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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Pedro Soares dos Santos, da Jerónimo Martins. "Geringonça? Foi nefasta para o país"

"Portugal faliu, goste-se ou não de dizer isto" e, agora, "parou nas reformas estruturais". Em entrevista na Rádio Observador, Pedro Soares dos Santos só não quis falar de um tema, um "tema triste".

Patrão dentro, dia de alvoroço na loja. Antes de entrar na redação do Observador, Pedro Soares dos Santos visitou a loja do Pingo Doce, que fica na mesma rua (João Saraiva, em Lisboa). O presidente-executivo garante que frequenta muito as lojas e defende que, quando deixar de o fazer, isso significa que está na hora de “ir embora”. É na loja que se reflete “tudo o que fazemos, todas as decisões que tomamos, todos os negócios que perspetivamos”.

Nessas visitas, tem fama de ser muito atento aos detalhes — que é como quem diz, às pequenas falhas. Tanto que a gerente da loja na rua João Saraiva não olhou a meios para garantir que tudo estava (milimetricamente) em ordem. E estava. Pedro Soares dos Santos, que se movia com o apoio de canadianas (resultado de uma queda que lhe está, nesta fase, a roubar três horas diárias em fisioterapia), percorreu os corredores da loja e deixou que o fotógrafo fizesse o seu trabalho. No final, à saída, voltou atrás quando se apercebeu que se tinha esquecido de se despedir da gerente da loja. E ainda lhe perguntou: “como estão a correr as douradas da Madeira?” (mais adiante o leitor vai perceber).

[Veja aqui o vídeo completo da entrevista a Pedro Soares dos Santos na Rádio Observador]

Uma vez no estúdio, o primeiro convidado para o programa semanal de grandes entrevistas na Rádio Observador — o “Sob Escuta” — Pedro Soares dos Santos falou de tudo: do “pouco” crescimento da economia do país, da “nefasta” solução política que existiu nos últimos anos e, ainda, partilhou a sua visão sobre o mercado da distribuição em Portugal. A chegada da Mercadona, a retalhista líder em Espanha? Eles são “fortes, são bons, mas nós também somos”.

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Soares dos Santos não se resguardou em palavras redondas. E só houve um tema “triste” onde não quis alongar-se (deixando, contudo, a promessa de um dia falar mais sobre esse tema “incómodo”).

Supermercados fechados ao domingo? O consumidor é que fica prejudicado

Está em cima da mesa a possibilidade de os supermercados em Portugal voltarem a fechar ao domingo. Trabalhar ao domingo é um “novo esclavagismo laboral”, como diz o bispo do Porto?
Eu penso que não. Trabalhar ao domingo ou não trabalhar ao domingo depende muito da evolução da sociedade e das necessidades que as sociedades têm — e que as pessoas têm para tratarem da sua vida. Nós hoje temos vidas muito intensas nas cidades. Muito trabalho muito intenso e, portanto, muitas vezes precisamos de tempo para tratar das nossas necessidades. E os dois dias de folga que podem ser ou durante a semana ou ao sábado e domingo realmente são necessários. Eu até penso que ao domingo deviam-se abrir mais serviços para apoiar aqueles que realmente têm uma vida muito mais intensa durante a semana.

Mas não deixa de ser um risco para a atividade da Jerónimo Martins, se acontecer, se supermercados voltarem a fechar ao domingo, isso é um risco para a capacidade da empresa de contratar mais e pagar melhor às pessoas?
É um risco principalmente para o consumidor. Porque tem menos alternativas, menos dias disponíveis para poder dispor. É muito importante principalmente que percebam que o Jerónimo Martins está aqui para servir o consumidor. E esse consumidor é que tem de ter a liberdade de escolher quando, onde e como é que se quer relacionar connosco. Não posso negar que se fechar ao domingo vai haver constrangimentos, vai ter de haver uma reorganização, vai ter algum impacto. Isso eu nunca posso negar.

Significa dispensar pessoas, eventualmente?
Eu não lhe posso adiantar isso, se isso vai acontecer ou não vai acontecer. Por exemplo, temos agora a experiência da Polónia, e não dispensámos ninguém. Mas que se tornou mais complexa a operação, e mais exigente, isso é verdade.

Em Portugal tem havido greves no setor, em que os sindicatos além de pedirem precisamente esse encerramento das lojas ao domingo, também pedem melhores salários e melhores condições no geral. São reivindicações possíveis neste momento?
O fecho ao domingo não há nada muito mais a acrescentar ao que eu já disse. As greves… tem havido greves, tem havido a convocação de greves, mas eu acho que sempre com muito mais cariz político do que propriamente um problema social, porque a companhia tem uma paz social muito grande e isso é muito importante para que isto seja visto. E algumas reivindicações podem fazer sentido mas isto está sempre tudo ligado à economia, à capacidade das companhias produzirem e essencialmente àquilo que dá para retornar a todos os intervenientes no processo.

