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As oficinas da associação de Silveirinhos têm, neste momento, 24 pessoas: 13 mulheres, 11 homens, 75% com diagnóstico de doença mental
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As oficinas da associação de Silveirinhos têm, neste momento, 24 pessoas: 13 mulheres, 11 homens, 75% com diagnóstico de doença mental

ANDRÉ ROLO/OBSERVADOR

As oficinas da associação de Silveirinhos têm, neste momento, 24 pessoas: 13 mulheres, 11 homens, 75% com diagnóstico de doença mental

ANDRÉ ROLO/OBSERVADOR

Plantar, regar, cozinhar, lavar carros, restaurar móveis. Nesta associação, trabalhar com as mãos ajuda a cuidar da saúde mental

Na Associação Recreativa e Cultural e Social de Silveirinhos, em Gondomar, os trabalhos manuais ajudam a lidar com a esquizofrenia, a depressão ou a perturbação bipolar.

Rui mexe a massa do bolo de laranja, vestido como um cozinheiro profissional, tal como os restantes colegas. “Equipado a rigor como manda o figurino”, diz. A massa, explica, leva manteiga, ovos, açúcar e farinha. A receita está escrita numa folha pousada na bancada de inox. Há raspas de laranja para juntar e a calda de sumo está ao fogão para regar o bolo depois de ir ao forno.

Rui Oliveira tem 27 anos, um diagnóstico de perturbação bipolar e um passado pesado. Com 18 anos chegou a estar internado no Hospital de Magalhães Lemos, no Porto. Mas há três anos que todos os dias, de segunda a sexta-feira, entra na antiga escola primária da Mó, a casa da Associação Recreativa e Cultural e Social de Silveirinhos, na União de Freguesias de Fânzeres e São Pedro da Cova, em Gondomar, para frequentar as oficinas de capacitação pessoal, social e profissional da instituição.

Agora está na oficina de cozinha e culinária. Gosta de cozinhar, mas também de dançar, tratar da horta e fazer teatro. “Um pouco de tudo.” Os dias tornaram-se outros desde que ali está. Rui sente que está diferente. “Sou uma pessoa completamente oposta ao que era. Era um bocado agressivo e agora sou um cordeirinho.” Está mais estável, oscila menos entre fases de euforia e picos de tristeza e depressão. “Havia aquelas alturas em que eu não estava eu. Agora estou tranquilo, positivo.” É acompanhado, está medicado, a mãe vem às consultas de psicologia para famílias, aprendeu a lidar com a morte da avó. “Tive um luto mais agradável, entre aspas.”

Há oficinas fixas de segunda a sexta-feira, artes e desporto. Cada pessoa escolhe as que quiser e está o tempo que fizer sentido

ANDRÉ ROLO/OBSERVADOR

Aida está na horta que fica num terreno ao lado da escola. Está bom tempo, as chuvas fizeram crescer as ervas, é preciso arrancá-las. Aida Sampaio tem 61 anos, entrou na associação com 50. Foi das primeiras participantes das oficinas, está desde o início, em 2013. Tem um diagnóstico de esquizofrenia com défice cognitivo. Fala pouco, mas mais do que quando ali chegou — só dizia “sim” e “não”. A vida era outra, passava os dias e as noites em casa, do sofá para a cama, da cama para o sofá, e não saía. “Estava a ver televisão e a dormir”, lembra. Todo o dia, numa apatia sem fim. O que gosta de fazer? “Um pouco de tudo: educação física, piscina, dançar. Gosto das tarefas.”

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Matilde Monteiro, diretora da associação de Silveirinhos, conhece-lhes as histórias de vida, os recuos e os avanços. Os casos são sinalizados e reencaminhados pela rede social do município e pela unidade de psiquiatria comunitária do Hospital de Santo António, do Porto, que funciona na Unidade de Saúde Familiar Sete Caminhos, em Gondomar. Há também quem bata à porta da instituição à procura de ajuda. Depois de uma avaliação, aceitam-se situações clinicamente estáveis, pessoas que saibam o que estão a fazer.

Não poderia ser de outra forma. Na escolha das oficinas, ponderam-se vários fatores. “Combinamos o interesse pessoal com a perspetiva técnica do que pensamos ser o melhor”, diz a diretora. Fazem-se ajustes sempre que necessário, não há um limite temporal estipulado para frequentar as oficinas. “O tempo que for necessário. Temos uma premissa fundamental: respeitar o ritmo de cada um.”

