Na pastelaria Montiel, numa esquina do amplo largo onde fica a Câmara da Covilhã, Pedro Nuno Santos ganha um novo alento. Entra com a turba de jornalistas, jotas e PS local pelo estabelecimento adentro e em cinco minutos faz o pleno entre as mesas de quem está sentado a tomar o café da manhã nesta sexta-feira. Não há ali, naquele preciso momento, ninguém que lhe negue o voto e até um senhor sentado a um canto faz questão de se levantar para cumprimentá-lo e lhe prometer a cruzinha no domingo dia 10. “Estão a ver? Anda aí muita gente enganada“, atira o candidato animado aos jornalistas. Revela ao mesmo tempo a preocupação com o que os números vão mostrando. Por mais que tente dizer que não é nada disso.
Na caravana socialista parecem treinados para não esboçar qualquer tipo de preocupação com sondagens ou sinais de um país cansado com oito anos de socialismo. Sempre que a pergunta vai para as previsões e sensações, os interlocutores socialistas invariavelmente fazem uma de três coisas ou mesmo todas ao mesmo tempo: repetem “vamos ganhar” (quase em autoconvencimento); garantem que ainda está tudo em aberto, apontando a proximidade entre AD e PS; recordam que as sondagens se enganaram ainda há um mês, nos Açores, e também na campanha de Costa em 2022.
A memória socialista exclui, no entanto, o nervosismo miudinho que percorreu sistematicamente a caravana há dois anos, muito por causa das tracking polls que iam saindo diariamente na comunicação social insistindo num empate entre o PS de António Costa e o PSD de Rui Rio. O líder de então pedia, nos primeiros dias, mais notáveis, independentes e mais rua, para criar a dinâmica de vitória e a candidatura de Pedro Nuno quer seguir-lhe as pisadas nesta segunda semana de campanha numa caça pegada aos indecisos. Quanto à estratégia, vai sendo afinada ao sabor das tiradas que têm vindo de fora, ou seja, da AD.
“Esta semana vai ser forte”, confia um dirigente apostando na “forte mobilização” e na presença de “notáveis”. Na caravana compara-se até o movimento de agigantamento que será tentado a partir deste fim-de-semana ao que aconteceu, também a meio da rota, em 2022 — uma campanha cuja memória só se tornou doce para o PS a esta distância — e a agenda deste domingo é quase uma cópia exata do que se passou nessa altura: arruadas em Caxinas, Vizela e Guimarães.
Só não se repete o voto antecipado do candidato, mas é o dia dele no país e mesmo que o número de inscritos seja menor do que há dois anos, os socialistas acentuaram a agenda deste fim de semana a pensar precisamente nesses mais de 200 mil eleitores. “O Pedro Nuno apostou bem nesta sexta e sábado por causa do voto antecipado”, diz um dirigente ao Observador. Um dos cabeças de cartaz deste sábado é, aliás, António Costa. O ex-líder junta-se à caravana mais cedo do que alguns socialistas tinham antecipado ao Observador no início desta semana e não está excluído que possa voltar a fazê-lo mais à frente, por exemplo, na descida do Chiado.
É também o momento em que partido chega à zona mais litoral do país e com maior densidade populacional, onde o PS normalmente consegue dar prova de mobilização. Já o circuito da primeira semana pelo interior é mais desafiante para a paciência de qualquer líder (quanto mais um que tem a derrota como sombra) e isto porque atravessa distritos mais pequenos, com salas mais difíceis de encher o olho televisivo. Foi, no entanto, por este circuito, que a caravana foi recolhendo impressões locais relevantes.