Mas quando diz que as greves são essencialmente políticas está a dizer que não representam os trabalhadores?
Tem uma representatividade quase nula.

O primeiro entrevistado do "Sob escuta", na Rádio Observador, Pedro Soares dos Santos, presidente-executivo do grupo Jerónimo Martins. (FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVADOR)

FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVADOR

“Disseram que a dívida não era para pagar mas, depois, quem nos emprestou resolveu pedir o dinheiro”

Há pouco estava a falar da economia e que depende do crescimento da economia. A Jerónimo Martins considera que as perspetivas para a economia são muito moderadas no país. E disse para devíamos comparar o ritmo de crescimento na Polónia com o do nosso país. Estamos a crescer poucochinho?
Estamos a crescer pouco. Para o mundo onde vivemos… nós temos de olhar para o mundo como um mundo global. A nossa competitividade tem de ser vista não só a nível interno. Nós estamos inseridos no mundo, estamos inseridos numa competitividade de vários países e para essa competitividade realmente ser… para que Portugal cresça e solidifique cada vez mas, tem de crescer mais, tem de olhar para a meritocracia, tem de entender que realmente a importância do crescimento é fundamental.

Isso significa o quê, que as políticas económicas que foram seguidas não foram as mais corretas?
Eu acho que Portugal parou nas reformas estruturais. O país faliu, goste-se ou não se goste de dizer isto. O país faliu. Depois tivemos um processo doloroso, muito doloroso para todos, que foi o sair da troika, do controlo da troika e de todas as políticas que nos estavam a ser impostas. Conseguiu-se, com mérito das pessoas, com esforço da sociedade civil, em toda esta luta. Mas, depois, parou-se no tempo. E isto é o que me preocupa, porque há uma coisa que, no fim deste processo todo, não foi resolvido: a dívida. E com os níveis de dívida que existem a liberdade não existe para se fazer as políticas certas para os crescimentos. Porquê? Porque tem de se pagar a dívida e eu acho que isso vai ser o grande problema e o grande constrangimento que está a fazer com que Portugal não cresça.

Portugal parou nas reformas estruturais. O país faliu, goste-se ou não se goste de dizer isto. Há uma coisa que, no fim deste processo todo, não foi resolvido: a dívida. 

Mas importa ter dívida? Ainda no outro dia o antigo economista chefe do FMI dizia que nesta altura é errado preocuparmo-nos demasiado na dívida. Discorda dessa análise?
Discordo. Repare que disseram antigamente que a dívida não era para pagar mas depois quem nos emprestou resolveu pedir o dinheiro. E, depois, nós temos de cumprir. Tudo na vida tem de ser equilibrado. Pode haver dívida mas o país tem estar ciente que quem empresta o dinheiro, quer o dinheiro de volta. Nós temos de ter essa capacidade para pagar num prazo que seja considerado estável para todos nós e para não podermos voltar a uma intervenção ou à falência. E isso, para mim, é muito importante fazer isso. Até digo-lhe já: é mais importante do que o défice, porque poder ter a liberdade de escolher o que fazer é fundamental para o país e para todos nós.

E a política fiscal? Já classificou a carga fiscal em Portugal como uma extorsão, temos mesmo o Cristiano Ronaldo nas finanças?
Não sei se temos o Cristiano Ronaldo nas finanças. Há uma coisa que eu sei. Ele tinha que seguir esse caminho porque estava impedido de fazer reformas neste país. A coligação não lhe permitia fazer estas reformas ou olhar corretamente…

Foi só esse o problema?
Eu penso que sim, foi o maior problema porque o atual primeiro-ministro sabia muito bem o que é que tinha que fazer. Mas esta coligação impede completamente de implementar no país uma coisa que é fundamental — que é a meritocracia. E para a meritocracia que nós devemos olhar. E não fizemos as reformas estruturais. E por não as fazermos o nível de crescimento manteve-se baixo. E temos um problema enorme, andámos a pagar a dívida dos bancos, da má gestão dos bancos, goste-se ou não se goste. E esta foi a grande verdade de tudo isto. Eu penso que é isto. E estas eleições que aí vêm vai ser muito importantes para se definir realmente o que fazer.

A experiência da “geringonça” é para repetir? Foi melhor do que esperava?
Não, eu acho que foi nefasta para o país.