Há várias possibilidades: restauro de móveis e objetos, jardinagem, higienização e limpeza de espaços, cozinha e culinária, horta, lavagem de carros e animação. As oficinas de capacitação pessoal, social e profissional funcionam desde 2013 e já envolveram cerca de duzentas pessoas. Neste momento, são 24: 13 mulheres, 11 homens, 75% com diagnóstico de doença mental. O mais novo tem 19 anos, a mais velha 86.

Joaquim varre o chão cá fora, há sempre folhas de árvores que caem no cimento. Ali ao pé está um pequeno jardim elevado, um retângulo de madeira com algumas ervas aromáticas, orégãos viçosos. Durante a manhã esteve na horta. “Estive a tirar ervas.” Tem um chapéu com Roma escrito, trouxe-o de Itália, onde esteve com a associação num projeto europeu com um espetáculo multidisciplinar, um exercício teatral. Dançou capoeira. Nas oficinas, adapta-se a tudo. Joaquim Almeida tem 42 anos, trabalhou no McDonald’s e fazia de tudo. Foi padeiro, chegou a estudar na Faculdade de Desporto, queria ser atleta de alta competição no atletismo.

Mas pouco depois dos 20 anos chegaram os surtos psicóticos. Crise atrás de crise, uma vida errante, o diagnóstico de esquizofrenia, tempos sem sair de casa, tempos sem medicação. Há sete anos que frequenta as oficinas, há ano e meio que está estável. “Sinto-me bem e feliz, ocupado a fazer”, diz. O pai é o tutor, vem às consultas de psicologia. Faz parte do grupo de cuidadores da associação e criou um grupo de cantares tradicionais — ele toca acordeão.

Sem condescendência: de cuidados a cuidadores

Marlene Queirós está na horta de luvas e galochas. Há ervas aromáticas à entrada, couves no lado direito, cebolas mais ao longe. É preciso começar a plantar os legumes da primavera, sobretudo tomates, alface. Ao fundo, uma pequena estufa. A mãe deu uma romãzeira que está plantada horta e vai oferecer um diospireiro.

Dependendo dos dias, Marlene, com défice de memória e cognitivo, ora conversa mais, ora conversa menos. Tem 46 anos, trabalhou na lavandaria do Hospital Militar, no Porto, chegou à associação há pouco mais de um ano em cadeira de rodas. Não por precisar, por falta de capacidade motora. Mas era uma “muleta” que usava e garantia que precisava. Já não é o caso.

Filipe Santos está a lavar um carro. TFi Acaba de ser distinguido na gala dos dez anos da Federação Portuguesa dos Jogos Tradicionais pelo apoio que dá como monitor na instituição. Até comprou um fato para receber a distinção numa cerimónia em Setúbal.

Aida Sampaio arranca ervas, Joaquim Almeida varre o chão, Marlene Queirós trata da horta. Sentem que estão melhor do que quando ali chegaram

ANDRÉ ROLO/OBSERVADOR

As oficinas de capacitação pessoal, social e profissional da associação de Silveirinhos estão a funcionar desde 2013. A Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) nasceu em 1995 para dar resposta aos jovens de famílias vulneráveis e disfuncionais, doridas pelo fecho das minas de carvão de São Pedro da Cova. O encerramento foi em 1970, mas os herdeiros desses tempos de adaptação nunca recuperaram bem.

Os anos foram passando, a visão da associação mudou, ouviu-se a comunidade, o plano estratégico foi redesenhado e o apoio à doença mental fazia sentido como resposta. Desde então, já envolveu cerca de 200 pessoas. Neste momento, são 24: 13 mulheres, 11 homens, 75% com diagnóstico de doença mental, o mais novo tem 19 anos, a mais velha 86, a faixa etária que predomina ronda os 30 anos.

Há várias possibilidades: restauro de móveis e objetos, jardinagem, higienização e limpeza de espaços, cozinha e culinária, horta, lavagem de carros e animação. Estas são as oficinas fixas. Há ainda a oficina de design e empreendedorismo que não acontece sempre e que envolve os participantes na criação de peças para a marca própria da associação, Coisas d’Anjo. Fizeram-se ímanes em gesso inspirados na cultura e tradições locais, os bombons d’ouro em formas de nabo, nozes e o coração de Gondomar, presépios 3D iluminados com uma vela. Fizeram-se desenhos para os ímanes, formas de silicone para os bombons, partilharam-se ideias. O número de participantes nas oficinas vai variando com a situação, as crises, o estado dos participantes.

