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Em 2021, as contas do veterano das estatísticas não oficiais sobre a Casa Branca não enganavam, ou pelo menos forneciam algumas pistas. Segundo o antigo correspondente da CBS, Mark Knoller, que acompanhou os trajetos dos presidentes desde o consulado de Gerald Ford, Joe Biden já tinha passado mais de um quarto do tempo do seu mandato a trabalhar fora da Casa Branca, no Delaware, fosse na sua residência em Wilmington ou no retiro de Rehoboth Beach.
Foi aí que no passado fim de semana voltou a refugiar-se, mantendo o ritual mas enfrentando também tempos impróprios para férias, antes de decisões difíceis — e já agora a recuperar da infeção de Covid-19. Ao cair de domingo, e face a uma onda de pressão cada vez mais ruidosa, Biden anunciava por fim a retirada da corrida à reeleição (algo que não acontecia desde 1968, com Lyndon Johnson).
Biden e o fim de linha na costa do Delaware
Comprado em 2017, para que o casal pudesse passar mais tempo em família fora do bulício de D.C., foi neste retiro que Biden terá recebido os conselheiros de topo que contribuíram para a decisão final, cerca de um ano depois de o vermos tranquilamente na praia, ou a andar de bicicleta com um vigor que hoje parece uma pálida e distante memória. As sondagens mais recentes partilhadas no sábado por Steve Ricchetti, um dos mais próximos do presidente, e Mike Donilon, o seu principal estratega, terão deixado clara a incapacidade de Joe bater Donald Trump nas eleições de novembro. Ainda em funções, Biden terá sempre Rehoboth Beach, um refúgio com pouco mais de mil habitantes onde poderá passar a ser mais visto — esperava-se que ficasse apenas até dia 21 mas pelo menos no dia seguinte continuava pela zona.
“A família presidencial tem de parecer próxima, e claro que as férias são uma forma de os americanos se identificarem”, diria Collen Shogan do David M. Rubenstein National Center for White House History, citado pelo Washington Post, e mantendo presente que o conceito de escapadinha presidencial foi mudando com o tempo, para não dizer que o conceito de férias é uma ideia moderna.
A escolha do destino pode ser meramente afetiva, como eleger a casa de família ou o estado onde se nasceu, ou então assumidamente estratégica — Bill Clinton chegou a requisitar estudos para apurar quais os destinos que lhe garantiriam maiores níveis de popularidade. Desde o século XIX, século XX fora e já no novo milénio, na costa leste ou a desbravar o ocidente, entre frivolidades e encontros que mudaram o mundo, a Casa Branca não tirou férias mesmo quando seguiu fora de portas.
Roosevelt e um telefone incansável em Sagamore Hill
O pensamento progressista valeu-lhe um lugar em Mount Rushmore. A presidência de Theodore Roosevelt tanto estabeleceu a Food and Drug Administration como a adoção pioneira do telefone. O avanço tecnológico não era consolidado sem pontos negativos: a partir do momento em que as chamadas chegaram a Sagamore Hill, digamos que o conceito de férias presidenciais nunca mais foi o mesmo — não que alguma vez tenha sido possível desligar por completo durante uma “staycation” presidencial.
Foi na costa norte de Long Island que os Roosevelt escaparam do braseiro de Washington D.C. em pleno verão (um autêntico terror antes do advento do ar condicionado), onde o presidente conseguia continuar a assegurar as suas funções, devido a esta novidade de comunicação. Desde que assumiu a presidência, em 14 de setembro de 1901, que Sagamore Hill se tornou na “Casa Branca de verão”. Foi neste destino que o casal presidencial tanto acolheu familiares como alto representantes políticos. Por aqui passaram enviados especiais envolvidos nas negociações de paz no contexto da guerra russo-japonesa, em 1905. Foi também aqui que Roosevelt recebeu as principais notícias na sua ascensão rumo a Pensylvannia Avenue.