Porquê?
Porque não se fizeram as reformas, não se abordaram as coisas, verdadeiramente, sobre o ponto de vista do que é que temos de fazer.

"Esta coligação impede completamente de implementar no país uma coisa que é fundamental -- que é a meritocracia". (FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVADOR)

FRANCISCO ROMÃO PEREIRA/OBSERVADOR

Mas a aceleração de reposição dos rendimentos não foi uma questão, de certo modo, benéfica para a Jerónimo Martins?
Eu acho que isso é benéfico para todos. Mas não basta só repor, se não soubermos onde é que se vai buscar.

E falta essa parte…
E falta esta parte. E a verdade é que você fez isso e acho que se fez bem ir ao encontro das necessidades dessas pessoas. Mas não houve outras medidas para compensar a redução da dívida. E nós, goste-se ou não se goste, começamos a ver que essa fatura vai pesar no fim deste tempo. E vejo o que se está a passar com as greves, vejo que as pessoas começam a sentir que realmente deram-nos mais, mas tudo o resto começa a falhar. Gostava de ter visto a reposição dos salários, mas também gostava que o Serviço Nacional de Saúde não tivesse problemas, que a Justiça não protestasse tanto, que as greves tivessem baixado, que as pessoas tivessem transporte de um lado para o outro. Não deu para tudo. Mas as pessoas também não quiseram olhar para isto. Porquê? Porque estiveram muito mais preocupadas com questões políticas ou pensamentos políticos ou linhas políticas e muito menos com os reais problemas do país.

Mas foi prejudicial aquela ideia de que a austeridade tinha acabado?
Eu acho que foi. Foi precipitado. Foi antes de tempo.

E as pessoas sentiram isso como uma…
As pessoas começam a sentir que hoje realmente a austeridade não terminou tanto como eles pensavam.

E acha que é por isso também que existem as greves, porque acha que também se pinta uma imagem que depois é transmitida às pessoas de que as coisas estão muito bem e isso faz com que as pessoas depois queiram obter mais?
Eu acho que as pessoas sentem alguma frustração por não se ter atingido tudo como se previa. As pessoas começaram a realizar que afinal isto ainda está muito mais longe e com mais problemas do que nós pensávamos. Mas… quando um país faliu, sair dessa falência, as coisas demoram muito mais tempo.

Isso é uma mensagem que devia estar mais presente no discurso político?
Devia, muito mais presente.

Qual é que é o risco de não estar?
É criar frustrações, criar instabilidade, problemas sociais e, acima de tudo, desiludir as pessoas como sociedade – e isso é muito perigoso, quando as pessoas perdem a energia e a capacidade de acreditar que o dia de amanhã é melhor.

Gostava de ter visto a reposição dos salários, mas também gostava que a Saúde não tivesse problemas, que a Justiça não protestasse tanto, que as greves tivessem baixado, que as pessoas tivessem transporte de um lado para o outro. Não deu para tudo. 

E o que acha que vai acontecer no seguimento das eleições, com o PS talvez (ou previsivelmente) mais solto, é capaz de fazer as reformas que o país precisa ou entende ser necessárias?
Eu acredito que poderá fazê-lo. Acredito que, se houver uma maioria seja de partido for, haverá essa liberdade, força e capacidade de fazer algumas das reformas que sentem ser necessárias.

Liste três reformas que considere essenciais.
A reforma da saúde. Saber o que precisamos da saúde, o que precisamos da função pública, que função pública queremos ter, que Estado é que queremos ter – porque isto não é claro para mim. Não é claro que queiramos o Estado em todas as partes. E a outra é a da Segurança Social. O grande peso vai estar na Saúde, Segurança Social e Educação. É bom que façamos uma definição do que queremos disto para os próximos 10 ou 12 anos, para que possamos depois olhar para todo o resto de uma forma muito mais segura.

Mas será, por exemplo, a Segurança Social um tema quase tóxico? Isto porque quando se toca nele tendencialmente perde-se votos…
Exatamente. Isso é perigoso mas a verdade é esta. Nós estamos perante uma situação que a mim me revolta imenso: as pessoas reformam-se, hoje, e estão a caminhar para a pobreza, quando no fundo você teve uma vida de trabalho, uma vida de remuneração, e acredita que, quando chegar à reforma, vai poder ter uma certa estabilidade. As pessoas que hoje se reformam não têm essa estabilidade garantida. Isso para mim é um fator muito perigoso. Veja-se que você teve um contrato com o Estado sobre os seus descontos e muitos deles, quando chegaram ao fim, o Estado cortou-os. Frustrou-se as expectativas. Quebrou-se um elo de segurança.

