No quadro nacional não há político com mais vidas do que Pedro Santana Lopes, que deixou para a antologia política o famoso “vou andar por aí”, depois de uma curta e problemática incursão por São Bento e de uma estrondosa derrota nas legislativas de 2005. E andou mesmo — quando manter-se à tona parecia impensável — institucionalizando a prática que Pedro Nuno Santos se prepara também para agarrar. Há seis meses a recuperação política do socialista era motivo de dúvidas, depois do ok à polémica indemnização de Alexandra Reis esquecido numa caixa de mensagens ter agravado a sua já delicada situação, colocando interrogações à sua ambição política. Exceto ao próprio, que manteve o plano que quer pôr em marcha a partir de setembro. Sem pressas, pressões e a medir cada passo em direção à liderança do PS. Mas com o desafio de gerir uma longa espera pela frente.
Regressa ao lugar de deputado na próxima terça-feira e, por agora, sem ter de acelerar o passo, já que o primeiro-ministro promete não apear-se do mandato a meio, rumo a Bruxelas, convencido que não tem alternativa que não seja ficar até 2026. É com isso que está a contar Pedro Nuno Santos que, segundo fonte próxima, não tem “pressa nenhuma” e também tem feito saber que não tem “nenhuma razão” para um regresso hostil com a atual liderança. Os tempos serenaram entre o socialista que quer suceder a Costa e o líder em funções — que chegou a criticar abertamente a forma de gestão de empresas tuteladas pelas Infraestruturas no seu tempo como ministro.
Na direção do PS, a postura de Pedro Nuno na comissão parlamentar sobre a TAP foi, aliás, registada: “Foi bastante ao encontro do que se esperava que fosse”. Fonte do partido diz ter notado uma posição “pacífica” e a evitar o confronto com o Governo e António Costa. “Alguém que quer liderar o partido tem de perceber qual é a direção dos ventos. Há sempre uma coisa que não se pode pôr em causa: não podemos estar contra a direção dos ventos”, acrescenta ao Observador. Um apoiante de Pedro Nuno também diz que nas audições parlamentares por onde o socialista passou no último mês, na comissão de economia e na comissão de inquérito, “já demonstrou o tom sereno e sem qualquer tipo de acinte, que não há nenhum motivo para existir. É mais um para reforçar a posição do PS”, remata.
“Vamos indo e vendo”, comenta-se no círculo de Pedro Nuno quando a pergunta é sobre a postura que vai assumir neste regresso. Até porque a partir de setembro terá um espaço de comentário semanal na SIC Notícias, uma exposição que permitirá reconstruir a imagem pública depois dos desaires do último ano — faz agora um ano que foi forçado por Costa a um mea culpa público por se ter precipitado quando à localização do novo aeroporto de Lisboa — e que é ao mesmo tempo motivo de expectativa por parte do partido. “Uma das expectativas é saber e ele vai para a linha da frente. Num primeiro momento não sei se acontecerá, mas no médio prazo pode ser inevitável”, comenta um dirigente do partido.
Uma votação bicuda e fora das comissões sobre as áreas que tutelou
“Não creio que a curto prazo vá haver muitas ondas, ainda por cima o verão aproxima-se rapidamente”, diz um deputado. Nesta sessão legislativa já restam poucos plenários, embora Pedro Nuno ainda se cruze com um momento mais bicudo, o da votação do relatório da comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP onde é um dos especiais visados. Não terá ainda uma posição fechada sobre o que fazer nesse momento, segundo apurou o Observador, mas não seria o primeiro deputado a sair do hemiciclo para evitar uma votação delicada e o foco político projetado em si. Sobretudo quando o objetivo é manter-se “em paz e em sossego”, como ouviu o Observador de fonte próxima.
Ficará também para setembro a escolha da comissão parlamentar que integrará, sendo certo que o socialista não vai sentar-se em nenhuma que trate das áreas que tutelou: infraestruturas, comunicações, habitação, transportes, por exemplo. Nem estará disponível para assumir qualquer cargo de direção. A intenção é manter a discrição, o que quem o conhece antevê como tarefa hérculea, tendo em conta a atenção mediática que desperta, mas sobretudo devido ao seu próprio perfil. Um socialista usa a ironia para descrever essa postura: “Nunca gostou de atenção e sabe usá-la.” “Tudo o que fizer vai ter uma atenção brutal“, regista a mesma fonte.
