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Imagine-se um cenário onde o PSD, em vez de eleger o líder em diretas e depois ir a congresso expor as divisões, organiza um congresso com salas temáticas para discutir o programa dos candidatos e, no último dia, todos os militantes (quem sabe até simpatizantes) votam no candidato a líder do partido…através de uma app. Ou de um site. Ou imagine-se que os deputados, em vez de serem eleitos em círculos distritais, como são hoje, passam a ser eleitos em círculos mais pequenos, ou através do voto preferencial, onde os eleitores ordenam, por preferência, os nomes dos seus futuros representantes.
Tudo está em cima da mesa: “O que não faz sentido é em 2019 o PSD estar dois dias num congresso fechado sobre si próprio a discutir questões que não dizem respeito ao país”. Modernizar e adequar o partido à linguagem do século XXI, assim como aproximar os eleitores dos eleitos, são as palavras de ordem. Pedro Rodrigues, ex-líder da JSD e ex-deputado, foi o nome escolhido por Rui Rio para presidir a uma comissão para a reforma do sistema político, do sistema eleitoral e do funcionamento do PSD, e está a equacionar todos estes cenários e mais alguns.
Em entrevista ao Observador nas vésperas de a comissão arrancar os trabalhos em pleno, diz que não parte para a reflexão com propostas fechadas e garante que a novidade é a abertura do debate a toda a sociedade civil. O conselho consultivo — uma espécie de clube de sábios –, é encabeçado por Francisco Pinto Balsemão e contará com nomes ligados à política e às universidades. O calendário é claro: de janeiro a maio/junho, antes de arrancar o clima eleitoral, haverá conclusões, para Rui Rio as acolher no programa eleitoral. “Não escondo que a minha expectativa é de que o PSD possa iniciar a próxima legislatura com o desafio sério ao PS para a reforma do regime”, diz, não fechando a porta à necessidade de uma revisão constitucional. Já quanto ao clima de guerra interna que se vive no PSD, Pedro Rodrigues acusa os críticos de falta de “lealdade” e diz que está convencido de que “a Rui Rio seguir-se-á Rui Rio”.
“O sistema político funciona numa linguagem que já não é a linguagem das pessoas”
Em outubro, o PSD anunciou a criação de uma comissão para fazer uma reflexão sobre o funcionamento do partido e do sistema político, em geral. A reforma do sistema político é um tema que volta e meia entra e sai da agenda política: o que é que o leva a crer que é desta que se vai mudar o sistema político e eleitoral?
O PSD é um partido popular, das pessoas, um partido que só tem razão de ser se estiver focado nos problemas reais dos cidadãos. E para o PSD estar próximo das pessoas tem de refletir o sentimento da sociedade. Foi nesse sentido que o presidente do partido criou, por exemplo, o Conselho Estratégico Nacional, com a preocupação de abrir o partido à sociedade portuguesa. E é também nesse sentido que vamos fazer esta reforma do sistema político, do sistema eleitoral e do PSD, porque entendemos que faz todo o sentido aproveitar esta oportunidade de abertura para fazer a reflexão não apenas nas sedes, não apenas na São Caetano à Lapa, mas abrir o partido às universidades, aos investigadores, a académicos, a pessoas que se preocupam com intervenção social. Esse é o princípio fundamental que estará na base de todo o programa que vamos desenvolver.
Mas porquê agora? É por o PSD estar na oposição?
Porquê agora? A questão é “porquê só agora”. Porque o diagnóstico que era feito há 20 anos mantém-se atual. O nosso sistema político foi desenhado em 1976, com a Constituição, depois foi revisto profundamente em 1982, e teve uns retoques em 1989. Portanto, o sistema eleitoral é um sistema que tem mais de 30 anos. E tudo mudou em 30 anos: houve uma revolução digital, as relações do cidadão com o Estado deixaram de ser relações de natureza vertical, passaram a ser relações de natureza horizontal, as pessoas agora funcionam em rede e o sistema político continua a funcionar na mesma lógica dos anos 80. Por isso é que não é para mim surpresa que as pessoas olhem para a lógica do sistema político e do sistema eleitoral e não se revejam nela. Porque o sistema político funciona numa linguagem que já não é a linguagem das pessoas. Portanto a pergunta não é porquê agora, é porquê só agora. De facto, a reforma tem sido sucessivamente adiada.