Foi em Sagamore Hill que o republicano ficou a saber da sua nomeação para governador de Nova Iorque, ainda em 1898; para vice-presidente dos EUA, em 1900; e do sucesso da eleição presidencial em 1904. Mesmo em tempo de repouso, era visitado por tanta gente em busca de conselhos que o pátio exterior foi aumentado em direção a sudoeste de forma a acomodar um pequeno palanque para as suas comunicações. Classificado pelo interesse histórico, Sagamore Hill está hoje sob alçada dos parques nacionais.
“Reaganomics” a partir de El Cielo
É difícil escolher apenas uma imagem retirada do álbum de El Cielo, o rancho californiano, na região montanhosa de Santa Ynez, onde Ronald Reagan tanto conceptualizou discursos enquanto cortava lenha ou montava a cavalo, como se preparou para um encontro com Gorbachov e recebeu realeza, como Isabel II e o marido, o duque de Edimburgo, que passaram por uma autêntica tempestade até chegarem ao destino final, em 1983.
A década ficou ainda marcada por outras fotos e medidas não menos icónicas. Em 1981, uns dias depois de passar no congresso norte-americano, perante um batalhão de fotógrafos, o Presidente assinava o famoso Economic Recovery Tax Act, um dos maiores alívios fiscais na história dos EUA e um dos pilares da “Revolução Reagan”. Cenário? O seu destino de férias, sentado frente à mesa redonda onde despachou tanta outra papelada ao longo dos anos.
Tornou-se comum vê-lo trocar a limousine pelos jipes e tratores, ou cristalizar a imagem de um presidente com as suas botas de cowboy, como as que o cantor Rex Allen lhe oferecera em 1981, que tanto podia estar a passear descontraidamente ao lado da mulher, a mostrar os seus hectares a Margaret Thatcher, ou a anunciar a tomada de medidas para reduzir as exportações da Polónia para os Estados Unidos em retaliação contra a proibição do Sindicato Solidariedade, como na imagem em cima.
“Nunca estão incontactáveis ou inalcançáveis”, explicava ao Washington Post em 2021 Jeffrey Engel, diretor do Centro de História Presidencial da Universidade Metodista do Sul. “Eles não podem desligar como nós desligamos”, acrescentava, se dúvidas houvesse sobre a responsabilidade do cargo e sobretudo os desafios num mundo pós II Guerra Mundial.
Camp David. Selos, acordos históricos, mas um pouco mais rústico que Mar-a-Lago
Para o 45.º presidente dos EUA, os atributos do refúgio nas montanhas do Maryland perderiam o seu encanto num abrir e fechar de olhos, e em nada se comparavam com as valências de Mar-a-Lago ou do seu clube de golfe em Nova Jersey. “Sim, Camp David é muito rústico, é bom, até gostamos. Mas sabe quanto tempo é que gostamos? Uns 30 minutos”, chegou a comentar. Em 2017, cinco meses depois de se tornar presidente dos EUA, Donald Trump acedia por fim a pernoitar em Camp David, e no Twitter, atual X, lá redigia uma linha menos azeda sobre a residência de verão oficial, que assumiu um papel estratégico na política externa dos EUA.
Para a história passaram momentos cruciais como a receção a líderes aliados, discussões entre Eisenhower e Khrushchev, planos gizados sobre a invasão da Normandia, debates sobre a invasão da Baía dos Porcos e a Guerra do Vietname, ou ainda os acordos assinados em setembro de 1978 entre o presidente egípcio Anwar Sadat e o primeiro-ministro israelita Menachem Begin, intermediados por Jimmy Carter, que estabeleceram uma estrutura para um tratado de paz histórico concluído entre Israel e Egito em março de 1979. Carter, aliás, que inicialmente ponderou terminar com Camp David por uma questão de economia, tendo mudado de ideias quando visitou o local.
