Gosta de ler sobre física teórica, ver vídeos de comédia e jogar golfe (embora admita ser “amador”). Até esta semana esteve longe da ribalta, com uma presença online discreta apesar de liderar uma das redes sociais mais populares do mundo atualmente. Shou Zi Chew, de 40 anos, estagiou no Facebook e agora é o CEO de uma das plataformas concorrentes: o TikTok.
Há quatro meses, quando lhe perguntaram quem era a pessoa que todos deviam seguir no TikTok, deu uma resposta que arrancou gargalhadas aos que se encontravam no DealBook, uma cimeira anual organizada pelo The New York Times: “Por favor, sigam-me a mim. Só tenho 10 mil seguidores.”
As respostas ao apelo foram chegando principalmente ao longo desta sexta-feira, um dia depois de ter sido ouvido no Congresso norte-americano. A conta oficial de Shou Zi Chew começou a manhã com 30 mil seguidores e terminou o dia com mais de 90 mil. Com o nome “shou.time” — numa possível alusão à expressão “show time” — o perfil conta apenas com 22 publicações, destacando-se o gosto pelo futebol americano, a presença no intervalo do Super Bowl estrelado por Rihanna ou uma viagem a Paris.
@shou.time Amazing @rihanna ! #superbowl #halftimeshow ♬ original sound - Shou
Casado e com dois filhos, de 6 e 8 anos e que não têm TikTok, lidera a rede social a partir de Singapura, país onde vive. Ainda assim, passou as últimas semanas em Washington para se preparar para responder aos receios dos deputados norte-americanos, que temem que a rede social (detida pela chinesa ByteDance) seja utilizada como ferramenta de espionagem ao serviço de Pequim. Pelo meio, ainda teve tempo de ficar “viral organicamente” depois de ter partilhado um vídeo seu na conta oficial do TikTok, onde dava conta de que existem mais de 150 milhões de utilizadores mensalmente ativos só nos EUA.
Singapura, o serviço militar obrigatório e a ida para a faculdade
Nasceu no primeiro dia de 1983, em Singapura. O pai trabalhava na construção civil e a mãe em contabilidade. Aos 12 anos começou a frequentar uma escola de elite depois de ter tido notas altas num exame nacional. Da infância e adolescência de Shou Zi Chew, que raramente dá entrevistas sobre a sua vida pessoal, nada mais se sabe.
[Ouça aqui o primeiro episódio da série de podcast “O Sargento na Cela 7”. A história de António Lobato, o português que mais tempo esteve preso na guerra em África].
Na linha do tempo que é conhecida do público segue-se o serviço militar obrigatório, ainda hoje uma realidade no país em que nasceu e cresceu. Um curso de sobrevivência de cinco dias nas florestas do Brunei é a experiência física que descreve como tendo sido a mais difícil da sua vida: teve que construir uma cabana, cozinhar inhame-selvagem e andar cerca de 88 quilómetros. Durante uma conversa com o The Wall Street Journal, recorda que, a certa altura, todos os que participavam no curso receberam uma codorniz viva que podiam matar com as próprias mãos, antes de a esfolarem e cozinharem. Shou Zi Chew recusou-se a dizer o que fez com a ave que lhe foi atribuída.
Durante os dois anos e meio que cumpriu serviço militar chegou ao posto de oficial. Mas ambicionava mais: “O problema de crescer numa pequena ilha é que se sente desejo de viajar desde jovem”. Por isso, deixou Singapura e rumou para outras paragens. Londres foi a primeira. Estudou economia na University College London, tendo-se licenciado em 2006. De seguida, conseguiu um emprego enquanto banqueiro na Goldman Sachs, multinacional financeira que viria a deixar anos mais tarde para mudar novamente de país.
A história de amor, os investimentos e a ByteDance
Os Estados Unidos da América foram a paragem seguinte. Aí esperava-lhe um mestrado na Harvard Business School, que começou em 2008 e terminou dois anos depois. Não tinha a certeza se voltar a dedicar tempo aos estudos “melhoraria ou atrasaria” a sua carreira, mas agora sente-se “feliz por ter escolhido ir”. E destaca, segundo o The Washington Post, um momento muito importante: “Foi lá que conheci a minha mulher”.
Shou Zi Chew conheceu Vivian Kao através do email quando ambos andavam na mesma faculdade e faziam estágios de verão, corria o ano de 2009. Ela estava numa empresa de energias renováveis, ele numa startup que viria a tornar-se numa gigante tecnológica: o Facebook (atualmente Meta). No ano seguinte, tendo já terminado o mestrado, começou a trabalhar para a empresa de capital de risco DST Global, conhecida por apostar em tecnológicas como o Facebook e o Twitter.
O nível médio de mandarim bastou para ser destacado como um dos funcionários da empresa focado no mercado chinês. Foi na DST Global que ajudou a coordenar um dos primeiros investimentos na ByteDance, que viria a criar o TikTok. “A ideia é tão simples, mas tão poderosa: olhar para o conteúdo não com base no que conhecemos, mas realmente com base no nosso próprio comportamento”, afirma Shou Zi Chew, que conheceu a empresa chinesa após estabelecer contacto com os seus fundadores Liang Rubo e Zhang Yiming.
Ficou na capital de risco durante cinco anos, período em que liderou um investimento na Xiaomi — a empresa que o contratou de seguida, aos 32 anos. Inicialmente, ocupou o cargo de chief financial officer (administrador financeiro) e, depois, passou a “dirigir as operações globais” da tecnológica (fora da China).
O tempo que permaneceu na Xiaomi é recordado por Hugo Barra, antigo executivo da tecnológica chinesa, em declarações ao The Wall Street Journal: “Ele é perfeitamente bicultural. É um ativo crítico para o executivo de uma empresa chinesa que tenta tornar-se uma empresa global.”