Tem sido adiada porque requer um consenso amplo.
Não é só por isso. Claro que é preciso um consenso amplo, mas não é só por essa razão. Em primeiro lugar, tem sido sucessivamente adiada porque o país tem-se ocupado apenas das questões urgentes, e não das importantes. E quando não se trata das questões importantes elas vão-se tornar urgentes. O país não pode olhar apenas para as questões do momento, tem de olhar para as questões estruturais da organização do regime. E isso aplica-se à reforma do sistema político, do sistema eleitoral, mas também da organização dos partidos. Eu estou no PSD há mais de 20 anos, e sempre me habituei a ouvir uma coisa extraordinária: o partido quando está no governo não tem tempo para tratar da sua organização porque está preocupado com o país, e quando está na oposição não tem tempo para tratar do partido porque tem de tratar de uma alternativa ao governo.
E uma coisa não impede a outra?
Com certeza que não. Uma coisa não impede, nem pode impedir, a outra.
E agora que o PSD está na oposição é o momento certo para fazer essa reforma interna?
Quem esteja preocupado com a saúde da democracia e dos partidos sabe que não há outro tempo que não este para tratar de um assunto que já devia ter sido tratado há 25 anos. Criar uma alternativa de nada serve se não formos capazes de tornar o sistema democrático atrativo aos olhos dos portugueses, esbatendo o fosso cada vez maior entre os cidadãos e os políticos.
Várias vezes se tentou fazer essa reflexão. O que é que está a ser feito de diferente agora?
É preciso reconhecer que esta discussão sobre o sistema político não tem deixado de estar no debate de forma mais ou menos intensa. Vai e volta, numa espécie de boomerang sem chegar a lado nenhum. A novidade é a assunção do compromisso de que é fundamental ser consequente com a apresentação de propostas concretas, e a convicção de que é preciso ouvir e envolver os portugueses. Esta discussão nunca foi feita com os portugueses, foi sempre nos salões da AR, nas sedes partidárias, nunca foi aberta ao país. E se há matéria que preocupa os portugueses é a do estado da democracia. Essa é a novidade.
Os casos das falsas-presenças no Parlamento e dos falsos-registos nas votações, que ocorreram na bancada do PSD, são exemplos dessa falta de saúde da democracia e dos partidos?
Não vou entrar em discussão de episódios. Não por serem desconfortáveis, mas porque muitas vezes os atores políticos se deixam enredar em pequenos episódios não tratando do que é estrutural. Alguém na AR está preocupado em discutir a qualidade e a natureza do mandato de representação parlamentar? Essa é que é a discussão que tem que ser feita. Mais importante do que o episódio A ou B – e claro que não concordo que se ande a assinar pelos colegas – , acho que não se pode esquecer questões essenciais como a responsabilização dos eleitos pelos seus eleitores. Faz algum sentido termos deputados que não têm qualquer relação com a região pela qual são eleitos? Não é que tenham de ser naturais da região, o que não faz sentido é que, sendo eleito por um determinado distrito, não expressem os anseios da sua região.
Está a falar de quê exatamente: devia haver voto preferencial? Círculos uninominais? O que é que pode ser feito para aumentar essa proximidade entre eleitos e eleitores?
Nós partimos para este debate da reforma do sistema eleitoral sem ideias preconcebidas e sem soluções mapeadas à partida. Mas há algumas coisas essenciais: é absolutamente crítico que haja uma maior aproximação entre eleitos e eleitores.
Como é que isso se faz?
