Reportagem no Vaticano
Quando, em março de 2016, a Congregação para as Causas dos Santos — um dos mais importantes ministérios do governo da Igreja Católica — decidiu deixar de aceitar o português como uma das línguas de trabalho nos processos de canonização, a Igreja portuguesa organizou-se numa ação de lobby pouco comum nos corredores do Vaticano. O cardeal Saraiva Martins, que durante dez anos liderou aquela instituição, havia introduzido a língua portuguesa na congregação e sido o principal responsável pelo fortalecimento da presença de Portugal na Cúria Romana que, desde a década de 60, por iniciativa do Papa Paulo VI, começou a internacionalizar-se, deixando de ser composta apenas por italianos.
“Nessa altura houve um lobby”, recorda ao Observador o monsenhor Saturino Gomes, padre madeirense que é juiz do tribunal apostólico da Rota Romana desde 2014 e um dos mais influentes portugueses na Cúria do Papa Francisco. “Houve uma pressão, quer dos embaixadores de língua portuguesa junto da Santa Sé, quer das conferências episcopais. Houve uma ação concertada nesse sentido. Agora, com a nomeação de um novo prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, o cardeal Becciu, que conhece português porque foi Núncio Apostólico em Angola, estamos esperançados que volte.”
Aquele foi, porém, um caso excecional. No Vaticano, centro de poder da Igreja Católica, não há verdadeiramente um lobby português. “Nós não temos uma ação conjunta, no sentido de estarmos reunidos e pressionarmos para isto ou para aquilo, porque cada um trabalha no seu dicastério”, explica o mesmo padre.
“Não há um lobby português”, afirma também o padre jesuíta Nuno Gonçalves, o primeiro reitor português da Pontifícia Universidade Gregoriana, a mais importante instituição de ensino superior da Santa Sé. Até porque os portugueses que trabalham na Cúria Romana ou nas instituições pontifícias em Roma nem sempre se encontram. “Vemo-nos com relativa frequência”, explica o padre Miguel de Salis Amaral, único professor português de outra universidade da Santa Sé, a Pontifícia Universidade da Santa Cruz. Por exemplo, no dia 8 de dezembro, festa da Imaculada Conceição, padroeira de Portugal, quando o monsenhor Agostinho Borges, reitor do instituto português, organiza uma celebração na igreja de Santo António dos Portugueses.
“Há uns meses, o embaixador de Portugal junto da Santa Sé, quando esteve aqui [na igreja de Santo António dos Portugueses] na apresentação do novo livro sobre o cardeal D. Manuel Monteiro de Castro, dizia que queria que houvesse maior presença portuguesa em Roma. Era uma das coisas que ele queria, no seu período de embaixador, tentar que acontecesse. Que crescesse a presença portuguesa na Cúria Romana. Penso que, neste momento, as expectativas dele foram superadas. Temos mais um cardeal português — temos quatro cardeais portugueses, isso nunca aconteceu na história de Portugal. É assinalável. E por outro lado, a nomeação do padre Tolentino, que era uma coisa que estava fora de qualquer previsão”, diz ao Observador o sacerdote português da prelatura do Opus Dei, que é consultor teológico da Congregação para as Causas dos Santos desde 2002.
A elevação de D. António Marto a cardeal foi inesperada e quase inédita — é preciso recuar mais de 200 anos para encontrar novamente dois cardeais em funções no território português. Semanas depois, a escolha do padre Tolentino Mendonça (que este sábado foi ordenado bispo no Mosteiro dos Jerónimos, em Lisboa) para bibliotecário e arquivista da Santa Sé, um dos postos mais elevados da Cúria Romana, veio reforçar uma ideia: o Papa Francisco está atento a Portugal e o país está a consolidar a sua influência no Vaticano. “Talvez Portugal nunca tenha tido tanta influência como tem hoje. Estamos muito bem representados”, admite o bispo D. Carlos Azevedo, delegado do Pontifício Conselho para a Cultura e até agora único bispo português a trabalhar na Cúria Romana. Também o padre jesuíta João Vila-Chã, professor da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, concorda que se vivem “tempos marcados por uma subida em flecha do peso de Portugal em Roma”.
