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São pobres, nascem em famílias menos qualificadas, não têm recursos educativos, mas, apesar disso, têm aquilo a que a OCDE chama de resiliência académica e conseguem chegar ao topo. Em Portugal, só 10% dos alunos provenientes de famílias mais desfavorecidas conseguem contrariar a tendência e chegar ao patamar mais alto das competências em leitura, obtendo uma pontuação que fique entre as 25% melhores do país. Esta é uma das conclusões do PISA, o relatório da OCDE que trianualmente avalia os alunos de 15 anos a matemática, ciências e leitura. No documento divulgado esta terça-feira, o foco esteve nesta última competência.

“Ser desfavorecido não é destino”, escreve a OCDE no relatório a propósito do desempenho destes estudantes portugueses. Ainda assim, a média da OCDE é mais alta do que a portuguesa e 11% dos mais carenciados conseguem ter bons desempenhos.

São vários os indicadores do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA) que mostram que, em Portugal, nascer pobre continua a ser, quase sempre, sinónimo de fracasso escolar: um aluno desfavorecido, por exemplo, tem também três vezes mais hipóteses de ter um desempenho no limiar do aceitável do que um estudante não carenciado.

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Para analisar esta probabilidade de sucesso com base nas condições sócio-económicas, a OCDE divide os alunos dos 79 países participantes em quatro categorias diferentes. Os que estão na mais baixa, ou seja, os mais pobres, mais facilmente ficam no nível 2 de competências a leitura (numa escala que termina no 6), ou seja, naquele que é considerado o valor mínimo para se poder exercer uma cidadania ativa. Esta probabilidade é bastante maior nas Filipinas do que em qualquer um dos outros países analisados, seguindo-se o Peru e o Líbano.

Já Macau aparece no topo da tabela, com um coeficiente não significativo, seguido da Croácia e do Cazaquistão. Em Portugal, o efeito do estatuto socioeconómico no desempenho a leitura é sensivelmente maior do que na média dos países da OCDE (quatro posições abaixo). Globalmente, a média portuguesa coloca os seus alunos no nível 3 de leitura, o mesmo patamar em que se encontram a ciências e a matemática. É também aqui que está a maioria dos países e apenas a China consegue atingir o nível 4 nas três áreas analisadas.

Outro dado significativo é quando se olha para a pontuação na leitura de alunos pobres e ricos: 95 pontos separam os alunos mais favorecidos dos mais carenciados e, segundo a OCDE, 13,5% desta variação pode ser explicada pelo estatuto socioeconómico. A média dos países da OCDE fica nos 12%, onde os dois extremos estão separados por 89 pontos. Em 2009, o fosso era menor: 87 pontos separavam os estudantes carenciados dos mais favorecidos, exatamente o valor da média da OCDE.

Ainda na leitura, quando se olha para os alunos com alto desempenho (top performers, ou os que ficam no nível 5 e 6) vê-se que 16% dos alunos mais privilegiados estão lá, enquanto só 2% dos carenciados chegam ao mesmo topo. Na OCDE, estes valores são de 17% e de 3%, respetivamente.

Escolas privadas portuguesas são onde há mais segregação

O PISA olha também para as escolas em função dos alunos que as frequentam, uma vez que a forma como se lida com essas desigualdades pode esbater ou reforçar as disparidades sociais, explica-se no relatório. É aquilo a que a OCDE chama de índice de não diversidade, um indicador de segregação. Portugal não fica bem na fotografia e é entre as escolas privadas portuguesas que a segregação é maior, no conjunto todos os 79 países analisados.

O índice nacional, numa escala de zero a um, é de 0,33 contra uma média da OCDE de 0,17. Em contrapartida, nas escolas públicas Portugal fica abaixo da média, o que, neste indicador, é bom, já que significa que há menor escolha de alunos.

