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Paulo Rangel está na estrada. Ao que vai e para onde vai, nem aos mais próximos confessa. Mas está na estrada. O eurodeputado, apontado com insistência crescente como o senhor que segue na liderança do PSD, tem estado particularmente ativo nas últimas semanas. Com o país político prestes a ir ou já a banhos, Rangel não se tem escondido e vai percorrendo o país a convite de vários candidatos autárquicos do partido. Não lhe têm faltado incentivos para avançar para a liderança do PSD, mas só o tempo dirá o que Rangel fará com esse capital político.
A lista de paragens é assinalável e os quilómetros percorridos também. Vila Nova de Gaia, 18 de julho. Valongo, 22 de julho. Fafe, também 22 de julho. Santa Maria da Feira, 23 de julho. Oliveira do Hospital, 25 de julho. E, finalmente, Santarém, 29 de julho. Onze dias, seis candidatos do PSD, os seis abençoados por Rangel. A corrida às capelinhas começou.
A intensa atividade política de Rangel não tem passado despercebida nos bastidores do PSD. “Está a mexer-se. Não é uma novidade para nós. Acha que isto vai correr mal e está a preparar o caminho dele. Pode ser que tenha uma surpresa no dias das eleições autárquicas”, antecipa fonte da direção de Rui Rio. “Quando houver eleições, e se decidir avançar, não sei se irá sozinho”, ameaça um dos homens de Montenegro.
De qualquer forma, verdade ou não, movimentos intencionais ou cumprimentos da praxe, o jogo de sombras está prestes a terminar: no final de setembro, a seguir às autárquicas, os homens de Rio e os putativos adversários internos de Rangel, que sempre desconfiaram das intenções do eurodeputado, saberão o que o move; Rangel, que sabe que as suas aparições incomodam tanto os homens de Rio e como os seus putativos adversários internos, saberá de onde vem os golpes.
Diz-me com quem andas
Até lá, a paz veste-se de podre. Sobretudo depois de Rangel aparecer ao lado de Luís Marques Mendes, em Fafe. Persona non grata para a direção de Rui Rio, o comentador e ex-líder social-democrata subiu ao palco do Teatro Cinema de Fafe e não se conteve nos elogios ao eurodeputado. Em três atos, Mendes disse apreciar em Rangel tudo o que já sugeriu que Rio não tem: firmeza na oposição, competência e pensamento político estruturado.
Ato 1: “Paulo Rangel tem três características que me merecem uma particular atenção, respeito e simpatia”, começou por enumerar Mendes. “É uma pessoa com coragem. Coragem de ter convicções, coragem de dizer coisas politicamente difíceis, coragem de fazer oposição coragem de ser politicamente correto. Parece fácil, mas não é fácil. E ele tem-no feito.”
Ato 2: “Paulo Rangel é uma pessoa competente. Em tudo o que se mete, em todas as intervenções que faz, há uma imagem de marca, de competência, de quem estuda o que faz. É a marca de alguém que trabalha com rigor, com profissionalismo, com sentido de responsabilidade. É disto que a política cada vez mais precisa.”
Ato 3: “É uma pessoa com pensamento político estruturado. Que sabe o que quer, que tem um pensamento aprofundado, estruturado e estudado. Não é fácil apanhá-lo em contradições. Alguém que tem um pensamento estruturado, segue um caminho, não anda aos ziguezagues. Não é nenhum cata-vento.”
Dias depois, no seu habitual espaço de comentário na SIC, e depois de Rui Rio ter dito em entrevista ao Expresso que não via sombra de alternativa capaz, Marques Mendes fez questão de enumerar todos os possíveis candidatos a candidatos sem esconder a sua aposta em dez palavrinhas. “O mais bem posicionado neste momento é provavelmente Paulo Rangel”. Estava consumado o derradeiro ato.
