Em 2020, sentados no Bar do Fundo, na Praia Grande, os primos Francisco Guedes e Duarte Costa tiveram um daqueles momentos que muda uma vida. Acabados de fazer surf, estavam na esplanada a beber uma cerveja e começam a falar com dois italianos, Vittoria Zanetti e Matteo Pichi. Conversa puxa conversa e percebem que têm uma coisa em comum: cada duo é dono de um negócio que tem exatamente o mesmo nome, “Poké House”. Sim, igual, sem tirar nem pôr. O que é que vendem? “Pokés bowls”, obviamente. Daí, nasceu uma relação que está a ser um fenómeno em vários países, incluindo Portugal, e até já falam numa possível entrada em bolsa e dizem a sigla IPO (oferta pública inicial, em português).
Se ainda não ouviu falar dos “poké bowls”, um prato à base de arroz de sushi ou quinoa e outros ingredientes variados, não há problema. Foneticamente, a refeição faz lembrar o nomes das bolas com as quais os treinadores da série de desenhos animados Pokémon apanham as criaturas, mas, como explicam os fundadores do projeto ao Observador, tem tudo “inspiração havaiana” e toque “californiano”. Além disso, mesmo que peixe cru — que faz parte do poké tradicional — não seja a sua praia, hoje até há versões com rosbife.
Em Portugal, a Poké House já tem 12 restaurantes no Norte e Centro do país e o número continua a crescer — o objetivo é chegar às 25 lojas no final do ano. Tem espaços de rua, como em Miraflores, em Oeiras; em centros comerciais, como no Arrábida Shopping, em Vila Nova de Gaia; e até lojas que só abrem no verão, como é o caso do espaço que têm na Comporta. Porém, estas lojas são diferentes do primeiro espaço aberto por Francisco e Duarte no final de 2016, e fazem parte de um grupo maior, de origem italiana — o tal de Vittoria e Matteo — que tem o mesmo nome e ambições globais.
Nos EUA, a mais recente aposta do grupo, Vittoria e Matteo investiram na Sweetfin, uma empresa de pokés que pôs este franchise além do Atlântico. Para este ano, estão previstas 80 novas lojas na Europa e nos Estados Unidos. Em Portugal, passados dois anos do encontro que muda uma vida, as coisas também têm corrido bem: só em 2021, a receita a nível nacional superou as expectativas e atingiu os 4,6 milhões de euros.
Um copo na Praia Grande que acabou na aquisição de um negócio que foi como “uma fusão”
A conversa na Praia Grande é o ponto chave nesta história para perceber o negócio atual dos restaurantes que a Poké House tem em Portugal. É que, atualmente, apesar de o nome ser o mesmo, o negócio já não é bem português. No início de 2021, a Poké House italiana, de Vittoria e Matteo, adquiriu 70% da empresa nacional, mantendo Duarte e Francisco como os gestores nacionais do projeto e sócios minoritários num negócio que nasceu nessas areias de Sintra.
“Houve ali [em 2020] uma química de falar um bocadinho de Portugal e começámos a perguntar o que cada um tinha, percebemos que eram ambos empreendedores”, relembra Duarte adiantando: “Quando dizem que tinham um negócio chamado Poké House não queríamos acreditar!”. “Então, fez-se faísca. Temos de nos juntar, dissemos”.
Apesar de o negócio que nasceu desta conversa ter sido a aquisição da empresa — “adquiriram a parte dos sócios que tínhamos”, uma “grande fatia”, dizem os fundadores –, todos os envolvidos dizem ao Observador que veem a operação como se tivesse sido “uma fusão”. Em Portugal, a “empresa continua a ser portuguesa”, diz sem rodeios a dupla lusitana. Porém, faz parte de uma casa-mãe italiana que, graças a este tipo de aquisições e presença que tem em países como a Roménia, França ou Espanha, vê-se como “europeia”, adianta Matteo.
Chame-se fusão ou aquisição à operação em causa, o passo seguinte foi ver aquilo que acontece quando uma grande empresa absorve outra menor — a pequena muda de look para ficar mais parecida com o novo dono. Antes da compra, conta Francisco, o “conceito [de loja] era completamente havaiano”. “Tinha mais a ver com aquilo que o Duarte sentiu lá na Califórnia”, quando visitou o estado norte-americano em 2016 e teve a ideia de trazer os poké para Portugal. Mas depois da fusão, houve um “rebrading total da marca”.
Foi nesta altura que as cores rosas vivas na parede e caixas de cartão e os néons azuis a dizer “Poké Bowl” começaram a substituir a imagem antiga do negócio de Francisco e Duarte. Além disso, com novos donos veio também mais capital para estes pokés crescerem em Portugal. “Antes, uma loja podia custar entre 40 a 50 mil euros”, diz Duarte, adiantando que “agora, pode custar 150 a 200 mil euros”. A isto tudo, afirma o cofundador, adicionou-se o “know-how” (o “saber”, em português) que Matteo e Silvia traziam de um negócio que já estava numa fase de crescimento bem maior (estavam presentes em mais países e o modelo de negócio estava bem sedimentado).