A horta é uma espécie de metáfora do trabalho que fazem ali. Todos passam por lá. “É uma ferramenta pedagógica para passar de ser cuidado a cuidar de alguma coisa. Para mudar a mentalidade de ser cuidado a cuidar”, diz a diretora. Matilde Monteiro. A equipa inclui também uma psicóloga, um gestor de desporto, uma educadora social, uma técnica de orientação pedagógica e uma diretora artística.

Há consultas de psicologia a doentes e familiares. E artes, o teatro, a dança, as artes plásticas, e ainda o desporto com exercício físico, natação, walking football, jogos tradicionais. E uma casa de autonomia já a funcionar para homens e uma casa para mulheres que precisa de uma reabilitação profunda para abrir.

“Nós não trabalhamos sob a égide da condescendência, trabalhamos sempre para que possam dar um passo à frente”, diz a diretora, Matilde Monteiro. A questão da pedagogia e da educação e uma equipa técnica alinhada com a visão da instituição são fundamentais no trabalho diário. Todos os dias, ao fim da tarde, há uma reunião informal dos funcionários, para todos saberem o que se passou, se há situações a relatar para o bem-estar dos utentes. A equipa tem oito pessoas: diretora pedagógica, psicóloga, gestor de desporto, educadora social, técnica de orientação pedagógica, diretora artística, e pessoal administrativo. Conta ainda com voluntários e prestadores de serviços. O financiamento chega do Instituto Nacional de Reabilitação, do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ), da Câmara de Gondomar e da União de Freguesias de Fânzeres e São Pedro da Cova.

A associação tem recebido vários prémios de boas práticas do associativismo juvenil do IPDJ, uma distinção da Fundação Inatel, mais um prémio de boas práticas de voluntariado do Corpo Europeu de Solidariedade, entre outros reconhecimentos institucionais. O Sport 4 All, programa que reúne um conjunto de atividades desportivas, natação, educação física, boccia, dança e teatro para pessoas com dificuldades mentais ou físicas foi, em 2019, o único projeto português entre 15 finalistas, num total de cerca de 15 mil candidaturas, do programa Corpo Solidário Europeu da Comissão Europeia.

“Combinamos o interesse pessoal com a perspetiva técnica do que pensamos ser o melhor”, diz a diretora, Matilde Monteiro. “Temos uma premissa fundamental: respeitar o ritmo de cada um”

ANDRÉ ROLO/OBSERVADOR

Quando ali chegou, Rui estava no 12.º ano, num curso profissional de cozinha e pastelaria. Era outro tempo, os interesses mudaram entretanto. Agora gosta de ir para a horta quando está bom tempo. “Já levei para casa couve-galega para fazer um caldo verde, pepinos, tomates, pimentos, penca.”

Ele sabe que aquela horta é uma espécie de metáfora da associação e do trabalho que fazem ali. “Gosto de cuidar. Já cuidaram de nós, quero também saber cuidar de algumas coisas para estar preparado para a vida.” O espaço, segundo Matilde Monteiro, tem precisamente essa função. Todos passam por lá. “A horta é uma ferramenta pedagógica para passar de ser cuidado a cuidar de alguma coisa. Para mudar a mentalidade de ser cuidado a cuidar”, diz a diretora.

Rui é como um porta-voz do grupo e é uma das pessoas que partilha a sua história e dá o seu testemunho no projeto Capacitar +, em que a associação dá formação adaptada aos públicos que tem pela frente, numa rede de cerca de trinta empresas e entidades públicas. Há três anos que o faz numa iniciativa apoiada pelo Instituto Nacional de Reabilitação. O objetivo é, acima de tudo, sensibilizar empregadores para a questão da inclusão e as partilhas na primeira pessoa são importantes. Há quatro anos que empregabilidade, propósito difícil de alcançar pelo contexto e circunstâncias, é um objetivo da associação que, desde então, reintegrou cerca de trinta pessoas no mercado de trabalho. Rui fala da sua experiência nessas sessões e do que quer fazer. “Gostava de fazer alguma ligado ao mundo da jardinagem, gosto de arrancar ervas, varrer, plantar.” Cuidar, portanto.

Mental é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com a Saúde Mental. Resulta de uma parceria com a Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD) e com o Hospital da Luz e tem a colaboração do Colégio de Psiquiatria da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Psicólogos Portugueses. É um conteúdo editorial completamente independente.

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