Entre as escolas públicas, as que mais segregam são as da Malásia, as que menos o fazem são as de Malta. Na maioria dos países, as escolas privadas têm grupos de alunos mais homogéneos do que as escolas públicas.

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“Em Portugal, os alunos de baixo desempenho estão agrupados em certas escolas, na mesma dimensão que a média da OCDE, enquanto que os de alto desempenho estão menos agrupados”, lê-se no PISA 2018. E sublinha que um estudante carenciado só tem 22% de hipótese, em média, de ser matriculado numa escola que tenha tido desempenho de topo a leitura (17% na OCDE).

Chumbos ainda afetam mais de 25% dos alunos

Os estudantes que obtêm resultados mais baixos, como já foi dito, são os das classes mais desfavorecidas e sabe-se, por estudos anteriores, que são também os que apresentam mais retenções no seu percurso escolar. Portugal continua a ter um número elevado de chumbos e pelo menos 26,8% dos alunos de 15 anos, que idealmente estariam no 10.º ano, têm uma retenção no seu caminho. No PISA são analisados os alunos entre os 15 anos e três meses completos e os 16 anos e os 2 meses completos, à data da realização da avaliação, em qualquer ano de escolaridade entre o 7.º e o 11.º ano. Nesta última faixa, Portugal tinha 0,2% dos seus alunos.

Em 2000, este valor estava nos 42,3%, o que mostra a tendência positiva de diminuição dos chumbos. No entanto, não pode deixar de se analisar este número em conjunto com o valor crescente de estudantes que surgem na categoria ‘outros’, que incluiu cursos vocacionais e profissionais e onde se sabe também que há maior número de retenções. Ou seja, pode estar a haver uma transferência dos alunos que chumbam no ensino geral para estes cursos que em 2018 representavam 15,7%. Em 2006, primeiro ano em que apresentam valores eram de 1,9%. No mesmo ano, o número de alunos que estavam no 3.º ciclo (7.º, 8.º ou 9.º ano) era de 44,6%.

Ambições baixas e ensino superior fora da mira

Outra diferença entre alunos favorecidos e carenciados são as ambições e expectativas em relação ao futuro e que são medidas pela vontade de ingressarem no ensino superior e pelo tipo de emprego que pretendem ter.

Em números globais, 73,6% dos alunos portugueses quer ingressar nas universidades e politécnicos do país (69% na OCDE), o que coloca Portugal em 29.º lugar no ranking de 79 países. No entanto, a realidade é outra se se fizer esta análise por classes sociais. A esmagadora maioria (93,1%) dos alunos dos meios mais favorecidos tem como meta concluir o ensino superior, enquanto que só metade dos alunos com estatuto socioeconómico e cultural mais baixo expressam a mesma ambição.

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Poderia pensar-se que o fosso diminui quando se olha apenas para os alunos com melhor desempenho (top performers), mas isso não é verdade: entre estes, 1 em cada 4 alunos carenciados (os resilientes) não conta acabar o curso superior, proporção que é de 1 em 30 entre os privilegiados. Isto cria uma diferença de 43 pontos percentuais entre ricos e pobres, mas, apesar disto, Portugal surge acima da média: 31,6% dos alunos academicamente resilientes espera concluir os estudos superiores, média que é de 29,1% na OCDE.

Ainda no capítulo das desigualdades, a OCDE faz referência a uma outra, mas, desta vez, entre géneros e não entre classes sociais. Quando se analisa os estudantes com melhor desempenho a matemática ou ciências vê-se que um em cada dois rapazes pretende ter uma profissão ligada às ciências e à engenharia (48%), enquanto que nas raparigas a proporção desce para uma em sete (16%).

Na área da saúde, o cenário é o oposto. Uma em cada duas raparigas quer ter uma profissão nesta área (46,6%) contra um em cada sete rapazes (15%). Isto faz com que a OCDE escreva que, em Portugal, as “escolhas de carreira revelam um forte estereótipo de género”.

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