Reposição de rendimentos. “Não deixa de ser uma certa ilusão”

Ainda a respeito das mensagens que se enviam à sociedade. Acelerou-se a reposição de rendimentos mas, por outro lado — e isso também tem impacto para uma empresa como a Jerónimo Martins –, sobem-se os preços dos combustíveis, por exemplo. Qual é a mensagem que se está aqui a enviar?
Acho que houve aqui uma quebra nos impostos diretos e passou tudo para os indiretos. Nós vivemos dos diretos e dos indiretos. Agora, os indiretos talvez sejam mais equilibrados para as pessoas ou mais honestos porque só se consumirmos é que pagamos. Mas não deixa de ser uma certa ilusão.

Por falar noutras medidas: Atualmente fala-se em aumentar o número de funcionários públicos e acabar com a regra de “por cada dois que saem entra um”…
Porque se calhar o Estado, tal e qual como está a organizado, precisa de gente. Se pensarmos no que queremos do Estado e que estrutura é que queremos do Estado, se calhar não precisamos de tantos. Ou precisamos de renovar.

O consumidor está mais confiante, neste momento?
Não sinto o consumidor muito eufórico neste momento. ainda vejo um consumidor muito preocupado, que não mudou muito o seu padrão de consumo, que se mantém muito atento às promoções, que se mantém muito atento e sensível ao preço. E um consumidor que, realmente, ainda não relaxou no seu processo de compra.

Porquê?
Porque eu acho que a remuneração dele não aumentou muito em relação ao passado. Os cortes foram muito grandes, foram muito duros e as pessoas também se habituaram a viver de uma forma diferente. E eu sinto que essa confiança para mudar alguns dos seus hábitos está a ser muito mais devagar do que se pensa. Ou, realmente, ainda sentimos uma grande dificuldade principalmente nas pessoas que estão reformadas, na forma como estão a comprar ainda.

Reposição de rendimentos. “Não deixa de ser uma certa ilusão”, diz Pedro Soares dos Santos.

A operação do fisco em Valongo. “Achei um abuso”

Como viu aquela operação em Valongo, a do Fisco nas auto-estradas? O que achou disso?
Achei um abuso porque o Fisco hoje está suficientemente bem organizado e estruturado para poder resolver as coisas diretamente com as pessoas.

Aparentemente houve ali uma independência para fazer algo mais…
Claro. Mas essa independência alguém a deu, alguém a autorizou. Agora, não acho correto é as pessoas irem na estrada e muitas vezes não sabemos que se daquelas situações que estão ali em discussão pode haver um conflito que até pode estar em tribunal. Pode estar a ser resolvido noutra área e a pessoa ali não tem capacidade de se defender.

Avancemos para o investimento do Grupo Jerónimo Martins. Tem 750 milhões de euros para investir este ano. Quanto e em quê vai investir em Portugal?
Nos últimos dez anos o Jerónimo Martins já investiu mais de mil milhões de euros em Portugal, entre os 115 e os 130 milhões de euros todos os anos. Para manter as suas companhias modernas, ativas e capazes e bastante concorrenciais. E, portanto, vai manter esta linha e não vai sair dela nos próximos anos.

Mas exatamente em quê?
Vai continuar a investir no Pingo Doce, nas remodelações. Vai continuar a estudar fortemente e investir no agroalimentar e vai continuar a manter as suas companhias competitivas.

A sensação é a de que, para a Jerónimo Martins, Portugal é uma plataforma para formar quadros que depois vão outras geografias prioritárias para o grupo, como a Colômbia e a Polónia.
Portugal é a sede do Grupo Jerónimo Martins. Nascemos aqui, fomos criados aqui, fomos ensinados aqui, é aqui que estão as nossas raízes, a nossa alma e a nossa cultura. Portanto, só para vos dizer que é aqui que temos tudo, é daqui que emanamos tudo para as geografias em que estamos a trabalhar. Agora, nós aqui vamos continuar a modernizar as companhias, a treinar pessoas e vamos continuar a ser bastante competitivos. Goste-se ou não, mais de 25% do nosso negócio está aqui. Portanto… é isso que nos mantém e vai manter aqui.

Só para reforçar a pergunta: a prioridade será remodelar lojas, modernizar, contratar mais, pagar melhor às pessoas?
Remodelar, continuar a evoluir, continuar a ser competitivo, a abrir sempre que for possível, lançar novas coisas dentro das próprias cadeias… Porque nós falamos muito do Pingo Doce, mas esquecemos que temos a grande cadeia de Cash and Carry deste país, que é líder de mercado [o Recheio].