Faz-se de várias formas e há vários modelos que podemos discutir. Mas a natureza do círculo eleitoral é uma questão que tem de ser discutida. Os círculos eleitorais hoje são os círculos distritais, cuja realidade social não corresponde à realidade em que foram constituídos. Provavelmente um dos caminhos pode passar pela redefinição dos círculos eleitorais: criar círculos eleitorais mais pequenos em zonas mais populosas, por exemplo. Se caminhamos para um sistema eleitoral com círculos uninominais ou com um circulo nacional e um sistema de círculos uninominais de compensação, ou se caminhamos para o sistema de voto preferencial, essa é a discussão que temos de fazer. Todos esses sistemas trazem um conjunto de virtudes ao nível da aproximação de eleitos e eleitores, mas também trazem preocupações.
Por exemplo?
Por exemplo a ideia dos círculos uninominais com um circulo nacional criaria na AR a ideia de deputados que representam círculos pequenos e deputados que representam o resto do país…
Deputados de primeira e deputados de segunda. Vê mais vantagem no sistema de voto preferencial, que o PSD de Passos Coelho defendia?
Precisamente. Os círculos eleitorais preferenciais são uma ideia virtuosa do ponto de vista do maior conhecimento dos candidatos e dos seus eleitores, mas também traz algumas perversidades. Aumenta, por exemplo, a concorrência interna dentro dos partidos. Porque aí a preocupação não é ganhar as eleições ao PS, mas ter mais votos do que o meu companheiro de partido que está na mesma lista do que eu. Traz também problemas ao nível do financiamento partidário… Como é que se financia a campanha dos candidatos? Hoje o financiamento partidário é dirigido aos partidos, mas se houver sistema preferencial os candidatos podem eles próprios ter o seu próprio financiamento? Há um conjunto de questões que têm de ser refletidas. Mas sem dúvida que o caminho tem de ser de aproximação de eleitores e eleitos, e uma questão que não colide com a Constituição é desde já a reconfiguração dos círculos eleitorais.
Mas este processo pode passar por uma revisão constitucional?
Veremos quais são as conclusões a que chegamos. O que acontecerá em concreto dependerá da oportunidade política e da avaliação que a liderança do partido fizer na altura. Mas não seria honesto não lhe dizer que tenho a expectativa de que esta comissão possa, não só oferecer ao PSD propostas sérias para o programa eleitoral, mas que sejam propostas que venham a ter consequência efetiva no início da próxima sessão legislativa com a apresentação de um pacote de medidas que possam reformar o sistema político e eleitoral.
Depois das eleições, há congresso para modernizar o PSD. Só depois se discute se Rio fica ou sai
Em que moldes vai funcionar esta comissão?
Esta comissão tem um lado executivo, que é presidido por mim, e depois tem um conselho consultivo, uma espécie de equipa de sábios, presidida pelo dr. Pinto Balsemão que será constituída por nomes ligados à política, mas sobretudo independentes ligados às universidades. A nossa preocupação será a de abrir a discussão o mais possível à sociedade portuguesa. Para isso vamos começar agora a desenvolver um conjunto de iniciativas nas universidades, vamos lançar uma plataforma colaborativa para a qual convidaremos a participação de todos os cidadãos que estiverem interessados em dar os seus contributos, recorreremos às novas tecnologias para suscitar o debate. Estando feito esse debate, iremos apresentar ao líder do partido as nossas conclusões, que ele depois verterá, se achar conveniente, no programa eleitoral do partido. Quais são essas conclusões? Ainda não sei.
E quando é que vamos ver essas conclusões?
Vamos finalizar esta primeira fase de seminários e conferências sobre a reforma do sistema político e eleitoral por volta do mês de maio, antes do início do calendário eleitoral, para nessa altura estarmos em condições de apontar caminhos. Relativamente à reforma interna do partido, essa vai ser mais demorada, porque além de ouvir os portugueses é preciso também fazer um trabalho político interno que vai começar a ser feito agora nas assembleias distritais do partido, nas concelhias, em grupos de trabalho descentralizados um pouco por todo o país. Lisboa vai ter já a partir de janeiro um grupo de trabalho só para pensar a reforma do partido. Vamos até maio/junho, fazer a discussão com as estruturas internas para logo a seguir às legislativas estarmos em condições de realizar um congresso estatutário para discutir seriamente a modernização do PSD.