Há também deliciosos fait divers que se cruzam com a intensa agenda diplomática, como o dia, naquele mês de maio de 1943, em que Winston Churchill observou Roosevelt (que batizou o destino de Shangri-La) enquanto este trabalhava na sua coleção de selos. O primeiro-ministro britânico recordou como seguiu aquela atividade “com muito interesse e em silêncio por talvez meia hora enquanto ele os enfiava, cada um no seu devido lugar, e assim esquecia os cuidados do Estado.” Impagável é também a imagem de ambos a pescar, retirada daquelas semanas.
Originalmente conhecido como Hi-Catoctin, Camp David foi construído como um acampamento para agentes do governo federal e respetivas famílias pela Works Progress Administration. Iniciada em 1935, a construção ficou completa três anos mais tarde. Caberia a F. D. Roosevelt converter este destino em refúgio presidencial.
Em 1953, Dwight D. Eisenhower promoveu a alteração do seu nome, em homenagem ao seu pai e ao seu neto, ambos chamados David. Mandou também construir o campo de golfe — mas não só: também ordenou a instalação de pistas de bowlling no Hickory Lodge do acampamento. Quem aqui chegar deve ainda considerar a oferta de duas piscinas, um campo de ténis, outro de tiro ao alvo e um ainda de basquetebol. Só tem que conseguir dar com o local certo, claro, já que por razões de segurança a localização exata de Camp David é omitida dos mapas.
Apesar de George W. Bush ter o seu próprio refúgio texano, foi o presidente que mais tempo terá passado em Camp David, logo seguido de Ronald Reagan. O ex-ator tornado líder do mundo livre terá inclusive aqui assistido a uma longa lista de filmes, que até pode consultar e visionar.
Rapidan Camp e o derradeiro fôlego de Hoover
O contexto idílico não atenuava o peso da depressão económica que se fazia sentir em todo o país, e que esmagava os níveis de popularidade do presidente Herbert Hoover. O nervosismo e ansiedade do líder que serviu o país entre 1929 e 1933 eram tais, segundo Edmund Starling, do Serviço Secreto da Casa Branca, que até as suas mãos tremiam quando tentava pescar.
Em 20 de agosto de 1932, no cenário de Rapidan Camp, o refúgio de férias do republicano a 100 quilómetros de Washington, nas montanhas da Virginia, a entourage punha em marcha uma campanha de “humanização” do líder marcado pelo estigma da obsessão burocrática, numa tentativa de revitalizar os créditos do incumbente.
Fotógrafos e jornalistas foram convidados a visitar Rapidan Camp para um almoço com o presidente, puderam vê-lo a pescar em Mills Creek, a posar bucolicamente para a foto junto a uma cascata, a brincar com os seus cães, ou sentado com um livro na mão, ao lado da primeira-dama, Lou Henry Hoover, entretida com a costura. O resultado daquele desempenho teve o efeito inverso ao desejado: as imagens que deviam testemunhar a harmonia e descontração de um casal em férias revelavam o aborrecimento e irritação de um homem desejoso de ver a imprensa pelas costas.
O desfecho foi o pré-anunciado: Hoover falharia a reeleição rumo a um segundo mandato. Quatro semanas depois da derrota, a sua mulher, a secretária Philippi Harding Butler, e dois amigos chegavam a Rapidan Camp para cumprir a triste missão de esvaziar a casa de pertences do casal, que Hoover visitaria pela última vez em 1954, dez anos antes de morrer. O refúgio faz hoje fronteira com o Shenandoah National Park.
William Taft: golfe, banheiras e três meses de férias para todos
Muito antes de Donald Trump, o golfe já era um assunto sério na Casa Branca, pelo menos entre os seus inquilinos mais ilustres. O republicano William Howard Taft foi o primeiro grande entusiasta da modalidade, a que se dedicava no começo do século em greens como o de Chevy Chase, no estado de Maryland, ou em Hot Springs, na Virginia. A dedicação era tanta que os conselheiros políticos criticavam o facto de passar mais tempo entre partidas do que a refletir sobre estratégia.