Mas o que é que isto quer dizer? Atualmente, são mais de uma dezena os portugueses que trabalham nas instituições do Vaticano — quer nos dicastérios da Cúria Romana (os ministérios do governo da Igreja), quer nas universidades e institutos pontifícios. Mas este número, por si só, diz-nos pouco sobre o verdadeiro poder de Portugal no centro de poder da Igreja Católica. Raras vezes a escolha dos padres e bispos que ocupam lugares nas instituições da Santa Sé tem a ver com o país de origem — o critério é acima de tudo pessoal e essa tendência acentuou-se com o Papa Francisco, pouco disposto a dar seguimento a pretensões carreiristas e centrado numa reforma da Igreja, a começar pela própria Cúria Romana.
Será, por isso, ousado dizer que as nomeações recentes reflitam uma vontade de atribuir mais poder a Portugal por parte do Papa. Mas é inegável que acabem por ter esse efeito. Para o padre e professor universitário João Vila-Chã, no que toca à influência na Cúria Romana, “ou se está presente ou não se está”. “Quem tem gente, quem manda gente — e se as pessoas fazem o que têm a fazer e não falham na missão que têm a cumprir –, isso traduz-se em influência. Quantos mais portugueses tivermos em Roma, mais influência temos. Isso é lógico. Mas o tema é muito delicado. Evidentemente, quantos mais tivermos em Roma, menos temos em Portugal”, adverte o sacerdote.
É aqui que radica um dos grandes problemas apontados por vários portugueses em Roma. Segundo fontes bem posicionadas na Cúria Romana, Portugal só não tem mais influência porque não quer — porque os bispos portugueses não estão dispostos a deixar sair padres das suas dioceses, para trabalharem nos organismos do Vaticano. Confontados com a escassez de recursos humanos nas paróquias portuguesas, os bispos deixam a necessidade de influenciar o centro de decisão da Igreja para segundo plano, resistindo a enviar padres para Roma. O exemplo mais flagrante é a carreira diplomática do Vaticano: depois do cardeal D. Manuel Monteiro de Castro, primeiro núncio apostólico português, o país é representado na diplomacia do Vaticano apenas pelo arcebispo D. José Bettencourt — que é luso-canadiano e fez todo o seu percurso eclesiástico a partir do Canadá. “A Santa Sé às vezes pede padres às dioceses ou às congregações religiosas. Mas, muitas vezes, há recusa, os bispos não querem enviar”, admite o padre Saturino Gomes.
A língua portuguesa, falada por perto de 300 milhões de pessoas em todo o mundo, é uma das principais razões que deviam levar Portugal a empenhar-se mais na procura de maior influência no Vaticano, segundo as mesmas fontes da Cúria. Nos organismos do Vaticano, os lugares são limitados e muitos foram ocupados por elementos vindos do Brasil ou dos países africanos de língua portuguesa — as próprias edições em língua portuguesa dos documentos do Vaticano e dos órgãos de comunicação da Santa Sé são, neste momento, produzidas por brasileiros e não por portugueses. Ainda assim, isto não é suficiente para convencer os bispos portugueses a enviarem mais gente para o Vaticano.
D. Carlos Azevedo sentiu essa resistência na pele. Ainda na década de 70, quando estudava em Roma, trabalhou na secretaria de Estado do Vaticano. No final dos estudos, e porque não pretendia seguir a carreira diplomática, regressou ao Porto. “Mas, mal estava lá, pediram-me para vir trabalhar para a Congregação do Clero”, lembra o bispo português. Azevedo tinha conhecido recentemente o cardeal que presidia à congregação e foi convidado. “E o bispo disse que não. Disse: ‘Acabou de chegar, preciso dele aqui’.”