Esse congresso estatutário será antes do congresso eletivo de janeiro/fevereiro de 2020?
O compromisso assumido publicamente pelo presidente do partido é que a reforma do funcionamento do partido é de tal modo relevante e importante na fase que hoje vivemos que faz sentido fazermos um congresso apenas para discutir os estatutos. Portanto, a minha expectativa é que esse congresso seja realizado imediatamente a seguir às legislativas e antes da discussão das diretas do PSD.
A janela temporal não é muito grande, se as eleições são em outubro e no início do ano termina o mandato de dois anos de Rui Rio…
Um congresso estatutário não tem de ser um congresso de dois dias, com todas as honras que os outros congressos têm. É apenas o culminar desta discussão que vai ser feita nas estruturas. Não creio que a organização de um congresso destes seja algo assim tão complexo que não possa ser entre as legislativas e o final do mandato do atual líder do PSD.
Portanto, poderia ser em dezembro, daqui a um ano.
Por exemplo, sim. Não estamos ainda preocupados com datas. A preocupação é que a reforma estatutária seja efetivamente feita. O partido precisa de se adequar às novas realidades sociais e às novas tecnologias, e é fundamental que faça essa discussão serenamente.
O que é que significa serenamente?
Significa que, primeiro, seja uma discussão que possa ter a participação construtiva das várias estruturas e militantes. E, segundo, que não seja contaminada com discussões de outra natureza, como a discussão sobre quem é o líder do PSD.
É possível separar as águas nesta fase conturbada em que o PSD está dividido no apoio ao líder?
É possível, claro que sim. De outra maneira não pode ser. O PSD tem de ter a capacidade de perceber o que é estrutural e o que é conjuntural. E o que é estrutural é a forma como nos organizamos, é a preocupação de voltarmos a ser um partido autárquico com uma base social local, coisa que fomos perdendo nos últimos anos. Há condições para fazer esse debate, mas a responsabilidade de o fazer é de todos.
Quando fala em mudanças internas no partido, numa reforma estatutária, fala em exatamente o quê? Acabar com as diretas? Abrir o partido a primárias com simpatizantes? Instaurar o voto eletrónico?
Eu apresentei uma proposta ao congresso deste ano, que passava pelo voto eletrónico, por primárias, referendos internos, que se adequa às minhas convicções. Claro que a proposta que vai ser apresentada no próximo congresso deverá ser o resultado dos contributos que vamos recolher. Mas uma coisa é clara: o PSD, como todos os outros partidos, está organizado numa lógica piramidal típica de início de século XX, onde as organizações eram centrais para que os cidadãos pudessem manifestar as suas opiniões. Agora o mundo mudou. O mundo já não vive numa lógica vertical, só na vida política partidária é que continuamos avessos a essas transformações. Tudo o que seja introduzir mecanismos de transparência dentro do partido, reforçar os mecanismos de referendo interno, tudo isso é positivo. Qual é a solução que se vai encontrar? Vamos discutir.
É um tema que está longe de ser consensual dentro do partido.
Às vezes parece que há dois PSD: o PSD do país e o PSD dos salões de poder, dos corredores da Assembleia, dos gabinetes…
…Da corte de Lisboa?
Se quiser, da corte de Lisboa como diz o dr. Rui Rio, embora eu ache que essa expressão não pode ser olhada de forma redutora. Também há verdadeiro PSD em Lisboa, mas de facto há muitas salas de restaurante em Lisboa e pseudo-elites em Lisboa. E o PSD real é um PSD que se preocupa com a forma como hoje sente dificuldade em chegar às pessoas. Aqueles que hoje criticam o dr. Rui Rio por dizer que chove num dia em que está a chover, eram os mesmos que estavam sentados à espera que o diabo chegasse subitamente e resolvesse o problema do partido. O partido tem problemas estruturais sérios, sim, mas são problemas que vêm de há mais de 15 anos, não são problemas desta ou da anterior liderança. São problemas que têm a ver com a dificuldade que o PSD tem de voltar a captar os setores mais dinâmicos da sociedade.