Mercadona? “São fortes, são bons. Mas nós também somos”

Vem ai concorrência para o Pingo Doce. O Pingo Doce, a par da Sonae, é líder do mercado com uma quota de mais de 20% , mas vem aí um novo concorrente, a Mercadona. Vai ser um concorrente de peso?
Vão ser um concorrente de peso, mas o grande ganhador vai ser sempre o consumidor e isso para mim é muito importante. Vai tornar o mercado mais competitivo, ele já é muito competitivo. Mas é bom para todos, para as companhias, para os consumidores. E só temos de nos tornar mais atrativos, mais fortes e melhores.

Mercadona chega a Portugal. Porque estão as outras lojas com medo?

No caso de Portugal há uma liderança taco a taco entre o Pingo Doce e o Continente. Neste caso, a Mercadora é uma líder absoluta com mais de 25% em Espanha. O segundo concorrente tem apenas um dígito. Com que facilidade vão conseguir adaptar-se a um contexto um pouco diferente do que estão habituados?
Em Portugal há duas grandes empresas que souberam ir ao encontro das necessidades dos consumidores e conseguiriam fazer essa oferta. Tornaram-se dois grandes concorrentes muito fortes. Na Polónia, também nos tornamos líderes muito fortes, os nossos concorrentes ficaram para trás e também existe essa disparidade [como da Mercadona em Espanha] e isso só tem a ver com a valia, a competência e a capacidade do grupo de interpretar as necessidades dos mercados e de fazer. Vai ser interessante quando a Mercadona chegar. Vai ser bom.

Mas o que é eles têm feito bem nesta transição?
São uma grande companhia, são fortes, são bons. Têm uma política clara, têm um objetivo claro e têm uma oferta muito bem racionalizada e direcionada, mas nós também temos. Acho que a grande diferença é que vão encontrar dois concorrentes– eu, pelo menos, falo pelo Pingo Doce, que conhece bem o consumidor, está bem preparado e, acima de tudo, sabe exatamente o que tem de fazer e está habituado a viver em grande concorrência. E, portanto, acho que vai ser muito bom.

Está a sorrir, o que não vai aparecer na rádio, mas aparece aos nossos olhos… A Mercadona, por exemplo, recusa fazer promoções. Eles aplicam aquilo a que se chama a política de preços sempre baixos. Mas o Pingo Doce também tinha essa estratégia há uns anos, já não é bem assim. Hoje em dia, sabemos que o Pingo Doce vende metade, ou cerca de metade, dos seus produtos em promoções. Portugal é um país que se destaca muito na Europa nesse aspeto. Se a Mercadona não faz promoções, como é que vai ter sucesso?
Não é só Portugal que se destaca nas promoções, atenção. Quando olho para a República Checa, quando olho para a Polónia, quando olho para a Alemanha ou outros países, vejo que isso também acontece. Não sei se o “everyday low price”, como eles dizem, vai ser ou não eficiente em Portugal. Para nós foi muito eficiente durante muitos anos, foi uma marca que tivemos, mas o país mudou, a determinada altura, a sua cultura e as suas necessidades. Nós adaptámo-nos e ainda crescemos mais. E ficámos ainda mais fortes. Portanto, vamos ter de esperar para ver exatamente o que é que eles vão fazer. Porque a Lidl e a Aldi também tinham preços estáveis, e todos eles tiveram de alterar. E isso é bom, porque é sinal de que estão a ler o consumidor.

Então acha que a Mercadona, a certo ponto, vai ter de repensar essa estratégia?
Isso eu não lhe posso dizer, porque eu não estou na cabeça do Juan [Roig], mas acho que se ele vir que a coisa não funciona vai ter de fazer algo.

Mercadona não faz promoções? "Se virem que a coisa não funciona vai ter de fazer algo", diz Pedro Soares dos Santos. (JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

É curioso que se dizia que, com a crise, o consumidor ganhou essa paixão pelas promoções, mas, se assumirmos que a crise está longe do seu pior momento, a verdade é que isso continua a ser um constrangimento no setor do retalho. Não estamos a ter menos promoções, estamos a ter mais. O que é que isso lhe diz também sobre a confiança do consumidor?
Eu acho que o consumidor está hoje muito mais astuto e muito mais bem preparado para comprar e, portanto, sabe perfeitamente organizar a sua semana e as suas necessidades. Aquilo que é importante para ele é fazer as escolhas certas. E às companhias cabe fazer as ofertas na hora certa. E é isso que está a acontecer. Portanto, não fazemos todos essas promoções porque gostamos de fazer promoções, nós fazemos porque o consumidor quer. A promoção traz complexidade à companhia.