O conflito entre as necessidades diárias nas dioceses portuguesas e a vontade de ter mais influência em Roma não impedem o embaixador de Portugal junto da Santa Sé, António de Almeida Lima, de sonhar mais alto e de defender uma força maior do país no Vaticano. “A Igreja portuguesa, carente, como muitas outras na Europa de hoje, de vocações, hesita compreensivelmente em disponibilizar os seus preciosos colaboradores para uma missão na Cúria Romana. Esta realidade é o que é, mas como português empenhado em promover Portugal no mundo, acho sempre importante não descuramos a presença nas estruturas centrais das instituições internacionais mais relevantes, civis ou religiosas, de que fazemos parte”, diz o embaixador ao Observador.
O embaixador António de Almeida Lima reconhece “a perda de força da língua portuguesa como língua de trabalho na Cúria” e garante que “ao nível diplomático, a embaixada tem trabalhado para sensibilizar os responsáveis da Cúria para a importância do português como língua universal”. A língua tem, efetivamente, sido a dimensão que mais tem contribuído para a formação de um lobby, não português, mas lusófono, no Vaticano. “Os embaixadores dos países CPLP junto da Santa Sé têm vindo a coordenar-se para esse trabalho”, sublinha o embaixador.
Os portugueses no Vaticano
A verdade é que, só muito recentemente, a Igreja Católica começou o processo de abrir o seu governo central além fronteiras. Até ao Concílio Vaticano II, na década de 1960, a Cúria Romana era composta sobretudo por italianos. “Com o Papa Paulo VI, começou-se a internacionalizar a Cúria. Foi com Paulo VI. Por isso é que eu digo que Portugal nunca esteve tão bem representado, com tanta variedade de gente, em tantos lugar como agora”, lembra D. Carlos Azevedo.
Naturalmente, este é um processo que vai demorar. No início do século XX, quase 70% dos católicos encontravam-se na Europa. Um século depois, os números inverteram-se, com o velho continente a representar apenas 25% da população católica mundial. É no continente americano (sobretudo na América Latina) que hoje vivem metade dos católicos, com Ásia e África a terem já quase tantos como a Europa. O ritmo da Igreja Católica, esse, é outro. Só em 2013 foi eleito o primeiro Papa americano da história — e o primeiro não europeu em mais de mil anos.
“O Papa Paulo VI começou ele próprio a internacionalizar mais a Cúria Romana, na sequência daquilo que foi pedido no Concílio Vaticano II. Claro que isso é um processo lento. Paulo VI reformou a Cúria Romana com uma constituição apostólica, João Paulo II reformou também a Cúria com a constituição apostólica Pastor Bonus. Todas as reformas têm como consequência não só a reestruturação de organismos, mas também de pessoas. Agora temos o Papa Francisco, que está a trabalhar na reforma da Cúria — que já se efetivou na fusão de alguns dicastérios e que terá a aprovação final com a nova constituição apostólica. Internacionalizar, sim, mas é preciso que haja pessoal disponível, padres ou leigos”, adverte o monsenhor Saturino Gomes.
No que toca ao papel de Portugal neste processo de internacionalização da cúpula da Igreja Católica, a expansão mais assinalável deu-se com a chegada do padre e professor universitário José Saraiva Martins à Cúria, em 1988. Na altura um eminente teólogo e académico, Saraiva Martins foi elevado a arcebispo pelo Papa João Paulo II e nomeado para o cargo de secretário da Congregação para a Educação Católico — o ministério da Educação do Vaticano. Em 1998, foi nomeado pelo mesmo Papa para cardeal e prefeito da Congregação para as Causas dos Santos e começou a levar portugueses para os serviços centrais da Igreja Católica.
