Considerado pelos amigos como um homem autêntico, sólido e sempre ao ataque, Paulo Morais é acusado de ter um “discurso fácil” e “demagógico”, conseguindo “um nicho de mercado” na denúncia da corrupção em Portugal. Entrou na política aos 16 anos quando integrou a JSD de Viana do Castelo, foi número dois de Rui Rio na Câmara do Porto e é uma das vozes mais ativas em Portugal pela transparência nas instituições públicas. Agora, decidiu concorrer à Presidência da República e apresenta a sua candidatura este sábado. Amigos ou menos amigos, a opinião sobre Paulo Morais é consensual: é um homem amável, mas não é uma pessoa fácil.
Desde muito novo, Paulo Morais diz ter admirado a organização dos países nórdicos, lendo Olof Palme, antigo primeiro-ministro sueco, e Eduard Bernstein, precursor da social-democracia. Nascido em Viana do Castelo em dezembro de 1963 (tem 51 anos), o agora candidato a Presidente da República discutia política em casa com o pai – industrial na região e filiado no PSD -, mas diz que isso não o influenciou nas suas escolhas políticas. “Vivíamos no pós-25 de abril, eu rejeitava as ditaduras de esquerda e de direita e identificava-me com o que estava no centro, e neste caso era o PSD”. Integra assim a JSD e é contemporâneo de muitas das atuais figuras cimeiras do partido: Pedro Passos Coelho, Pedro Pinto, Carlos Pimenta, Miguel Macedo, Rui Rio.
Carlos Brito, presidente da Alfândega do Porto, lembra-se de ter conhecido Paulo Morais em 1985 na casa de António Paulo Vallada, então presidente da Câmara. Brito era na altura o vice-presidente da Câmara e Paulo Morais, já estudante universitário no curso de Matemática, era o presidente da associação de estudantes da Faculdade de Ciências do Porto. “O interesse pelos outros já existia na juventude e manteve-se no pensamento de adulto. Ele tinha muita vontade de se doar à causa pública e coletiva. Não tinha visão oportunista do poder”, garante Brito, também militante do PSD. A amizade manteve-se ao longo dos anos e por ironia do destino acabaram por ocupar o mesmo lugar na política da cidade.
Em 2001, e segundo o Observador apurou junto de fonte da estrutura do PSD no Porto, Paulo Morais foi uma escolha pessoal de Rui Rio para ser o seu número dois nas listas da coligação PSD/CDS à Câmara Municipal. Desde 1999 que se tinham vindo a aproximar num Conselho Consultivo promovido pelo PSD/Porto que congregava os militantes mais prestigiados daquela estrutura como Miguel Veiga ou Couto dos Santos e alguns independentes. Professor universitário e com conhecimento do partido, Paulo Morais integrou este conselho e a consequente preparação da candidatura de Rio – o programa da candidatura foi redigido por Paulo Rangel e Paulo Morais ficou encarregado de coordenar as propostas da Área Social.
O social-democrata diz que só aceitou o convite porque achava que ia perder e admite que só foi convidado por esse mesmo motivo. “O combinado era que eu manteria o meu trabalho e como vereador sem pelouro, já que o PS ia ganhar. Iria uma vez por semana às reuniões de câmara denunciar a corrupção que por lá se fazia, participando também nos trabalhos dessas reuniões”, afirma o matemático ao Observador, garantindo que na altura, a cidade até então governada por Fernando Gomes “estava totalmente capturada por interesses imobiliários”. Mas, contra todas as expetativas, a coligação “Pelo Porto Sempre”, ganhou.
Um vereador com uma missão
Antes mesmo da tomada de posse, Carlos Brito disse que sabia que Morais ia “encontrar dificuldades”. “Falámos e eu disse-lhe que já Almeida e Sousa, antigo presidente da Assembleia Municipal nos anos 80, tinha feito um discurso sobre corrupção na câmara, uma situação, que com a minha própria experiência eu podia confirmar”, disse ao Observador Carlos Brito. Na Câmara Municipal, Paulo Morais quis melhorar a habitação social, levando a cabo várias demolições de bairros problemáticos, e prometeu até demitir-se caso não conseguisse tirar da rua todos os arrumadores de carros que havia nas ruas do Porto, encetando uma parceria com o Ministério da Saúde para reabilitar os arrumadores com problemas de dependências e dar-lhes novas competências – a equipa era coordenada pelo psiquiatra Carlos Mota Cardoso, que escreveu recentemente o livro “Raízes D’Aço”, que traça o perfil de Rui Rio.