Isso é um problema do PSD ou dos partidos no geral?
É um problema do sistema, no geral. Todos os estudos o demonstram: há mais desconfiança com o sistema político, o surgimento de movimentos populistas é maior por todo o mundo ocidental, portanto não é um problema específico do PSD, nem específico de Portugal nem da Europa. Mas temos de enfrentar os problemas agindo sobre nós próprios: o PSD tem de se modernizar e reestuturar.
“O PSD deve iniciar a próxima legislatura com o desafio sério ao PS para a reforma do regime”
Gostava de ver o próximo líder do PSD eleito em primárias abertas a simpatizantes?
Gostava que o próximo líder do partido pudesse ser eleito por um maior número possível de portugueses que se revejam no projeto político do PSD. E gostava de ver o líder do PSD eleito através de mecanismos adequados aos novos tempos, como o voto eletrónico. Gostava que o próximo líder do PSD fosse eleito sem o espetáculo recorrente do pagamento massivo de quotas. Gostava que o próximo líder do PSD pudesse discutir o seu projeto político num congresso verdadeiramente participado e substantivo do ponto de vista político, que são coisas que já não vemos há muitos anos no PSD. É possível? É.
Como é que isso se traduz na prática?
Não estou a defender o regresso à eleição em congressos. Mas o PSD, desde que aprovou as diretas, não foi capaz de refletir sobre o instituto do congresso, e tem de o fazer agora. O congresso pode ser um espaço de debate setorial das políticas que o PSD quer apresentar ao país; pode funcionar com salas em simultâneo e depois com a apresentação de conclusões em plenário; ou pode decorrer antes da eleição do líder, num espaço de afirmação das propostas políticas dos diversos candidatos, e depois então seria a eleição, que podia ser em diretas ou primárias. Eu não tenho problema com as primárias desde que se regule de forma séria a forma como os simpatizantes aderem ao partido, como os ficheiros são sistematizados. Mas também há outra hipótese: o congresso pode decorrer e a eleição pode ser no domingo através de uma app, de um site, com prova de vida do eleitor, com certificação de assinatura. O que não faz sentido é em 2019 o PSD estar dois dias num congresso fechado sobre si próprio a discutir questões que não dizem respeito ao país.
Resumindo, nos próximos meses, até às eleições, vão debater e discutir a reforma do sistema político e do funcionamento do partido. A parte do funcionamento do partido vai culminar num congresso estatutário, e a parte da reforma do sistema político, culmina em quê?
A nossa responsabilidade é desenvolver uma reflexão séria e encontrar alternativas. Depois a decisão política sobre a forma como se operacionalizará cabe aos órgãos do partido. Não escondo que a minha expectativa é que o PSD possa iniciar a próxima legislatura com o desafio sério ao PS para a reforma do regime.
O PSD deve procurar esse entendimento com o PS, ganhe ou não as próximas legislativas?
Ganhe o PSD as eleições, ou ganhe o PS, a questão é a mesma: os partidos têm de se entender nesta matéria sob pena de que os cidadãos desacreditem ainda mais no sistema eleitoral e partidário. A questão estruturalmente não muda. O país continua a precisar de uma profunda reforma do sistema político e eleitoral, que deve ser o mais abrangente possível, não pode ser uma reforma do PSD ou uma reforma do PS ou uma reforma das esquerdas, tem se ser uma reforma do país.
A questão é que, se o PS mantiver os acordos à esquerda na próxima legislatura, fica mais difícil ao PSD fazer este tipo de reformas estruturais com o PS. Por isso pergunto: caso António Costa vença as eleições sem maioria absoluta, o PSD deve viabilizar o governo do PS para fazer essas reformas estruturais?
Caso o PSD não ganhe as eleições, e isso é algo que está longe de estar provado, cabe ao PS encontrar as soluções que entenda. Mas não quero entrar na confabulação de cenários dessa natureza, até porque a minha profunda convicção é a de que o PSD tem condições para ganhar as próximas eleições e que é preciso um outro governo.