“O cardeal Saraiva Martins foi, nos últimos anos, o português que começou a ter uma visibilidade maior na Cúria Romana, como prefeito de uma congregação. O facto de haver um português prefeito de uma congregação chamou a atenção para as necessidades da Cúria Romana e talvez tenha ajudado a que começasse a haver maior generosidade [dos bispos para enviar padres portugueses para Roma]. E também me parece que o cardeal Saraiva Martins fez por isso. Aproveitou todas as circunstâncias para fazer ver que era importante que Portugal estivesse mais representado”, sublinha o jesuíta Nuno Gonçalves, reitor da Universidade Gregoriana, instituição romana onde Saraiva Martins estudou.
O cardeal, hoje prefeito emérito da instituição responsável por determinar quem é canonizado pela Igreja Católica, foi uma figura “marcante”, pela “influência que teve por ser prefeito de uma congregação como é a das Causas dos Santos”, explica D. Carlos Azevedo. O bispo, que durante os últimos anos do cardeal à frente da congregação foi bispo auxiliar de Lisboa, lembra “a insistência que o cardeal Saraiva Martins fazia com a Conferência Episcopal Portuguesa e com os bispos para que enviassem padres para trabalhar nos serviços” do Vaticano. Aos 86 anos, Saraiva Martins é ainda hoje o rosto da influência portuguesa em Roma. “Tem um papel grande, uma proximidade e uma grande familiaridade com o Papa Francisco. Está em Roma há muitos anos e é uma pessoa muito respeitada”, diz o padre e professor universitário João Vila-Chã.
Um dos portugueses chamados por Saraiva Martins para um lugar de destaque na Cúria foi o padre Miguel de Salis Amaral. Desde 1999 em Roma, cidade onde foi ordenado padre, dá aulas de eclesiologia, na Pontifícia Universidade da Santa Cruz. Há anos, ainda durante o período em que Saraiva Martins era prefeito da Congregação para as Causas dos Santos, o reitor da universidade apresentou-o ao cardeal, porque queria que ele conhecesse o professor português. “Ele deve ter ficado com aquela fisgada. Chamou-me um dia para me pedir o currículo e me nomear para consultor”, lembra hoje o padre.
Miguel de Salis Amaral é atualmente um dos portugueses que têm uma voz direta nos processos de beatificação e canonização levados a cabo pela Igreja Católica. Faz parte de um colégio de consultores que se reúne periodicamente para analisar a documentação respeitante aos potenciais santos, para avaliar se os processos podem ou não avançar.
Na Cúria Romana propriamente dita — os organismos responsáveis pelo governo efetivo da Igreja Católica a nível mundial — são seis os portugueses. Além do bispo D. Carlos Azevedo, que é delegado para os bens culturais da Igreja no Pontifício Conselho da Cultura, e do monsenhor Saturino Gomes, juiz auditor do Tribunal da Rota Romana, trabalham na Cúria o monsenhor Ferreira da Costa (chefe da secção de língua portuguesa da Secretaria de Estado do Vaticano), o monsenhor Mário Rui Oliveira (chanceler do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica), o padre António Saldanha (adido da Congregação para as Causas dos Santos) e o padre José Manuel Ribeiro (adido na Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos).
A estes seis homens, juntam-se vários os portugueses influentes nas instituições pontifícias em Roma. Por exemplo, o padre Nuno Gonçalves (reitor da Universidade Gregoriana), o padre José Alfredo Patrício (reitor do Pontifício Colégio Português), o monsenhor Agostinho Borges (reitor da Igreja de Santo António dos Portugueses) e o padre Fernando Matos (conselheiro eclesiástico da embaixada de Portugal junto da Santa Sé).
O ano de 2018 será, porém, um momento de viragem na presença portuguesa no Vaticano. Não só pelo motivo óbvio, que é a nomeação de mais um cardeal português para o colégio cardinalício — e que será integrado também numa ou mais congregações da Cúria, incrementando o peso da Igreja portuguesa em Roma –, mas também pela escolha do padre Tolentino Mendonça para o lugar de arquivista e bibliotecário da Santa Sé. Tolentino poderá mesmo ser o próximo cardeal português, criando um cenário inédito, em que Portugal passa a ter três votos no colégio que elege o Papa.