No interior a fazer contas ao Chega e a testar a rua
Em Évora, Portalegre e Castelo Branco, por exemplo, trouxe a perceção dos dirigentes e militantes locais de pouca animosidade com o partido na rua e de sinais de forte crescimento do Chega. Uma dinâmica que dá alento aos socialistas quando pensam na disputa direta de lugares com o PSD. Onde há menos mandatos em disputa, por exemplo apenas dois, uma subida do Chega pode prejudicar diretamente o PSD, seja roubando mandatos diretamente (se tiver uma votação esmagadora), seja porque divide tantos os votos à direita que deixa o PS com o mesmo número de deputados no distrito que conseguiu em 2022 — o método de hondt (o cálculo matemático usado para a transformação de votos em mandatos de deputado) não é favorável aos pequenos, já que a proporcionalidade entre eleitos e eleitores é maior quanto menor é o círculo eleitoral.
Ainda que não tenha esbarrado com má vontade nos contactos de rua, o candidato socialista já encontrou quem lhe dissesse cara a cara que até gosta dele, mas não do último mandato, como aconteceu noutro canto de café, mas dessa vez em Vendas Novas. Pedro Nuno ainda voltou atrás, à mesa onde estava sentada a senhora que lhe tinha tocado na cicatriz, mas as câmaras e máquinas fotográficas atrás dele eram tantas que não continuou a tentativa de conversão.
Nessa quinta-feira foi o dia em que se entregou mais às solicitações a um candidato em campanha. Depois de nos primeiros dias ter evitado experimentar um saco de boxe numa incubadora de startups, em Leiria, onde também não quis provar grilos na startup The Cricket Farming, onde se usa a proteína do inseto em substituição da carne que normalmente faz parte da dieta nacional. Tinha um frasco de grilos desidratados e à pergunta “já experimentou?” respondeu com um “não” curioso, ainda que sem arriscar. Mas a partir do dia seguinte às 10h30 da manhã já estava ao balcão do Mercado das Bifanas, em Vendas Novas, a encher de mostarda o ex-líbris local acompanhado por meia cerveja.
E à tarde foi vê-lo correr sobre os carris da obra do corredor ferroviário internacional que vai ligar Sines a Caia para ser fotografado pelos repórteres de imagem na obra que reclama como feito do seu mandato como ministro das Infraestruturas. No dia seguinte, já na Covilhã, até já experimentava o reco-reco e o bombo da banda que nessa manhã veio dar um empurrão à arruada socialista entre o pelourinho e a câmara.
Na rua tem conversa fácil, ainda que curta com quem passa. Um “bom dia”, aperto de mão ou beijinho, e os votos de “felicidades”. Quando o interior do país à hora de trabalho não lhe dá “o povo” que tanto gosta de referir nos seus discurso, Pedro Nuno entra pelos estabelecimentos comerciais à procura dele. Seja no comércio seja na empresa de moldes de Leiria, quase sempre leva na boca para usar em qualquer conversa a experiência de “filho” de “gente de trabalho” de São João da Madeira.
Na Plimat, empresa de plásticos industriais, o socialista lembrava que também “cresceu no meio de máquinas” e ainda como gostava de brincar com as empilhadoras. Mas, apesar de mexer em tudo o que lhe vão pondo à frente, não repete a prática de infância com os carros que estão por ali espalhados para transportar material. Fica tanto tempo à conversa que passa a hora da ação seguinte e da agenda tem de saltar o centro paroquial Padre Bastos, em Peniche, e o contacto com idosos que entretanto já foram para casa.
Caça ao indeciso e ao centro que a AD tem deixado aberto
A expectativa socialista é, a partir daqui, multiplicar as interações do candidato e procurar transformar o que se viu pelo interior em magotes de gente nas ruas e comícios. O de sábado à tarde, no Porto, é um deles, com a caravana a colocar a fasquia muito acima, antecipando o maior comício destes dias. Segue à procura da onda que os socialistas pretendem encontrar ter nesta segunda e última semana de campanha, para criar a ideia de uma dinâmica de crescimento que pareça ir ao encontro de uma vitória eleitoral. E rezar para que a chuva, prevista precisamente para o litoral nestes dias, não estrague os planos — nesta manhã de sábado já fez estragos, ao desviar o contacto com a população na Praça da Sé, em Bragança, para dentro do café Flórida. O candidato entrou, mal se mexia dentro do espaço que ficou imediatamente cheio, saiu, ainda deu uns apertos de mão aos poucos apoiantes que estavam à porta debaixo de chapéus de chuva. O dele é verde e diz “Mais ação”, o slogan da campanha que nessa manhã acabou a ter de reduzir a sua atividade.
