozinha estamos a desrespeitá-las. Concorda?
Maria Montessori era uma mulher muito sábia e está certa também nessa ideia. Temos de dar espaço e tempo às crianças para crescerem, para fazer o seu melhor. Aí, e apenas aí, elas irão revelar-se.

Que tipo de motivos levam as famílias até ao seu consultório nos dias de hoje? São as mesmas de quando começou a trabalhar?
É uma pergunta difícil. Diria que a resposta, de uma forma global, é que são os mesmos motivos. Mas eu vejo mais crianças stressadas, mais crianças com medo de não serem boas o suficiente. E são-no, absolutamente.

Que tipo de mãe é? Mudava alguma coisa?
Penso que a minha força é a minha compreensão. Põe-me numa posição de ser capaz de ajudar quando a vida está a ser difícil para os meus filhos. Para todas as crianças, a vida será difícil de tempos a tempos. O que faz a diferença é existir alguém que está lá com eles, para os compreender e lhes dar conselhos. Sou boa nessas situações. Desejava passar menos tempo a trabalhar.

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