Mas, no PSD, as coisas não corriam bem. Durante a sua vereação, Paulo Morais falou de forma crítica sobre a gestão dos interesses na Câmara Municipal, referindo mesmo que os partidos políticos são “bandos de assalto ao poder”, uma referência “injusta e desagradável” que não caiu bem no partido, segundo relatou ao Observador fonte da estrutura do PSD/Porto. “O Paulo sempre teve uma péssima relação com o partido no Porto, incluindo com os presidentes de junta de freguesia. Causou mal-estar em inúmeros episódios e o próprio Rui Rio reconhecia isso”, revela a mesma fonte ao Observador. Já Carlos Brito defende o melhor serviço que se pode fazer ao partido é “desempenhar bem a função para a qual se foi eleito” e que “o resto são negócios de mercearia política”.
“O urbanismo em Portugal dá mais dinheiro do que o tráfico de droga”, afirma Paulo Morais.
A situação agravou-se quando a saída de um vereador fez com que Paulo Morais assumisse o pelouro do urbanismo. “A forma como ele implementava as políticas era incorreta e não respeitou os compromissos feitos pelo antecessor”, diz ao Observador o vereador do PCP, Rui Sá, que na altura estava encarregue do Ambiente. Já o PSD defende que Paulo Morais não aprovava nada “porque podia haver alguma coisa errada”, congelando o trabalho do seu pelouro. Morais defende-se, dizendo que considera essa afirmação um elogio. “Havia prioridades, nomeadamente na recuperação dos edifícios da Baixa. Quanto ao resto, seguia uma linha normal. Se cumpria os requisitos, as obras eram aprovadas de imediato, se não cumpria era recusado. Comigo não havia lugar a negociações”, afirma, dizendo que não diferenciava entre alguém que fizesse obras no T1 e uma grande empresa de construção que quisesse construir um prédio de oito andares.
Rui Sá diz que, apesar das discordâncias políticas, sempre manteve uma relação cordial com Paulo Morais. “Que eu saiba, nunca transgrediu nem cedeu a facilitismos, embora eu não ponha as mãos no fogo por ninguém. A certa altura estava a ser um empecilho ao funcionamento da câmara. Sei que houve coisas que Paulo Morais chumbou e depois foram aprovadas”, afirma o comunista. Paulo Morais diz que quando se começou a delinear o plano para as eleições autárquicas de 2005, “não havia entendimento entre ele, Rui Rio e o PSD”. Mas em entrevista à revista Visão, quando já estava fora das listas e em plena campanha eleitoral, Morais largou uma bomba, afirmando: “Rio não tira o sono aos interesses instalados”.
Dez anos depois Paulo Morais diz que não tira “uma vírgula” àquilo que disse na entrevista. Contactado pelo Observador, Rui Rio não se mostrou disponível para falar até à publicação deste artigo.
Paulo Morais continuou um militante ativo dentro do PSD depois desta rutura, tendo sido eleito presidente da Assembleia Municipal de Ponte de Lima em 2009 e até apoiou Pedro Passos Coelho na campanha para as legislativas de 2011. No entanto, desfiliou-se em 2013. “Abandonei o partido quando verifiquei que não era regenerável”, afirma.
Luta quase solitária: Batman e Robin
Paulo Morais diz ter-se deparado com a corrupção e com os seus efeitos quando esteve à frente da associação de estudantes da Faculdade de Ciências do Porto. Embora não entre em detalhe sobre a situação em si, disse que se tratavam de irregularidades de gestão nos serviços sociais do Porto. A partir daí e consciente desses temas, afirma ter sempre continuado a falar abertamente sobre corrupção, até porque julga que a denúncia da corrupção está ligada à liberdade de expressão, não se privando de falar destes temas dentro do PSD, nomeadamente a acumulação de cargos públicos e privados. “Fiz as denúncias que tinha a fazer nos órgãos próprios do partido, não falei individualmente com as pessoas porque não sou pai deles”, constata.
“Por ele ser matemático e simplificar o discurso, que se torna fácil para a compreensão do público em geral, conseguiu chegar a muitas pessoas, quer em conferências, quer em programas de televisão, quer em jornais. E algumas elites pensam que tem discurso fácil”, afirma o investigador Luís de Sousa, presidente da Transparência e Integridade (TIAC), associação afiliada na Transparency International e que fundou em conjunto com Paulo Morais em 2010 – Morais tem atualmente o seu mandato suspenso na TIAC. Conheceram-se no início dos anos 2000 e aproximaram-se por intermédio de Maria José Morgado, diretora do DIAP, e o fiscalista Saldanha Sanches, após Luís de Sousa regressar a Portugal com uma tese de doutoramento sobre corrupção. Amigos desde essa altura, Luís de Sousa afirma que Paulo Morais é uma pessoa que gosta de conviver, “como qualquer bom burguês do Porto”, gosta de bem comer, gosta de música e lê muito.
“O que lhe causa náusea brutal é o desperdício de recursos”, diz o investigador.