No discurso, Pedro Nuno já avisou que, nesta última semana, não vai deixar passar a “ideia” de que a governação do PS “foi uma catástrofe”. No palco dos comícios, onde claramente se vê mais à vontade, tem procurado fazer essa defesa, embora já sem referir o nome do antecessor na liderança do partido, e nesta semana vai ser mais frequente ver governantes em pista. No tempo da campanha oficial, a primeira ministra a ir a terreno foi Ana Mendes Godinho, no comício da Guarda, com Pedro Nuno Santos a contrariar a ideia de estar muito sozinho no terreno até aqui.
Pedro Nuno nas ilhas em campanha como Costa, mas com Costa a desaparecer do guião
A verdade é que nestes dias a rota tem sido muito a solo, apenas com a sua equipa direta, mais uns reforços do partido e o grupo de multimédia que o acompanha sempre, principalmente para ir compondo a imagem que o líder passa através das redes sociais. Em todas as plataformas e nesta semana final o mais que pode no terreno e a aproveitar aquilo que os socialistas veem como uma vantagem nesta fase: o espaço deixado aberto pela AD ao centro, com o extremar de discurso nos últimos dias (numa disputa clara com o Chega).
“A AD pareceu, nos últimos dias, estar mais à vontade para mostrar o que vai ser. O CDS tem sido muito vocal”, descreve um dirigente do partido que vê em tudo isto “uma boa oportunidade para o PS mobilizar os indecisos”. Abriu a “oportunidade para o PS desmascarar o suposto posicionamento ao centro”, acrescenta o mesmo socialista.
Nos últimos dias desta semana, sobretudo por Castelo Branco e Guarda (onde esteve esta sexta-feira), Pedro Nuno Santos não só ensaiou uma dramatização no apelo ao voto, ao dizer que o que “é a nossa vida em comunidade está em jogo” e que isso se vê quando “nas campanhas de rua, já depois das entrevistas e debates, se revelam as agendas na plenitude”, como também começou a explorar uma linha de intervenções apontada aos “jovens casais” a quem chegou até a acenar com uma proposta nova em folha ao prometer reduzir o horário de trabalho para quem tiver filhos que tenham até três anos de idade.” Não foi um acaso, estava planeado largar a novidade a dada altura da campanha e agora anda num carril duplo, na tentativa de manter os pensionistas consigo, ao mesmo tempo que alimenta essa faixa importante da população em início de vida.
Pedro Nuno tem feito o caminho tradicional de desvalorização das sondagens, a menos que se trate de fazer contas à esquerda, onde já as usa para dizer que esse lado político tem mais votos do que a AD e a IL juntas. O líder segue convencido que a AD terá problemas em governar e que Montenegro se fechou numa posição (a do “não é não” ao Chega) que traz problemas por duas vias: se não se coligar mesmo fica num pântano, se se coligar vai acabar por cair num pântano mais cedo ou mais tarde. Mas nas declarações que faz tem fugido a congeminações sobre o dia seguinte às eleições, garantindo apenas, num contraponto com a direita, que à esquerda há capacidade de “conversar” e “construir coisas em conjunto”.
E prepara-se para, na próxima semana, continuar a alimentar essa frente ao tocar numa memória feliz à esquerda. Quando regressar a Lisboa, esta terça-feira, vai fazer um comício na Aula Magna, o palco que recebeu, em 2013, o comício das esquerdas anti-troika, promovido por Mário Soares e que juntou PS, PCP e BE. Feliz para a esquerda e para si que, na altura pertencia aos jovens turcos que no Parlamento faziam oposição interna a António José Seguro e que estiveram na dinamização dessa iniciativa.