Como é que chega à liderança do TikTok?
Mesmo quando ainda estava na Xiaomi, Shou Zi Chew nunca perdeu o contacto com os fundadores da ByteDance, empresa em que está envolvido desde o início e onde tem ações. “Tive oportunidade de investir neles, tornámo-nos amigos e, aos poucos, como todas as boas histórias de startups, o produto foi ficando cada vez maior.”
É a relação “muito próxima” com os líderes da empresa chinesa que o leva a aceitar o convite para assumir o cargo de administrador financeiro em março de 2021, conta em entrevista ao programa “The David Rubenstein Show”. Porém, dois meses depois deixou a ByteDance para assumir o TikTok, que tinha ficado sem CEO após a saída de Kevin Mayer. O antigo presidente da divisão de serviços para o consumidor da Disney+ ficou na liderança da tecnológica apenas três meses devido ao que descreveu como um ambiente político “bastante mudado” com os esforços de Donald Trump para banir o TikTok.
Questionado sobre se imaginava chegar à liderança daquela que é uma das maiores rivais da Meta (empresa-mãe do Facebook, onde estagiou) garante que “não, absolutamente não”. A promoção a CEO do TikTok fez com que ganhasse, em 2021, um lugar na lista da Fortune dos 40 empresários mais promissores com menos de 40 anos. No perfil feito pela revista, Shou Zi Chew é descrito como um “estudante da Harvard Business School” que tem o “difícil trabalho de navegar na complexa cena política tanto da China como dos EUA”. Por sua vez, a rede social é descrita como “um grande sucesso junto dos adolescentes pelos seus vídeos curtos”, sendo “a aplicação mais descarregada em 2020, um ano em que as pessoas precisavam muito de se distrair da pandemia”.
As preocupações dos EUA com os alegados problemas do TikTok já existiam quando o CEO chegou ao cargo. Por isso, em junho de 2021 escreveu uma carta aos legisladores norte-americanos para garantir que a empresa era dirigida por “um singapuriano” e que tinha sede em “Singapura e Los Angeles” e não era dirigida pela ByteDance, com sede na China.
Quase dois anos depois, os receios dos norte-americanos permanecem os mesmos, mas, para Shou Zi Chew, um dos maiores desafios que a rede social enfrenta é “garantir que está a investir o suficiente, cada vez mais e mais em segurança” e na moderação de conteúdos.
Uma ida ao Congresso depois… é o novo fenómeno da internet?
No passado, Shou Zi Chew foi criador de conteúdos. É um “facto pouco conhecido” que revela na entrevista a David Rubenstein. Diz que tinha mais de 185 mil seguidores numa conta de TikTok: “Tive que passar por esse processo de aprender como me conectar com os meus seguidores e utilizar o produto, que adoro. Conheço a equipa há muito tempo”. Questionado sobre se ainda tinha esse número de seguidores, afirma que “essa conta era utilizada para vender produtos” e, desde então, passou a utilizar “uma mais pessoal”.
[Ouça aqui o segundo episódio da série em podcast “O Sargento na Cela 7”. Uma história de guerra, de amor e de uma operação secreta].
É essa conta pessoal que tem recebido milhares de seguidores nos últimos dias, depois de o discreto CEO se ter tornado no homem que dá a cara para defender o TikTok dos receios dos norte-americanos. Ouvido pelo Congresso no final da semana, os deputados mostraram-se pouco convencidos com as suas declarações, nomeadamente quanto ao facto de a rede social não fornecer dados à China. E acusaram-no, diversas vezes, de dar respostas ambíguas por parecer incapaz de utilizar apenas “sim” ou “não” quando solicitado.
A opinião dos membros dos Congresso — tanto de democratas como de republicanos — é seguida por Wall Street. Segundo o Business Insider, Dan Ives, analista da empresa de investimentos Wedbush, considera que o testemunho foi “um momento de ‘desastre’ que provavelmente catalisará mais apelos” para banir o TikTok nos EUA se a empresa continuar nas mãos da ByteDance. Por sua vez, Matthew Schettenhelm, analista da Bloomberg Intelligence, defende que o CEO não conseguiu fazer “novos amigos”, nem “mudar as ideias” de nenhum dos deputados, que continuarão a defender o bloqueio total da rede social.
China opõe-se “firmemente” à venda forçada do TikTok, que é pedida pelos EUA
A internet não parece ter a mesma opinião de Wall Street: vários vídeos da audição do Congresso ficaram virais no TikTok e hashtag “tiktokhearing” (audição do TikTok, em português) conta com mais de 94 milhões de visualizações. A questão que Richard Hudson, deputado representante da Carolina do Norte, coloca a Shou Zi Chew tem tido destaque (um dos vídeos conta com mais de um milhão de gostos): será que ao ligar o telemóvel a uma rede Wi-Fi para aceder ao TikTok, a empresa consegue aceder à localização da pessoa? Os utilizadores consideram, segundo o Insider, a pergunta confusa, uma vez que para utilizar a plataforma é necessária, à partida, internet.
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Um vídeo com várias fotografias do CEO — com um som viral que normalmente é utilizado para celebridades que são consideradas atraentes — também ficou popular, com mais de um milhão de visualizações e 300 mil likes. A publicação conta ainda com um comentário que tem recebido particular atenção: “Mais edições deste homem! Vamos dar-lhe o tratamento de Pedro Pascal”, escreveu uma utilizadora do TikTok, referindo-se ao ator chileno que tem feito furor nas redes sociais após protagonizar a série “The Last of Us”, da HBO, e “The Mandalorian”, da Disney+.
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