Em 1909, William Taft e a sua família trocaram provisoriamente D.C. para uma casa de hóspedes de 14 quartos chamada Stetson Cottage, no terreno de uma propriedade à beira-mar em Beverly, Massachusetts. A área era um destino de verão popular para políticos e industriais, republicanos à cabeça. Taft podia continuar a praticar golfe e fazer passeios de carro ao longo da costa. No verão seguinte, o clã repetiu a dose, mas acabaria por ser forçado a rever os planos. A estada do presidente atraía hordas de turistas curiosos, repórteres e agentes do Serviço Secreto. A proprietária da casa, uma viúva rica chamada Marie Antoinette Evans, não quis mais confusão e recusou-se a voltar a receber os Taft, que passariam os últimos dois verões da presidência numa outra mansão de Beverly, conhecida como Parramatta.
A História dificilmente esquecerá o presidente por outros episódios bizarros, como a lenda urbana segundo a qual ficou preso na banheira da Casa Branca, dadas as suas proporções avantajadas (algo nunca verificado mas demasiado bom para ser esquecido pela mitologia mais popular). Quase à entrada de agosto, em temporada de férias estivais, há contributos tão ou mais memoráveis.
Taft, que cumpria o seu mês de lazer longe dos corredores de Washington, bateu-se pelo direito generalizado às férias prolongadas. A 31 de julho de 1910, propunha mesmo que todos os norte-americanos gozassem três meses por ano fora do trabalho. O The New York Times sondava então a indústria da época e lançava a pergunta que dividia a nação de forma estrondosa: “Quantos dias deve um homem ter de férias?”. Segundo Taft, duas semanas era insuficiente. Um século depois, a luta pelas férias pagas ainda tinha um longo caminho pela frente. Mas alguns anos antes da sugestão do presidente, já um antecessor seu praticou com afinco esta pausa alargada.
James Madison fundou, lutou, e descansou cinco meses
A saúde de um presidente (ou falta dela) é sempre motivo de preocupação — que o diga Joe Biden. Muito antes do 46.º titular da pasta, os alertas soaram com a pneumonia de William Henry Harrison, com a gastroenterite de Zachary Taylor, com o AVC de Woodrow Wilson em 1919, ou com o ataque cardíaco de Dwidght D. Eisenhower, em 1955.
No verão de 1816, o quarto presidente dos EUA tinha razões para estar cansado. A guerra com o império britânico ficava para trás depois de três anos de intensa batalha, de ter visto a capital em chamas e de ter estado a um passo do desaire. O país precisava de reerguer-se. E o presidente democrata precisava de férias. Propenso a vários tipos de febre ao longo da vida, Madison esteve adoentado nas mais impróprias das horas e em quase dois anos gozara apenas de duas semanas de pausa.
Com o mandato a aproximar-se do fim, e sem planos de reeleição no horizonte, despediu-se de Washington em junho desse ano rumo a Montpelier Station, em Orage County, Virginia, e só regressou em… outubro. O pai da Constituição, arquiteto da Carta dos Direitos, passou cinco meses no campo, na sua casa de família, propriedade hoje visitável, entre tours, exposições e outros eventos. Para trás ficava muito mais tempo dedicado à nação. De acordo com a The Montpelier Foundation, foi na sua biblioteca no andar de cima que o presidente estudou meticulosamente as formas passadas de governo e moldou os pensamentos segundo aquilo que acreditava serem os princípios ideais para uma democracia representativa. Em sua companhia terá estado a mulher, Dolly.