Mas voltando à Mercadona, até que ponto se pode dizer que, no passado, foi uma inspiração para vocês aqui em Portugal?
Não foi uma inspiração, não considero que tenha sido uma inspiração. Eu posso dizer que tinha uma boa relação com o Juan [Roig] durante muitos anos. E muitos dos nossos fornecedores de marca própria foi ele que nos apresentou. Agora, sabemos que é uma companhia muito forte, muito bem organizada, muito bem preparada. Mas nós também somos e, portanto, penso que aquilo que tem sido realmente a inspiração do Jerónimo Martins tem sido a força e a grande vantagem de querer conhecer o consumidor, ir ao encontro das suas expectativas, e focar-se no consumidor — não naquilo que muitas vezes acreditamos que o consumidor quer. E esse é que é o nosso lema, essa é que é a nossa força.

O Juan Roig tem uma história parecida com a vossa.
Estou convencido que sim. Eram talhantes. Nasceu dessa rede, dessa determinação, dessa força. E nós também viemos de um armazenista, que depois fez um negócio com a indústria e que se lançou no retalho. Enfim, a base, a inspiração e a força são as mesmas.

É a mesma de uma companhia que neste momento em Espanha é líder destacadíssima? O Pingo Doce não é…
Em Portugal? Se somar o Recheio, é líder destacadíssimo. Porque é na área alimentar. É que muitas vezes nós gostamos de falar no retalho, mas e os mil milhões de euros, quase, que vende o Recheio, que é totalmente alimentar? Quando se soma às vendas do Pingo Doce, se eu mudasse o nome para Pingo Doce Cash and Carry toda a perspetiva das pessoas mudava.

E é uma possibilidade?
O mercado o dirá.

Corrupção no Pingo Doce. “É um assunto muito incómodo para todos. E triste”

O Pingo Doce denunciou vários dos seus funcionários por suspeitas de corrupção. Daquilo que pode falar, o que é que se passou?
Eu não vou falar sobre este assunto, porque é um assunto que ainda está a decorrer. Está em segredo de Justiça e não está terminado. Um dia poderemos falar sobre este assunto, mas agora…

Mas desconfia que foi um caso isolado ou acha que pode ser uma prática…
Acho que é um assunto sempre muito incómodo para todos. E triste.

Mas isolado ou que pode ser mais generalizado do que se possa pensar?
Mais uma vez, não posso falar sobre esse tema.

Então, continuando no tema das más práticas, temos assistido a um desenrolar de horrores na Caixa Geral de Depósitos e no chamado “assalto ao BCP”. Isto é a mesma banca que não quis ajudar a Jerónimo Martins nos 2000, quando a empresa mais precisava…
O BCP ajudou. O engenheiro Jardim Gonçalves, porque era um banqueiro… Agora o que temos assistido acho que não deve ser novidade para ninguém. Quem estava atento, quem viveu este processo de assalto ao BCP, que agora começa a confirmar, de certa forma, que foi isso — isto não é novidade nenhuma. Isto é, talvez, porque faliram, porque também a Caixa Geral de Depósitos faliu, e isso é muito importante perceber que os portugueses foram muito injustiçados porque estão a pagar a falência dos bancos. Desapareceu a banca portuguesa. E dizer que a Caixa Geral de Depósitos é um banco público também é um bocado falso porque está completamente controlado pelo Banco Central Europeu e, portanto, isto vai ter um impacto no país — goste-se ou não se goste, daqui a uns anos — o facto de não termos nenhuma banca nossa, mas a verdade é que foi muito triste o que aconteceu e os portugueses deviam estar muito revoltados com tudo isto porque acabaram por andar a pagar estas brincadeiras todas.

Mas como é que viveu esse “assalto ao BCP”?
Vivi com muita tristeza, via-se nitidamente que as pessoas não estavam preocupadas com os consumidores, não estavam preocupadas em valorizar os bancos, em fazer crescer valor mas, sim, em obter poder.

A que pessoas é que se refere? Foi um grupo de acionistas ou alguém mais acima?
Havia acionistas metidos nisto e havia alguém que tinha uma estratégia para isto. Vamos ver quem era a pessoa por detrás dessa estratégia.

E que tinha como objetivo último o quê, na sua opinião?
Controlar a banca para poder desenvolver os negócios todos em que acreditasse. Quem controla a banca controla o país.

Que país seríamos hoje se tivessem conseguido?
Teríamos dificuldades muito maiores do que temos hoje.

Esta é a teoria transmitida por Filipe Pinhal, ex-administrador do BCP, que falou de um triunvirato.
O dr. Filipe Pinhal é uma testemunha muito bem posicionada para poder dizer isso. Eu assisto de fora. Mas, para mim, todos sabiam muito bem o que é que andavam lá a fazer. Ninguém pode dizer que não sabe.

