A hipótese de o movimento criado por Rui Moreira apresentar um candidato próprio à Câmara Municipal do Porto é tida como cada vez mais improvável até a nível interno. Filipe Araújo, vice-presidente da autarquia, era tido como um sucessor natural, mas dificilmente conseguirá mobilizar o que resta da equipa de independentes que ainda rodeia Moreira. Neste momento, a saída mais óbvia seria um acordo com os sociais-democratas que permitisse manter a representação da plataforma e construir uma frente de direita que impeça a vitória dos socialistas.
“O Filipe Araújo é um executivo competente, é um ótimo número dois, mas não me parece que tenha carisma e força política para encabeçar uma candidatura. Acho que não não tem condições políticas, nem pessoais para encabeçar uma candidatura”, lamenta uma fonte do próprio “Porto, o Nosso Movimento”. “É possivelmente o elemento mais leal, mais sério, mais confiável e tecnicamente mais bem preparado. Mas isso nem sempre chega para ganhar eleições. Não é Rui Moreira quem quer”, acrescenta outra fonte da plataforma de independentes.
A melhor solução para o movimento independente, argumenta-se, é conseguir garantir representação numa candidatura liderada pelo PSD e que seja uma frente de direita capaz de derrotar os socialistas — que, atendendo às informações que vão surgindo, podem ser liderados por José Luís Carneiro, Manuel Pizarro (velhos rivais) ou Eduardo Vítor Rodrigues, atual presidente da Câmara de Vila Nova de Gaia.
Resta saber quem pode encabeçar essa corrida em nome da plataforma de direita. Neste momento, há dois nomes que lideram a bolsa de apostas: Miguel Guimarães, antigo bastonário da Ordem dos Médicos e agora deputado social-democrata, e Pedro Duarte, escolhido por Luís Montenegro para ser ministro dos Assuntos Parlamentares.
Guimarães desempenhou um papel importante nas últimas eleições legislativas. Além de ter sido cabeça de lista pelo círculo do Porto, foi ele o maior símbolo dos independentes que Montenegro quis atrair para fazerem parte da Aliança Democrática. Durante a formação do Governo, chegou a ser apontando insistentemente como ministro da Saúde, mas acabou por ser preterido por Ana Paula Martins — e não terá ficado muito feliz com essa decisão. Como deputado, foi escolhido por Hugo Soares para ser o primeiro vice-presidente da bancada parlamentar e é um figura naturalmente respeitada na cidade do Porto.
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Por paradoxal que possa parecer, joga contra ele o trunfo que o fez tão importante na campanha para as legislativas: precisamente, o facto de ser independente. Mesmo que ninguém o admita abertamente, as estruturas do PSD/Porto prefeririam ter alguém que conheça bem o partido a um independente, com toda a dose de imprevisibilidade que traz na bagagem. Numas eleições em que existe a consciência, no PSD, de que não há margem para cometer erros ou experimentalismos, o estatuto de Guimarães pode ser um handicap.
Nessa linha de raciocínio, Pedro Duarte parte com franca vantagem. “Entre os dois, não tenho dúvidas sobre quem preferiria. Pedro Duarte daria um excelente presidente da Câmara do Porto”, diz ao Observador um influente dirigente do PSD no Porto. Ora, o Observador sabe que a hipótese de Pedro Duarte vir a ser candidato à Câmara Municipal do Porto não está de todo descartada, e a mera possibilidade agrada à plataforma que nasceu para apoiar Moreira. “Não só não acho impossível que deixe o Governo, como seria um excelente candidato e presidente da Câmara”, nota ao Observador um elementos do “Porto, o Nosso Movimento”.