Prairie Chapel e umas mini férias com Putin
Corria 1999 quando George W. Bush, ainda governador do Texas, adquiriu os mais de 600 hectares de Prairie Chapel. Ao longo dos anos, o rancho perto de Crawford, naquele estado, seria muito mais do que uma residência de fim de semana ou de férias. Apesar das críticas recorrentes, Bush não abrandou as deslocações àquela que ficou conhecida como “A Casa Branca do Oeste”, convertida num salão de visitas de alto nível e palco de cimeiras com nomes como o da chanceler alemã Angela Merkel ou do presidente russo Vladimir Putin, um flashback meio desconcertante à luz do contexto atual.
Em novembro de 2001, era impossível ignorar o episódio que mudara o mundo dois meses antes. O ataque às Torres Gémeas ainda cheirava a fresco e os dois líderes sentavam-se então frente a frente para discutir ameaças globais e de que forma EUA e Rússia podiam fazer frente ao terrorismo. Acompanhados pelas mulheres, Laura e Lyudmila, os quatro passariam a noite no rancho, onde também houve tempo para socializar.
No dia seguinte, Bush e Putin visitavam o liceu da pequena Crawford. “Tivemos um ótimo jantar ontem”, descreveu George W. aos alunos reunidos no ginásio da escola. “Comemos um barbecue texano, tarte pecan, e ouvimos musica texana. Penso que o presidente gostou muito”. O presidente russo, que segundo Bush terá sido o primeiro a ligar-lhe depois do atentado em Nova Iorque, sorria.
Em agosto de 2005, o eventual repouso do presidente norte-americano seria interrompido pelo protesto. A mãe de um soldado morto na guerra do Iraque assentou arraiais ao lado do rancho de Bush, no dia em que o presidente chegaria para cumprir cinco dias de férias, e exigia ter uma audiência. Nunca chegou a conseguir encontrar-se com o presidente mas atraiu outros manifestantes e tanta imprensa a cobrir o caso que as férias de Bush não terão sido as mais descontraídas.
De Blair a Aznar, de Mubarak a Berlusconi, outras visitas se seguiriam, muitas delas cumprindo a já apelidada “diplomacia de pick up”, já que se tornou um hábito ver Bush ao volante da sua Ford F-250. Em 2013, ofereceu um destes modelos para que pudesse ser leiloado e os fundos revertessem para uma causa social.
Quem quer comprar a casa de férias de Nixon?
Esteve anos no mercado, e tudo indica que por lá continua, à mercê de um comprador interessado num pedaço de descanso e história. Depois de abandonar Washington, foi em La Casa Pacifica, na sua Califórnia natal, que Richard Nixon escreveu as memórias. Acabaria por vender a propriedade em 1980 e mudar-se para Nova Iorque. Esse destino em San Clemente sucedeu a um outro, na Florida, uma casa ao estilo de rancho que comprou no ano em que chegou à Casa Branca, em Key Biscane, e onde se refugiou durante o escândalo Watergate.
Nixon acreditava em fugas frequentes, para perceber “o quão isolado da realidade da vida americana” um presidente pode sentir-se na Casa Branca. “Como outros presidentes, antes e depois de mim, senti a necessidade de sair da Casa Branca e de Washington para manter alguma perceção.”
Quando assumiu o cargo, em 1969, pediu a Fred Divel, um jovem assessor de campanha, que procurasse um refúgio digno do presidente na costa do sul da Califórnia. San Clemente, zona ainda adormecida, e imediatamente adjacente à fronteira norte da enorme Base de Camp Pendleton, apresentou-se como ideal. Divel encontrou a propriedade do financeiro Hamilton H. Cotton, erguida nos anos 20, que Nixon compraria à viúva do antigo dono, e rebatizou a morada. Os media não demoraram a batizar o destino como “A Casa Branca do Oeste”, um nome bem acolhido pelo anfitrião e que serviu de referência para futuros retiros presidenciais. De estilo colonial e com vista privilegiada para o azul do Pacífico, para que o ambiente sereno não desvie as atenções de um dos principais propósitos deste reduto. Palco de jantares intimistas e ponto de passagem de figuras da política e do entretenimento, do primeiro ministro japonês Eisaku Satō ao músico Frank Sinatra, muitas das decisões que aqui foram tomadas alteraram a trajetória da política externa norte-americana numa era especialmente tumultuosa, das complexidades do Vietname às relações diplomáticas com a China.