Como lembra o padre João Vila-Chã, “pelo menos desde há 500 anos que o bibliotecário é, por norma, um cargo cardinalício”. “Não me surpreende nada que, daqui a uns anos, o façam cardeal”, diz o jesuíta português, sublinhando porém que Tolentino Mendonça “é ainda muito novo para isso”. Também o padre Miguel de Salis Amaral destaca que, “normalmente”, o nomeado para cargo de bibliotecário é criado cardeal, mas recorda que não foi assim com o último ocupante do lugar, o arcebispo francês Jean-Louis Bruguès. Com ou sem elevação cardinalícia, será “o português que ocupa o lugar mais alto” dentro da Cúria Romana.
“Este é um cargo importante até do ponto de vista político, porque o arquivo do Vaticano é um dos arquivos mais discutidos e mais disputados a nível mundial. Temos questões como o holocausto e a questão do nazismo, há muita coisa. Não há arquivo com mais segredos. E os segredos são uma coisa muito importante, que é preciso saber gerir. O papel de bibliotecário geral, arquivista do Vaticano, é um cargo importante. Não faço ideia de quantos funcionários vai ter sob a sua alçada, mas tem um orçamento muito significativo… E, mais do que isso, tem uma responsabilidade enorme”, destaca o padre João Vila-Chã.
“Isso significa muito para o peso da Igreja de Portugal em Roma. Passa a ser um português a ter a responsabilidade de supervisionar a biblioteca mais famosa do mundo, talvez uma das três bibliotecas mais ricas do mundo, e um dos arquivos mais importantes e impressionantes à face da Terra”, acrescenta o jesuíta.
Tolentino Mendonça junta-se assim a Carlos Azevedo na área da cultura — embora os dois não fiquem a trabalhar no mesmo dicastério, uma vez que o arquivo secreto e a biblioteca apostólica fazem parte do Estado da Cidade do Vaticano e o Pontifício Conselho da Cultura é um organismo da Santa Sé. “É uma presença cultural muito forte. Ter dois bispos em Roma nas instituições culturais é muito representativo”, analisa o padre Nuno Gonçalves.
Também a elevação de D. António Marto ao cardinalato é central neste aumento da presença de Portugal no Vaticano. Para o embaixador António de Almeida Lima, a nomeação “é um sinal de que o Papa está também atento à Igreja portuguesa e interessado no potencial da sua contribuição para o governo da Igreja”. “O centenário de Fátima terá trazido mais visibilidade a essa realidade universal, mas sem dúvida que a personalidade de D. António foi decisiva para a escolha do Santo Padre”, considera o embaixador de Portugal junto da Santa Sé.
O cardeal de Leiria-Fátima, que será nomeado membro de uma das congregações do Vaticano, tem tudo para se afirmar como a mais relevante voz portuguesa em Roma. O jesuíta João Vila-Chã, professor em Roma há dez anos, não tem dúvidas de que “D. António Marto seria cardeal com o Papa Francisco, com o Papa Bento XVI ou com outro Papa”. Pelo menos há uma década que Marto é um dos portugueses mais respeitados no Vaticano, sendo o bispo mais reconhecido do país, antes até do cardeal-patriarca de Lisboa, devido à importância universal que o Santuário de Fátima adquiriu nas últimas décadas.
“Quem lê os seus textos, quem o ouve atentamente, quem o acompanha até na sua capacidade de liderar, mas sobretudo como pensador e como teólogo. D. António Marto tinha muito prestígio aqui em Roma. Isso foi uma das coisas que mais me impressionou quando aqui cheguei há dez anos”, sublinha João Vila-Chã, lembrando como ouviu, de várias pessoas, a expressão “Ah, a terra de António Marto”, quando se apresentava como português. “Não sei exatamente por que razões. Eu atribuo à sua mente teológica, de decidir e discernir situações à luz da razoabilidade teológica”, acrescenta o jesuíta, lembrando que António Marto foi aluno do cardeal Ratzinger em Roma.