“Houve uma estratégia para controlar a banca. Quem controla a banca controla o país”, diz Pedro Soares dos Santos.

Voltando à Caixa Geral de Depósitos, já conseguiu perceber o que é que falhou, tendo em conta o que ouviu nas últimas semanas, na comissão de inquérito?
O que falhou foi a falta de gente íntegra à frente da companhia. Nada mais do que isto. Você pode ter as regulações e os códigos de conduta, pode ter tudo. Mas se a sua integridade for sã, não precisa de nada disso, porque a coisa funciona.

E até que ponto é que hoje em dia está seguro de que as pessoas íntegras estão a ser colocadas nos lugares de responsabilidade?
Eu não sei muitos deles não são os mesmos… os mesmos do passado. Mas não estou lá, para dizer isso, não tenho olhado para isso. Sei é que a banca portuguesa é hoje espanhola.

Isso é um problema, na sua opinião?
Nunca é um problema quando as coisas correm bem, mas se há um problema ou há uma crise, eu aí tenho as minhas dúvidas… As casas-mãe fazem as suas opções… Hoje os grandes créditos não se decidem em Portugal, decidem-se em Espanha.

E o que se podia fazer, em concreto, quanto a isso? Deve ser feita alguma coisa para contrariar essa tendência?
Quem gosta de banca é que deve pensar nisso. Mas era bom haver um banco forte português.

O que gostava de perceber é em que medida é que isso afeta a Jerónimo Martins.
A Jerónimo Martins não afetou porque a Jerónimo Martins teve a sua aprendizagem. Mas eu vivo com uma economia real e vejo na economia deste país se isso não é um problema…

"Espanholização da banca". "Nunca é um problema quando as coisas correm bem, mas se há um problema, aí tenho as minhas dúvidas..."

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Primeiro dia de trabalho? “Foi ir às duas da manhã para o mercado do Rego comprar fruta”

Vamos a um regresso às suas memórias. Começou como assistente de compras no Pingo Doce nos anos 80. Lembra-se do seu primeiro dia de trabalho?
Lembro. Foi sair de casa às duas da manhã e ir para o mercado do Rego comprar fruta, com um colega. Foi no dia 7 de março de 1983, tinha acabado a tropa, saí da tropa e comecei a trabalhar.

E foi tratado como o filho do patrão?
Pelo Armando? Não.

Temos de chamar cá o Armando, para vir contar a história na Rádio Observador.
Infelizmente já não está entre nós.

[O Armando] pô-lo a carregar caixas?
Pôs-me a carregar muita caixa…

Como é que foi a praxe do primeiro dia?
Não houve praxe, aquilo tinha tudo de ser feito tão rápido que não havia praxe. Era trabalhar e não olhar para trás e não cometer erros.

Primeiro dia de trabalho, em 1983. "Lembro. Foi sair de casa às duas da manhã e ir para o mercado do Rego comprar fruta, com um colega".

E quanto tempo demorou a passar para outra posição?
Ui… seis meses.

E isso é importante? Num caso como o seu, começar pelas bases?
No meu caso, foi. E o mundo de hoje não é o mesmo de há 37 ou 36 anos. Para mim, foi muito importante. Trabalhava-se de maneira diferente, a organização do país era diferente, a organização de compras e de mercado era totalmente diferente. Não penso que hoje seja importante, para uma série de pessoas, entrar da mesma forma. Até porque já não se faz assim.

Muitas vezes é um problema, para muitas empresas, de génese familiar, fazer a transição. Esse é um desafio para as empresas em Portugal?
Eu acho que é um desafio para todos, sempre. Mas penso que na empresa onde eu estou o processo foi bem feito. Foi bem ponderado e foi bem discutido. Mas é um processo que nunca pára — continua sempre. Escolher os líderes de amanhã é sempre difícil.

E alguma vez pensou que ia chegar a esta posição?
Nunca pensei.

Porquê? Não tinha essa aspiração?
Porque… Primeiro, não me formei. Segundo, nunca foi uma coisa que estivesse na minha cabeça. Eu vivia muito do dia a dia, depois começa-se a ser pai, começa-se a ter uma estabilidade diferente, começa-se a olhar para as coisas de forma diferente… E, um dia, alguém me perguntou se isto era, para mim, um lugar importante. Eu confesso que hesitei e disse: “se chegar, cheguei, mas se não chegar também não é uma frustração”. O meu pai era muito mais ambicioso, na minha idade, nas várias fases, do que eu era.