O escritório principal em Portugal fica nas Docas, na zona de Alcântara, em Lisboa. Ao todo, nesse espaço, onde também funciona outro negócio que os primos criaram, os calções de banho “DCK” — empregam oito pessoas, a contar com os dois — o Francisco, que é “mais responsável pela parte financeira”, e o Duarte, que está mais ligado à logística. Porém, a nível nacional (com os restaurantes), são “cerca de 120 pessoas”.
Segundo Francisco, um dos maiores desafios atuais é “manter o staff”. “É muito difícil na restauração [arranjar pessoas] que fiquem mais de seis meses”, adianta, afirmando que têm conseguido cativar quem contratam, apesar das dificuldades vividas no setor. “É preciso tentar sempre manter uma equipa motivada”, diz o fundador.
Os dois fundadores esperam que, “no final do ano”, o negócio em Portugal alcance o “break even” (ponto de equilíbrio em que os custos totais igualam os ganhos líquidos). Depois disso, o objetivo é continuar a crescer. Como? “Temos aberto as lojas para chamar mais fluxo de gente, o objetivo é chamar pessoas às lojas”, diz Francisco quanto ao que esperam num mundo pós-pandemia. É que agora, cerca de “50%” do volume de venda de pokés é para fora. Porém, no início de 2021, graças também às parcerias que têm como plataformas como a Uber Eats, a Glovo ou a Bolt Food, chegou a ser “quase 100% do negócio”.
Qual é a diferença do poké português? Pode ter rosbife, mas é porque vai mudando para “não passar de moda”
“O poké é original do Havaí”, conta Duarte Costa. “O homem ia buscar o peixe, a mulher ficava em casa a fazer o arroz, os vegetais, os condimentos e os molhos”, continua, revelando que “tudo junto originava o que se chama poké bowl”. O fenómeno chegou à Califórnia e foi sendo arrastado para “Nova Iorque e Europa”, sempre com “twist cultural” para se “adaptar” a cada “país”.
Em Portugal, devido ao sucesso que o negócio tem tido por cá, a casa-mãe italiana passou a usar o território nacional como uma placa de petri para inovações neste conceito — que começa por o cliente poder trocar o peixe por rosbife ou, brevemente, ser aqui que se vai testar uma plataforma tecnológica para que os clientes possam pedir os pratos mais rapidamente.
“É nisso que temos o apoio de Itália”, dizem os fundadores dizendo que “há uma equipa só de inovação de produto” para que ajuda a rever o menu de “três em três meses” para não ficarem “atrás da moda”.
“Há muita gente que diz que não gosta de sushi e está reticente e pode comer um korean bowl ou um frango teriaky”, exemplifica Francisco. No final, dizem: “Não, não acredito, isto não era só o que estava a pensar”. Por outra palavras, a ideia de sushi desconstruído numa taça tem sido reinventada.
Ao Observador, Matteo Pichi e Vittoria Zanetti, que fundaram e gerem a empresa-mãe a partir de Itália, assumem que nesta área “Portugal está a dar muito” à Poké House. “Eles [Duarte e Francisco] são empreendedores, enquanto que, noutros países, temos gerentes”, adianta Matteo, assumindo que isso “muda muito a forma como olham para a empresa”. “Para nós, [Duarte e Francisci] são como cofudadores”, afirma o líder italiano.
No passado, já houve parcerias entre os calções de banho dos empreendedores — que estiveram à venda na loja da Comporta e que poderão, no futuro, ter edições com as cores da Poké House. Tudo porque, independentemente de ser a partir de Portugal que se testa se frango ou rosbife são bons substitutos para os poké, no final a ideia por detrás do negócio quer ser mais do que uma refeição. “Para nós não é uma moda, é algo maior, é uma forma de comer saudável, é um lifestyle”, explica Vittoria.
Da Itália para o mundo. O tamanho da Poké House que até fala de uma “IPO”
A Poké House (empresa-mãe) nasceu em Itália em 2018 e já teve 20 milhões de euros em investimento, como regista o Crunchbase. Antes de fundarem o negócio, os líderes, o casal Vittoria Zanetti e Matteo Pichi, passaram por empresas como a Calzedonia, a Glovo ou a Tom Ford antes de arriscarem lançar este negócio.
Nos próximos dois anos, o objetivo é ser a marca líder em pokés na Europa, Médio Oriente e África — atualmente, está em Itália, França, Portugal, Espanha e Reino Unido, e é a maior investidora na Sweetfin, marca com que está nos EUA. O que vem no futuro? Se calhar, uma IPO, dizem os fundadores ao Observador.
“Nos últimos anos vivemos um crescimento muito grande”, diz Matteo. Apesar de a entrada em bolsa não ser a única via para o futuro, o líder admite que tal “vá acontecer nos próximos dois anos”. O que é que isso pode mudar? Para os investidores, pode ser “bom”. Para quem gere a empresa, “nada”, mesmo para Portugal: “Temos várias acordos com o Duarte e o Francisco para continuarmos a trabalhar em conjunto” porque não foi uma “aquisição típica”. “Temos grandes sonhos, sendo que um deles é ser globais”, adianta Matteo.
Para já, com essa ambição e passando por Portugal, o objetivo é continuar o crescimento que a cadeia de restaurante tem vivido através de novas lojas e consolidando o negócio que têm feito, dizem os líderes.