Calvin Coolidge e um boom turístico no Oeste americano
O presidente e a sua família partiram da Union Station em Washington com cinco canários, dois cães, o guaxinim de estimação da família, Rebecca, e dezenas de assessores presidenciais. Naquele verão de 1927, Calvin Coolidge interromperia a viagem de comboio por várias vezes, para poder conversar com americanos comuns ao longo do caminho. Quando cruzou a fronteira com o estado de Dakota do Sul esperavam-no cerca de cinco mil apoiantes.
Para o 30.º presidente dos EUA, que jurara a Constituição em 1923, as primeiras férias no cargo assemelharam-se em tudo às dos líderes anteriores, que recorreriam na generalidade dos casos às suas casas de família, no caso de Coolidge a mansão à beira mar White Court nas encostas rochosas de Swampscott, no Massachusetts — onde a curta distância se encontrava o iate presidencial Mayflower — ou ainda no Vermont.
Mas depois de três temporadas estivais, o presidente decidiu rumar a Black Hills, desbravando todo um novo território a oeste, que despontava ao sabor da popularidade crescente do automóvel e onde uma nova e grandiosa atração se preparava para nascer: o estado acabara de encomendar a um artista que esculpisse os célebres rostos de quatro antigos presidentes.
Mal escutaram o anúncio das intenções de Calvin, os locais esfregaram as mãos e empenharam-se a vender o melhor postal turístico. Conhecendo o interesse do presidente pela pesca, reza a história que a campanha incluiu difundir a existência de locais onde abundava truta. O slogan passava por algo como “… pesque o dia todo… durma bem à noite… vá para os escritórios em Rapid City três ou quatro vezes por semana… e volte para Washington como um novo homem.” O destinatário mordeu o isco e levou a Casa Branca para o oeste de uma forma que nunca tinha acontecido até então. Chegou a Rapid City em junho, e ficou instalado em State Game Lodge, no Custer Park, destino construído em 1920 e que receberia também Einsenhower em 1953.
Para o efeito desta deslocação presidencial, instalou-se uma central telefónica para garantir os contactos permanentes, e vários aviões foram recrutados para entregar a correspondência. A 10 de agosto de 1925, Coolidge assistia à cerimónia de lançamento da obra de Mount Rushmore.
Se um ano antes passara o verão nos arredores de Nova Iorque, no seguinte rumaria a Cedar Island Lodge, no Wisconsin, também com a mulher Grace e o filho John.
Soldier’s Home, da Guerra Civil à última noite de vida de Lincoln
Fica no atual bairro de Petworth, no subúrbio de Washington, a curta distância do epicentro das decisões, ainda que Soldier’s Home tenha assistido a tomadas de posição não menos relevantes. Construída em 1842 por um banqueiro rico, a casa inspirada no estilo gótico foi comprada pelo governo federal de forma a acolher veteranos desfavorecidos e com deficiências. Com a Guerra Civil em pano de fundo, Abraham Lincoln terá passado aqui mais de um quarto da sua presidência, seguindo uma recomendação do antecessor James Buchanan, que também se instalou nesta morada, apesar da resistência inicial do líder. “No auge da guerra civil, alguns dos amigos íntimos de Lincoln sugeriram que ele fizesse uma pausa, fosse para outro lugar. E ele respondeu: ‘Três semanas não me adiantariam. Isto persegue-me para onde quer que eu vá.”, contava ao The Guardian em novembro de 2023 Callie Hawkins, responsável pela atual gestão da propriedade, uma das pérolas da cidade.