Rio (ainda) tem a chave na mão
Bem ou mal posicionado isso depende, essencialmente, de Rangel. Os que nunca gostaram de Rio suspiram por uma solução sólida. O rioísmo, se se concretizar a saída do líder, prefere tudo menos o regresso das tropas de Luís Montenegro. Rangel, por si só, tem um percurso político que lhe vale, pelo menos, alguma simpatia do partido. Não será um caminho sem tropeções, mas as contas de mercearia partidária não apontam para portas fechadas. Antes pelo contrário.
Esse, aliás, é o segredo mais mal guardado dos bastidores do PSD: se decidir avançar, Rangel terá sempre algum conforto nas quatro principais estruturas do partido — aquelas que decidem verdadeiramente as eleições. A distrital de Lisboa nunca esteve com Rio. No Porto e em Braga, o eurodeputado colhe muita simpatia. E Aveiro, teoricamente um porto seguro para Rio, pode ser disputada e rachada ao meio.
Antes disso, resta saber o que fará Rui Rio. O líder social-democrata ainda não deu pistas sobre o que fará caso tenha um resultado tímido nas próximas eleições autárquicas. As grandes apostas do PSD — crescer consideravelmente no Porto, disputar Lisboa, conquistar Coimbra — são metas cada vez difíceis de alcançar. Gaia, depois do drama com António Oliveira, está seriamente comprometida. Sintra, onde a estrutura do partido está desfeita em mil pedacinhos, idem, idem, aspas, aspas. Viana do Castelo e Leiria, onde o partido tinha, em teoria, hipóteses de fazer um brilharete, ficaram igualmente comprometidas depois dos recuos das estruturas, recusas, amuos e demissões das estruturas locais.
Baralhando e dando de novo: nas autarquias de maior dimensão e/ou nas capitais de distrito, a tarefa dos sociais-democratas será nuns casos difícil, noutros praticamente impossível. Mas falta muito caminho até lá e Rio não revela o jogo. O mantra é para manter: a única meta que interessa é crescer em número de presidências, vereadores e deputados municipais. Rio só fará as contas (ao seu futuro) depois de contados os votos.
Até lá, os sinais que o líder social-democrata vai passando são ambíguos. Alguns dos seus mais próximos garantem que Rio está inclinado a sair, cansado de um partido que não o compreende e de um regime que não tem vontade de se regenerar; outros juram a pés juntos que o líder está de pedra e cal e que só uma verdadeira hecatombe eleitoral o faria mudar de ideias.
Aliás, a forma como, em entrevista ao Expresso, disse não ver “nenhuma alternativa forte” à sua liderança e como falou abertamente sobre a possível saída de António Costa (e os efeitos dessa saída no PS) confundiu os primeiros e a animou os segundos. A verdade, como quase sempre, estará algures no meio.
Vai ou racha?
A indefinição condiciona Rangel (e não só). Entrar na roda sem Rio é uma coisa. Entrar na roda com Rio obriga a todo um outro ritmo. O eurodeputado ainda não tomou qualquer decisão e continua a fazer do tema tabu. Tudo a seu tempo.
Certo é que Rio nada fará para o empurrar para o trono da São Caetano. Em fevereiro, em entrevista ao Observador, o líder social-democrata ainda se permitiu juntar na mesma equação os fatores “sucessão”, “Paulo” e “Rangel”. “As pessoas escusam de preparar o que quer que seja para a seguir às autárquicas (…) Muitas das pessoas — e não estou aqui a falar diretamente para o Paulo Rangel — olham ao espelho e em vez de se verem assim próprias veem-me a mim, e depois dá errado. É isto”, atirou na altura.
Se não era para Rangel, parecia. Desta vez, na entrevista que o Expresso publicou este fim de semana, à pergunta sobre se Rangel seria um bom candidato, Rui Rio cortou a eito: “Não vou especular sobre isso“. Passaram largos meses desde a recusa do eurodeputado em liderar a candidatura ao Porto. Rio percebeu e compreendeu a decisão de Rangel, mas os homens da sua confiança nunca esqueceram. E nunca vão deixar de lembrar a desfeita do eurodeputado.