Mas porquê? Foi uma questão geracional ou uma questão própria, sua?
Eu acho que tem um bocadinho a ver com a forma como se cresce, no berço. Ou era uma questão de ambição, de querer fazer coisas diferentes na vida, de olhar para a vida de uma forma diferente.

Mas não acredito que à mesa não se falasse do negócio.
À mesa falava-se de tudo, sempre. O negócio faz parte, sempre fez parte da nossa mesa desde que eu era miúdo. Mas uma coisa é ouvir falar, outra coisa é ter a ambição.

Como não pensar que um dia poderia chegar ao topo?
Porque somos sete irmãos, somos uma família grande e todos podiam essa ambição. E se há uns que querem mais do que outros, então tudo bem, não acho que isso seja o tema número 1.

(JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR)

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

E hoje como é que é o seu dia-a-dia? Há gestores que gostam muito de visitar as lojas, faz muito isso? Os fornecedores?
Faço, sim. Costumo dizer que no dia em que deixar de ir a uma loja tenho de me ir embora, porque é o coração da companhia, não é? Tudo o que nós fazemos, todas as decisões que tomamos, tudo aquilo que perspetivamos… acontece na loja. Se não percebermos essa loja e não percebermos quem lá trabalha, e se não compreendermos as dificuldades, vamos acabar por ter problemas.

E as pessoas, os colaboradores, estão motivadas? Sente isso?
Sinto. Nenhuma companhia atinge o que atinge se todas as pessoas que lá trabalham não se sentirem identificadas com o projeto. Ninguém trabalha, ninguém faz acontecer, ninguém tem a força para fazer acontecer se não se identificar com esse projeto ou sem se sentir bem.

Há pouco estivemos ali na loja do Pingo Doce, na Rua João Saraiva, para fazer as fotografias e disse uma coisa à gerente loja: perguntou-lhe como estavam a correr as douradas da Madeira. Explique lá isso.
Porque é um projeto do Jerónimo Martins. Nós temos aquacultura e um dos projetos é o das douradas da Madeira. Criámos ali um grande projeto na Madeira, que é as douradas na Madeira. Tenho muito interesse que, realmente, tenha sucesso este projeto. Portanto, estava a perguntar qual era a receção que as pessoas estavam a ter com este produto, que começou a aparecer no ano passado e este ano vai continuar a crescer e eu espero poder expandir ainda mais este negócio.

E o que é que ela lhe disse? Estava a correr bem?
Muito bem. E que as pessoas gostavam.

E planos para o futuro próximo para o Pingo Doce?
Vai continuar a fortalecer-se, vai fazer da restauração um pólo de crescimento cada vez mais importante, indo ao encontro dessas necessidades de take-away e de continuar a ser o líder.

E esses projetos paralelos de que estava a falar. Há outros? Lembro-me do caso de Portalegre.
Em Portalegre foi a fábrica do leite, e de lacticínios, que arrancou em setembro do ano passado e que está na fase de implementação e de obtenção dessa capacidade, porque isto protege uma certa agricultura. O outro projeto é o do Angus português, é de carne. Porque é importante para as pessoas haver uma marca forte desse ponto de vista em Portugal. E estamos a estudar outros.

Venezuela. “É agoniante e revoltante ver alguém a comprar um comprimido”

Vê crescimento em setores das novas tendências do biológico, do vegetarianismo?
Vejo, vejo. Existe. E não existe ainda mais porque os preços não estão adaptados ainda à realidade das pessoas que acreditam nessa área. Mas é uma área que vai marcar fortemente a alimentação. Como a saúde e a alimentação vão ser aliados muito importantes no futuro.

Costumo dizer que no dia em que deixar de ir a uma loja tenho de me ir embora, porque é o coração da companhia. Tudo o que nós fazemos, todas as decisões que tomamos... acontece na loja.

E novas geografias para o Jerónimo Martins?
Todos sabemos: a próxima geografia em que o Jerónimo Martins ambiciona entrar é a Roménia. E isso não é um segredo.

E na América Latina? O Peru?
Na América Latina ainda estamos na nossa fase de crescimento e de consolidação da operação na Colômbia. E portanto ainda é prematuro falar seja do que for.

Foi à Venezuela recentemente?
Não, mas vou à fronteira com a Venezuela.

E o que acha da situação lá?
É muito triste. É agoniante e revoltante porque nós, a pedido do governo colombiano, abrimos um armazém, um centro de operações ali para podermos abastecer e ajudar os venezuelanos e confesso-vos que é triste ver gente que, nota-se, foi alguém na vida e teve boa qualidade de vida e agora tem de andar a mendigar. É muito triste, muito triste ver gente a comprar um comprimido, uma lâmina.

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