O mesmo explica D. Carlos Azevedo, que espera que a nomeação de D. António Marto para cardeal sirva para desfazer o mito de que o cardeal-patriarca de Lisboa é o líder da Igreja em Portugal. “Hoje em dia, de facto, Fátima tem mais impacto a nível internacional do que Lisboa. O bispo português de Fátima é o bispo mais influente a nível internacional. Ali vão bispos de todo o mundo, que conhecem mais facilmente o bispo de Leiria-Fátima do que conhecem o bispo de Lisboa. O impacto internacional, mesmo na relação dos bispos e dos cardeais com Fátima, é maior do que com Lisboa”.
Ainda assim, se as nomeações de António Marto e de Tolentino Mendonça para cargos de topo forem entendidas exclusivamente como escolhas pessoais do Papa e não numa lógica nacional, a presença do país no centro de poder da Igreja continua a ser relativamente tímida, com apenas uma dezena de oficiais portugueses a terem uma intervenção direta nas decisões tomadas na Igreja a nível mundial.
O caminho pode passar pela formação de mais portugueses no ensino superior da Santa Sé, sugere o padre Nuno Gonçalves, que aproveita as visitas dos bispos portugueses a Roma para os tentar convencer a enviar padres e seminaristas das suas dioceses para a Universidade Gregoriana — uma das 23 instituições do ensino superior do Vaticano, onde estudam 18 alunos portugueses.
“Talvez os bispos se lembrem mais facilmente da Universidade Gregoriana por o reitor ser um português”, diz o sacerdote. “Quando vêm bispos portugueses a Roma, como é esta ocasião do consistório, claro que há sempre a ocasião de dizer que existe a Gregoriana, de agradecer a um bispo por ter mandado um sacerdote estudar… Não é pressão. Informo, proponho”, explica. Mesmo com a certeza de que, na maioria das vezes, quando os bispos mandam alguém estudar para Roma, é com o objetivo de voltar para Portugal.
A reforma que o Papa Francisco está a fazer nas instituições centrais da Igreja é uma oportunidade para Portugal se afirmar cada vez mais na vida da Igreja Católica, considera o embaixador António de Almeida Lima. “Um dos aspetos que tem sido tido em conta pelo Papa na reforma que está a levar a cabo é um acentuar da universalidade da Igreja, com a chamada à responsabilidade de cardeais, de bispos, de padres, de religiosos e de leigos, de várias nacionalidades, mudando aos poucos um perfil talvez muito italiano, que sempre caracterizou a Cúria Romana”, diz o embaixador, sublinhando “a necessidade de também a Igreja portuguesa participar no esforço de renovação e de alargamento atual da mundivisão católica, participando, talvez com maior presença na componente central desta renovada Igreja universal”.
Até porque, como afirma o padre Nuno Gonçalves, Portugal tem muito a ensinar à Igreja Católica. “É importante que Portugal esteja presente nas instituições da Cúria Romana, porque acho que temos uma riqueza a partilhar”, defende, sublinhando que o país tem uma “experiência eclesial muito antiga” que pode mostrar ao resto do mundo. “Na Europa, somos um país que não é dos mais secularizados. Temos algumas experiências de evangelização e sobretudo com a juventude, mas também no âmbito da cultura, onde podemos ter uma experiência a partilhar a nível universal. Claro que temos uma juventude muito afastada da Igreja e muito secularizada. Mas, no meio deste ambiente muito secularizado, temos grupos de gente nova muito conscientes e muito amadurecidos. São menos do que eram há 50 anos, mas se calhar são mais conscientes do que é ser cristão.”