Mas mantenho a pergunta: se não ganhar…
Se o PSD não ganhar as eleições, o PSD não deve deixar de defender de forma acérrima a necessidade de uma reforma do sistema político. E aí o PS é que tem de tomar decisões. Sobre a viabilização do governo, não vou falar disso. Estamos longe de imaginar qual será a configuração do Parlamento daqui a um ano.
“Não é com este ruído que o PSD se torna um partido votável”
Mas Rui Rio está obrigado a ganhar as eleições?
Qualquer líder do partido está obrigado a ganhar eleições, e o partido está obrigado a ajudar o líder a ganhar eleições.
Se não ganhar, a culpa será também de quem não ajudou o líder?
A minha leitura é clara: o país está uma situação bloqueante, os serviços públicos estão numa situação dramática, as instituições estão a atravessar uma crise profunda, as greves não param (eu não me recordo de nos tempos da austeridade dos governos de PSD e CDS termos tido um período com tantas greves, e greves tão críticas). E a direção do PSD está a tentar fazer o seu caminho: na discussão do OE fez mais de 100 propostas, e propostas extremamente relevantes. O PSD está a procurar propostas que vão ao encontro dos problemas dos portugueses. Rui Rio precisa de tempo e o partido tem de lhe dar condições.
No último Conselho Nacional, Rui Rio pediu mais tempo e ficou célebre a frase de que pode não ser à primeira, à segunda, à terceira, mas os portugueses vão perceber. O partido tem de lhe dar esse tempo se não tiver bons resultados eleitorais em 2019?
O líder do PSD precisa de mais tempo e o PSD precisa de tempo e de tranquilidade e de paz. Eu estou muito à vontade nessa matéria porque sempre que tive divergências assumi-as. Mas as lideranças alternativas não se ameaçam, não se proclamam: afirmam-se. E afirmam-se nos órgãos próprios e nos momentos certos. E este momento não é o momento da proclamação e da ameaça, este é o momento em que o PSD tem de impor o interesse nacional. E pôr o interesse nacional acima de tudo significa dar condições ao líder do PSD para que, não só afirme uma alternativa ao PS, mas para que o PSD seja votável.
O que é ser votável?
É ser confiável. Os portugueses têm que olhar para o PSD e considerar que há um projeto político alternativo, maduro, responsável, que pode reformar o país. Não é com ruído permanente que o PSD se torna um partido votável. Desde 2015 que o partido não está, numa sondagem, acima do PS. O PSD teve 20 p.p. abaixo do PS no verão de 2017, e na altura não ouvi os críticos de hoje dizerem o que dizem.
Mas a verdade é que a nova liderança não fez o PSD descolar nas sondagens. Se havia um bloqueio, esse bloqueio continua.
O problema é que o PSD se foi tornando irrelevante do ponto de vista eleitoral nas autarquias locais desde 2013, houve um desinvestimento nas câmaras municipais, houve uma certa lisboetização do partido quando o PSD é um partido popular, das pessoas. E há uma certa pseudo-elite que acha que o PSD é o partido dos corredores do poder e dos restaurantes de Lisboa. É o síndrome do gabinete, em que as pessoas vivem nos seus gabinetes, falam umas com as outras, e o mundo termina e começa na porta do gabinete. O país não é isso. Acho que a diversidade e a pluralidade cabem no PSD, mas têm que se afirmar de forma leal e nos sítios próprios. Esta coisa de nos escondermos atrás de espaços de intervenção meramente mediáticos sem conhecer verdadeiramente o que se passa no país é que não me parece que seja leal. Discordar não significa fazer o jogo do PS e alguns colegas meus parecem estar a fazer…
Os críticos de Rui Rio não estão a ser leais?
Acho que alguns críticos não estão a ser leais, com certeza. Não os vejo nos órgãos próprios do partido, não os vejo com disponibilidade para contribuir…
Está a falar de quem? Miguel Morgado?
Não vou pessoalizar. Mas vejo companheiros meus mais preocupados em desenvolver intriga e pequenos truques do que propriamente continuar a diversidade e a pluralidade leal típica do PSD, isso vejo.