Rutherford B. Hayes e Chester A. Arthur também viriam a frequentar Soldier’s Home, que tem um interesse histórico extra no seu curriculum: foi aqui que Lincoln pernoitou na véspera do seu assassinato. Foi também neste endereço que Abraham terá redigido o rascunho da Proclamação da Emancipação, ou Proclamação 95, a ordem executiva elaborada em 22 de setembro de 1862 e que entrou em vigor em 1 de janeiro de 1863, dando início ao processo de abolição da escravatura em todo o território confederado ainda durante o conflito.
De 1862 a 1864, os Lincoln refugiaram-se neste reduto com 34 quartos, imóvel classificado em 1973, também conhecido como “Lincoln Cottage”, que abriu ao público para visitas em fevereiro de 2008. A casa situava-se a agradável distância da humidade do centro de Washington, D.C, enquanto o próprio presidente continuava a deslocar-se para a Casa Branca a cavalo para reuniões. “O Sr. Lincoln geralmente monta um cavalo cinza de bom tamanho e descontraído, está vestido de preto liso, um tanto enferrujado e empoeirado; usa um chapéu preto rígido e parece tão comum nos seus trajes quanto o mais comum dos homens. Vi muito claramente o rosto castanho escuro do presidente, com as linhas de corte profundo, os olhos,.. sempre para mim com uma profunda tristeza latente na expressão.”, escreveu no The New York Times o poeta, e vizinho, Walt Whitman.
Legislação nacional e as camisas tropicais de Harry Truman
Chamavam-lhe a “Pequena Casa Branca” — por esta altura já terá percebido que houve inúmeras variações ao sabor das diferentes administrações quando o assunto é um refúgio presidencial. Por Key West, na Florida, desfilaram vários presidentes, e não por acaso a propriedade surge no Registo Nacional de Lugares Históricos desde 1974. Originalmente construída em 1890 como alojamento para oficiais da Marinha, Harry Truman utilizou as instalações como casa de férias, entre 1946 e 1952. Mas uma casa de férias onde as decisões raramente tiveram um minuto de repouso, atendendo a toda a legislação nacional elaborada, e à condução oficial do governo a partir destas coordenadas. Uma das ações de maior relevo remonta a dezembro de 1951, quando Truman promulgou uma Ordem Executiva dos Direitos Civis que exigia que os empreiteiros federais contratassem minorias. Para a história passaram também os Acordos de Key West de 1948, berço do Departamento de Defesa e da Força Aérea dos EUA.
O destino ajudou Einsenhower a recuperar do seu enfarte, em 1956, e na década seguinte, em 61, assistiu a pelo menos duas visitas de Kennedy, quando recebeu o primeiro-ministro britânico Harold Macmillan durante o incidente da Baía dos Porcos e imediatamente após a Crise dos Mísseis de Cuba. Em 2001, Key West testemunhava ainda a cimeira internacional realizada pelo então secretário de Estado Colin Powell e líderes estrangeiros.
Mas em termos de guarda-roupa poucos ou nenhuns terão batido a moda introduzida por Truman, precursor do “Uniforme de Key West”. As camisas descontraídas com que o presidente circulava fizeram escola e até os repórteres que o visitavam para assistir às conferências de imprensa aderiram à tendência, e aos calções. Mal se despedia da Casa Branca, ou “the big white jail” [grande prisão branca], e punha um pé na Florida, o presidente trocava a indumentária formal composta pelo fato escuro e camisa branca pelas populares “Loud Shirts”, muito mais práticas para pescar. Ao ponto de muitos fabricantes terem começado a enviar-lhe enormes quantidades de camisas desportivas e com padrões tropicais, que o presidente escolhia e distribuía pelo seu staff.
Quando a mulher, Bess Truman, e a sua filha Margaret não estavam em Key West, o ambiente era tipicamente masculino. Ficaram célebres os visionamentos de filmes em primeira mão realizados na casa e os jogos de póker noite fora.