“Regressa como king in waiting“, antecipa um deputado seu apoiante que acredita mesmo que Pedro Nuno Santos “volta ainda mais forte do que antes de se demitir”. Pronto a provocar “um terramoto parlamentar“, em que “todas as suas ações e palavras serão escrutinadas ad nauseam“. Outra fonte parlamentar pedronunista assegura que existe um “entusiasmo grande” no PS com o facto de Pedro Nuno Santos “voltar a ter um papel mais interventivo e presente” depois dos meses de recato: “A reação geral à comissão de inquérito foi extraordinária“.
Já o líder parlamentar, Eurico Brilhante Dias, é mais comedido na reação a este regresso: “Vai ajudar. Um bom quadro do partido faz sempre falta”, diz em declarações ao Observador.
Costa até 2026 permite gestão mais “distendida”
No círculo de Pedro Nuno Santos houve especial atenção aos desenvolvimentos da última semana sobre o dossier António Costa em Bruxelas em 2024. Para o socialista que todos apontam ao pós-costismo era importante ter mais tempo para preparar a sua alternativa de poder. “Tem de fazer o seu percurso, precisa de tempo“, diz um socialista seu apoiante que, sobre os próximos tempos, atira: “Há de andar por aí”. Mas sem pressas, até porque “quando alguém quer ir aos Jogos Olímpicos tem de ir às qualificações. Faz parte do processo”, acrescenta o mesmo socialista.
Mas há um ponto assente para Pedro Nuno, reforçado pelos seus apoiantes ouvidos pelo Observador: “Não vai ser primeiro-ministro sem ir a eleições”. Ou seja, numa saída antecipada de Costa, o socialista não estaria disponível para ser nomeado primeiro-ministro, mesmo que de forma interina — seria sempre temporário, já que o Presidente da República fez saber logo na tomada de posse de Costa que convocaria eleições se o primeiro-ministro saísse antes do termo do mandato. “Isso nem sequer é assunto”, diz o mesmo socialista.
[Já saiu: pode ouvir aqui o último episódio da série em podcast “Piratinha do Ar”. É a história do adolescente de 16 anos que em 1980 desviou um avião da TAP. E aqui tem o primeiro, o segundo, o terceiro, o quarto e o quinto episódios. ]
Certo é que esta indisponibilidade de Costa para assumir um cargo europeu em 2024 permitirá a Pedro Nuno Santos uma gestão do tempo “mais distendida”. “Sem pressas, sem stress, sem ansiedades”, como nota fonte próxima. Se tudo fosse antecipado para 2024, a preparação teria de ser feita de “outra maneira”, diz a mesma fonte, nomeadamente a gestão de apoios e das diferenças face ao atual líder e também a preparação do programa.
O plano estará na cabeça de Pedro Nuno Santos e prevê que, a determinada altura, o socialista comece a vincar uma visão de liderança partidária e de governação do país distinta da de António Costa. No seu círculo admite-se que, nessa perspetiva, uma coabitação mais prolongada do líder-Costa e do desejoso-líder possa ser mais delicada de gerir. Mas um dos seus apoiantes nega que Pedro Nuno possa comparar-se a outro putativo líder que, no passado, aguardou pacientemente a sua vez, António José Seguro, sem grande sucesso.
O ex-líder do partido não chegou a primeiro-ministro — tendo sido desafiado a meio do mandato por António Costa, numa luta intensa que dividiu socialistas em 2014 –, mas um apoiante de Pedro Nuno estabelece as diferenças: “Independentemente do desfecho, é incontornável nos próximos 15 anos. O que o distingue de António José Seguro, no caso de correr menos bem, é a personalidade, que não deixa ninguém indiferente. Este tem uma alma própria“, afirma, notando a ironia: “É um líder muito forte numa tendência minoritária no PS”. O objetivo de Pedro Nuno é aumentar essa massa de apoios, na esperança de que isso possa, um dia, transformar-se numa massa de eleitores. E que possa ascender do limbo político, deixando de apenas “andar por aí”.