Ao Observador, Luís de Sousa questiona se os discursos de Mário Soares e Cavaco Silva também não se pautaram sempre por “ser fácil”, afirmando que Paulo Morais é condenado por falar sobre corrupção. “Estamos sempre a brincar e a dizer que somos o Batman e o Robin, ele é o Batman porque está sempre a bater e eu sou o Robin, porque sou mais suave”, diz Luís de Sousa. O investigador afirma que já recebeu chamadas de vários visados pelas acusações de Paulo Morais, pressionando-o a interceder junto do amigo para que se cale. No entanto, Luís de Sousa diz que a corrupção em si é, para Paulo Morais, “um discurso instrumental para conseguir melhorar a qualidade das instituições e libertar fundos para o desenvolvimento do país”. “O que lhe causa náusea brutal é o desperdício de recursos”, diz o investigador.
No entanto, há muitas críticas às denúncias de Paulo Morais devido à falta de provas, já que as investigações abertas no seguimento das suas acusações foram arquivadas. Mais recentemente, a Comissão de Inquérito a BES pediu a Paulo Morais que lhe fosse enviada uma lista que este afirmou ter em sua posse onde estavam detalhados os clientes dos créditos de alto risco que foram concedidos pelo BESA. Paulo Morais, disse em declarações à Renascença que Marta dos Santos, irmã do presidente José Eduardo dos Santos, teve um crédito de 800 milhões de dólares para desenvolver em Talatona um projeto imobiliário que teria sido promovido em parceria com o empresário português José Guilherme, o construtor que deu uma prenda de 14 milhões a Ricardo Salgado. Os documentos que chegaram à Assembleia foram cópias de jornais e da gravação de um programa de televisão em que Paulo Morais fizera as mesmas acusações.
As declarações públicas nas televisões e na sua crónica no Correio da Manhã têm-lhe valido vários processos nos tribunais. Paulo Morais diz que é vítima de “bullying jurídico”, mas recusa dizer por quem está a ser processado, embora admita que já foi ilibado em três processos de injúria caluniosa.
“Ele fala de forma desabrida, mas é uma pessoa sólida. É uma pessoa analítica e só fala quando tem os dados em cima da mesa. Ele expõe as coisas de forma clara e essa é a sua força”, garante João Paulo Batalha, atual diretor executivo da TIAP que conheceu Paulo Morais em 2010, aquando da fundação da Associação. João Paulo Batalha afirma que há um ano, Paulo Morais lhe disse que “lhe custava ver a degradação do país e a facilidade com que se falseiam dados no debate político” e que por isso, já tinha ponderado emigrar com a família – Paulo Morais é casado e tem cinco filhos.
Como será o Presidente Paulo Morais?
“Autêntico”, diz Carlos Brito. Considera que essa é a característica mais importante de um líder e acredita que Paulo Morais vai incomodar os poderes instalados e utilizar o poder de influência para “mudar as coisas que estão mal”. Mas avisa que Paulo Morais não é uma pessoa fácil.
“É claro que ele vai tomar posição sobre determinadas matérias. Vai maximizar os poderes de Presidente se vir que a rota se mantém sem alteração nomeadamente a estrutura montada para grupos económicos”, diz Luís de Sousa sobre como será Paulo Morais como Presidente. No entanto, o investigador diz que há algum radicalismo no discurso, admitindo já ter avisado Paulo Morais que “há tempo para a pomba e tempo para o falcão”, mas diz que isso não o impede de criar consensos e ser uma figura institucional – Luís de Sousa diz que Paulo Morais mantém boas relações com muitos políticos.
Um desses casos é Virgílio Macedo, deputado e líder da distrital do Porto, de quem é amigo. Apesar de preferir não fazer grandes comentários sobre Paulo Morais, o deputado afirma que não se conheceram no partido, e sim num MBA em Comércio Internacional que ambos frequentaram no Porto. Sobre Paulo Morais como candidato a Belém, o dirigente social-democrata disse apenas: “Considero que é uma pessoa séria e que tem preocupação grande pela credibilidade da vida política”.
Já outro membro da estrutura do PSD/Porto, que prefere não ser identificado disse que Paulo Morais “tem um ego muito grande” e que “gosta muito de mediatismo”. “Adora ir à televisão e encontrou um nicho de mercado na luta contra a corrupção”, afirma esta fonte ao Observador. Também Rui Sá considera que Paulo Morais quer “aproveitar o momentos para ter mais força” na luta contra a corrupção, adiantando que se Cavaco Silva foi Presidente, “qualquer pessoa pode ser”.
Para João Paulo Batalha, um dos aspetos mais úteis da candidatura de Paulo Morais é que “vem alargar o leque de candidatos”. A candidatura de Paulo Morais à presidência foi “repentina”, admite, mas compreende que para seja um “imperativo”. “Contacto com pessoas que travaram lutas pessoas contra a corrupção e o Paulo Morais fez isso na Câmara Municipal do Porto. Dois traços comuns a este tipo de pessoas são, por um lado, um certo isolamento, por outro, uma força de caráter que nasce com elas. Estas pessoas recusam-se a vergar”, diz João Paulo Batalha.