Além de conhecer muito bem as estruturas locais, o que joga a favor do atual ministro, esta não seria a primeira candidatura autárquica do ministro, uma vez que em 2017 já tinha sido candidato à presidência da Assembleia Municipal do Porto. Ao mesmo tempo, é muito próximo de Luís Montenegro, com quem colabora há muitos anos, antes mesmo de o agora primeiro-ministro chegar à liderança do PSD. A somar a isso, teve sempre boas relações com os elementos que compõem movimento independente de Rui Moreira.
A forma como chegou a ministro dos Assuntos Parlamentares acabou por surpreender o próprio, que não tinha nos planos vir a fazer parte do Governo — como o Observador chegou a avançar. Luís Montenegro decidiu convocá-lo e conseguiu convencê-lo a integrar a equipa para desempenhar um papel muito próprio: com Hugo Soares no Executivo a desempenhar o papel de líder parlamentar combativo, cabe a Pedro Duarte fazer de polícia bom e manter todas as pontes intactas.
Pedro Duarte recebeu ainda como missão apresentar um programa de apoio à comunicação social, algo que deve acontecer até setembro/outubro. Nessa altura, o Parlamento começará também a discutir o Orçamento do Estado, onde se espera que o ministro desempenhe um papel importante. No caso de vir a ser viabilizado, evitada a crise política, e uma vez que Marcelo Rebelo de Sousa está impedido de dissolver a Assembleia da República a partir de junho de 2025, em tese, o papel como ministro estaria mais esvaziado. Nesse cenário, Pedro Duarte estaria livre para avançar para o Porto. Se assim quiser, claro.
Não é Rui Moreira quem quer
De resto, aos olhos de elementos do próprio movimento, Rui Moreira enterrou em definitivo qualquer aspiração que Filipe Araújo pudesse ter. Segundo a última edição do Expresso, que cita fonte próxima do ainda presidente da Câmara Municipal do Porto, o autarca não se vai meter no seu processo de sucessão e vai manter-se equidistante em relação aos possíveis pretendes — uma informação que não foi desmentida e que o Observador confirmou junto de fonte próxima do autarca.
Ora, sem a bênção de Moreira, o possível caminho de Filipe Araújo, já difícil pela circunstância de não ser Rui Moreira, torna-se ainda mais exíguo. Além disso, o próprio movimento independente, que Araújo lidera, dá há muito tempo sinais de se estar a desagregar. “Rui Moreira já o abandonou. E o movimento está muito dividido. [O vereador] Fernando Paulo demitiu-se e o Ricardo Valente [também vereador] já se tinha demitido. Não há movimento”, decreta um elemento que ainda faz parte da plataforma.
Depois, há uma evidência incontornável: por muitas aspirações que o movimento independente tivesse de se reorganizar em tornou de uma candidatura (a de Filipe Araújo ou outra), o risco de perder a corrida eleitoral é imenso. Para chegar ao poder, Rui Moreira gozava de circunstâncias extraordinárias: uma notoriedade invejável, o apoio assumido de Rui Rui (12 anos presidente da Câmara do Porto) e um PSD que tinha dificuldades em engolir a candidatura de Luís Filipe Menezes.
São circunstâncias que dificilmente se repetirão. Filipe Araújo não tem o reconhecimento de Rui Moreira e não há, neste momento, ninguém em condições de calçar os sapatos do autarca, criando uma onda semelhante àquela que permitiu a vitória do antigo Presidente da Associação Comercial do Porto e reconhecido adepto do FC Porto.
Além disso, mesmo que as estruturas do PSD no Porto não estejam exatamente unidas e de boa saúde, Luís Montenegro vai conduzir o processo com pulso de ferro a partir da sede nacional do partido. “O PSD é um partido de poder. Não vai deixar de apresentar um candidato próprio”, reconhece-se mesmo dentro do movimento independente. Recuperar a cidade do Porto é muito importante para a direção social-democrata, que não quer desperdiçar oportunidade de regressar ao poder doze anos depois. A hipótese de abdicar de uma candidatura própria para permitir uma candidatura independente é pouco verosímil. Para dizer o mínimo.