Acha que o PSD se devia habituar a não triturar os líderes por perdem eleições, como disse uma vez David Justino?
O PSD não tritura líderes quando perde eleições. O PSD tem de facto uma cultura política de mudar de líderes mesmo quando não perdem eleições. Quando fui líder da JSD trabalhei com quatro presidentes diferentes do partido, e só dois foram a eleições. Marques Mendes e Luís Filipe Menezes saíram da liderança do partido sem sequer terem ido a eleições. Marcelo Rebelo de Sousa foi líder do PSD, mas saiu antes das eleições nacionais. O PSD tem de facto a cultura de que “o melhor líder é sempre o que não é”. Esta é uma cultura que torna a vida das lideranças difícil, mas também altamente estimulante. Um partido tão heterogéneo e plural como o PSD não pode ser um partido por natureza tranquilo, mas essa é a sua riqueza. O que aconteceu ao longo da história é que essas correntes sempre foram capazes de coabitar com lealdade.
“A Rui Rio vai suceder Rui Rio”
Os exemplos que me está a dar são todos de líderes que não chegaram a ir a eleições. Mas dos que foram, só Durão Barroso é que perdeu e se manteve.
Temos Durão Barroso, mas também temos Passos Coelho que, não tendo perdido eleições, não conseguiu formar governo, e o partido não discutiu a liderança. A leitura da história é importante para compreendermos as circunstâncias de hoje, mas raramente nos dá decisões para o futuro. As circunstâncias políticas hoje estão totalmente abertas. Eu estou convencido de que o próximo líder do PSD vai ser Rui Rio.
A Rio vai suceder Rio?
A Rui Rio vai suceder Rui Rio, independentemente do que suceda em termos de afirmação de alternativas à liderança. Parece que agora, de repente, há um conjunto de personalidades que se lembrou que devia ter sido candidato há um ano, mas não foi.
Vê-se como candidato à liderança do PSD no futuro?
Se me pergunta se me vejo a ter um papel no futuro do PSD, claro que sim, tenho um percurso que fala por mim.
A pergunta era mais direta que isso. No futuro vê-se como candidato a líder?
Se algum dia eu considerar que tenho as condições pessoais, académicas e profissionais estabilizadas, e se considerar que sou a pessoa mais indicada e mais bem preparada no meu partido para liderar, não o negarei. Mas se me pergunta se neste momento a minha reflexão vai nesse sentido, isso não vai. Neste momento estou profundamente convencido de que a pessoa mais bem preparada para ser primeiro-ministro é Rui Rio. Por isso estou ao lado do meu partido.
Em relação ao novo partido de Santana Lopes, preocupa-o que a Aliança possa prejudicar o PSD nas urnas?
A constituição de um novo partido no centro direita obviamente que traz desafios ao PSD, e negá-lo é negar a realidade.
E como é que o PSD os pode ultrapassar?
Voltando a afirmar um discurso de modernidade e transparência na vida pública, de reforma do sistema político, que possa situar o PSD nos descontentes e nos abstencionistas, e que possa afirmar um discurso que volte a captar a confiança dos 900 mil votos que perdemos de 2011 para 2015: classe média, empreendedores, famílias. Esses são os desafios do PSD, com ou sem Aliança.
A Aliança afirma esse discurso da modernidade e da renovação?
Acho que é muito cedo ainda para perceber o que é que a Aliança protagoniza e o que pode vir a significar, não conhecemos o programa ainda. Mas o PSD tem de fazer esse caminho da modernidade, com ou sem novos atores no centro-direita a surgir.
Sob pena de os partidos, como os conhecemos hoje, perderem relevância?
Os partidos políticos, como os conhecemos, têm dois caminhos: ou se modernizam, e se adequam à realidade social, ou são ultrapassados pela realidade.
O que é que significa serem ultrapassados pela realidade?
É um desconhecido que eu não gostava de viver. O surgimento dos populismos está aí, o crescimento de uma certa direita nada humanista está aí, portanto isso é um salto para o desconhecido que eu não gostava de viver.