Aconteça o que acontecer, estatutariamente, os sociais-democratas estão obrigados a discutir a liderança do partido depois das eleições autárquicas, agendadas para 26 de setembro. O calendário, por isso, é cada vez mais curto — e a vida interna do PSD cada vez mais tensa.
Rangel que o diga. Em poucas semanas, o eurodeputado tornou-se alvo de uma campanha negra. Primeiro, com um vídeo colocado a circular nas redes sociais, gravado há vários anos, que acabou por gerar uma grande onda de solidariedade; depois, houve espaço para insinuações sobre a sua vida pessoal nos media nacionais. De onde veio o ataque, ninguém sabe. E todos desconfiam de todos. Mas que estes ataques resultam da guerra interna que se trava entre os sociais-democratas poucos têm dúvidas. Os dados estão lançados.
Calendário é para cumprir
Falta saber quem se vai sentar à mesa. Luís Montenegro saiu bastante amassado das últimas internas, mas não é carta fora do baralho — ele ou alguém da equipa que o acompanhou quererá fazer prova de vida. Miguel Pinto Luz vai querer fazer valer os quase 10% que conseguiu na primeira volta dessas eleições e reforçar a influência que tem no partido. Rio e Rangel, se quiserem de facto entrar corrida, terão de contar com outras sombras.
Elas, de resto, existem. Mas a ordem é para aguardar. “Não vamos dar razões a Rio para se vitimizar. Fez sempre isso. Desta vez, será diferente: os resultados que o partido tiver serão da inteira responsabilidade desta direção e do caminho que ele escolheu”, argumenta um dos homens que esteve com Montenegro nas últimas diretas. “Está quase a acabar. É esperar pelas autárquicas”, desabafa outro dos seus apoiantes.
O antigo líder parlamentar tem estado dedicado em exclusivo à sua vida profissional. Desapareceu praticamente do radar mediático e político e dele nunca mais se ouviu uma crítica direta ou indireta a Rui Rio e à atual direção. Tem o capital político de ter forçado o líder a uma segunda volta e de quase ter roubado o partido; em contrapartida, tem três derrotas nas pernas — conselho nacional, primeira e segunda volta das eleições — e muito desgaste acumulado.
Máquina para reagrupar terá; resta saber se tem vontade ou se permite que outro vá no seu lugar. Candidatos a candidatos não faltarão: o braço direito, Hugo Soares; o homem forte no distrito de Braga e futuro ex-presidente de Famalicão, Paulo Cunha; ou até Maria Luís Albuquerque, uma figura desejada por parte deste sector. Não faltam nomes.
Já Pinto Luz tem vontade para repetir a experiência e não lhe faltarão os apoios que o lançaram, em particular na distrital de Lisboa. Mas o calendário é para cumprir: primeiro as férias, depois a rentrée, por fim as autárquicas. A corrida a sério começa apenas a 27 de setembro.
Curiosamente (ou não) os três lados vieram a jogo nos últimos dias, depois de o PSD ter ajudado a aprovar o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Novo Banco que classificou de fraude política a resolução do antigo BES conduzida por Pedro Passos Coelho. Rio (aos jornalistas), Duarte Pacheco (no Expresso) e Hugo Carneiro (no Observador) vieram a público defender e esclarecer a posição do partido; Luís Campos Ferreira (pró-Montenegro) argumentou no Correio da Manhã que Rio tinha dado “uma autêntica bazucada no próprio pé”; e Pinto Luz, o próprio, escreveu nas redes sociais que Rio revelava “esquizofrenia” política.
Não faltarão outros protagonistas a tentar baralhar o jogo. Carlos Moedas, dependendo do resultado que tiver em Lisboa, terá voz no processo se assim o entender. Miguel Poiares Maduro, Jorge Moreira da Silva, Pedro Duarte, Miguel Morgado ou Pedro Rodrigues não deixarão de tentar influenciar o desfecho das próximas eleições. As aparições de Rangel e as reações que provocaram são apenas a antecâmara do que aí virá.