“Organizações ucranianas têm instruções específicas para fazer a chamada bomba suja. O seu trabalho entrou na fase final.” O aviso partiu do tenente-general Igor Kirillov, tinha a invasão do Kremlin começado há cerca de nove meses. Moscovo e Kiev trocavam acusações constantes e o líder das Forças de Proteção Nucleares, Biológicas e Químicas (NBC) tornava-se um dos principais promotores da ideia de que os ucranianos estavam a violar as convenções internacionais ao produzir armas químicas e radioativas. Esta terça-feira, aos 54 anos, Kirillov foi morto num ataque à bomba que, segundo confirmaram várias fontes ucranianas sob anonimato, resultou de uma operação do Serviço de Segurança da Ucrânia ((SBU, na sigla original) .
Na Rússia descreve-se um “ato terrorista” e promete-se “retaliação”. Andrei Kartapolov, o chefe do Comité de Defesa na Duma (a câmara baixa do parlamento russo), prometeu mesmo encontrar e punir “os responsáveis por organizar e levar a cabo o assassinato, independentemente de quem são e de onde possam estar”. Mas quem é o homem que, na segunda-feira, Kiev notificou e acusou de permitir o uso de armas químicas proibidas em território ucraniano?
Igor Kirillov liderava desde abril de 2017 as Forças de Proteção Nucleares, Biológicas e Químicas (NBC). Chegou a este cargo depois de um percurso marcado pelos estudos na Academia Militar de Defesa Química de Kostroma e pela liderança das Tropas de Defesa Radiológica, Química e Biológica.
Desde o início da guerra, Kirillov foi sancionado por vários países, incluindo o Canadá e o Reino Unido. Num comunicado de outubro deste ano, o Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico sublinhava que o general russo é responsável por ajudar a colocar “armas bárbaras” em território ucraniano. “Kirillov também tem sido um porta-voz significativo da desinformação do Kremlin, espalhando mentiras para mascarar o comportamento vergonhoso e perigoso da Rússia”, acrescentava.
Os Estados Unidos não o sancionaram diretamente, mas ao organismo que lidera, pelo alegado uso da arma química cloropicrina contra as tropas ucranianas. Esta substância, que afeta olhos, pele, garganta e pulmões, foi usada pela primeira vez durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1993, foi banida pela Convenção de Armas Químicas, da qual a Rússia era signatária.
A Rússia negou diversas vezes estar a usar armas químicas na Ucrânia, acusando, por seu turno, Kiev de planear ataques com agentes tóxicos e substâncias radioativas. Kirillov contribuiu para essa discussão, devolvendo a acusação: garantiu que Kiev estava a preparar uma bomba suja — um dispositivos de dispersão radioativa relativamente primitivo, que, de forma muito imprecisa, utiliza explosivos tradicionais, como a dinamite, para espalhar material radioativo.
Em outubro de 2022, Kirillov disse que Kiev pretendia “acusar a Rússia de utilizar armas de destruição maciça” na Ucrânia e lançar, assim, “uma poderosa campanha anti-russa destinada a minar a confiança em Moscovo”. No verão do ano passado, voltou ao tema, alegando que a Rússia tinha descoberto um laboratório de armas químicas perto da cidade ucraniana de Avdiivka. Afirmou que Kiev estava a violar a Convenção de Armas Químicas ao recorrer a substâncias como cloreto de cianogénio e cianeto.
O general russo também denunciou várias ações ilegais dos Estados Unidos da América. Em 2022, por exemplo, disse que Washington montou laboratórios de guerra biológica no território ucraniano e noutras antigas repúblicas soviéticas, como noticia o Washington Post.
General russo morreu em explosão em Moscovo. Bomba estava escondida numa trotinete elétrica
A explosão aconteceu esta sexta-feira, perto de um edifício residencial no sudeste de Moscovo, revelou o Comité de Investigação russo. Várias fontes do Serviço de Segurança da Ucrânia confirmaram que foi resultado de uma operação de Kiev para matar o homem que é acusado de permitir o uso de armas químicas contra as tropas ucranianas.
A porta-voz do Comité de Investigação russo, Svetlana Petrenko, disse que a explosão aconteceu numa zona residencial em Ryazansky Prospekt, na capital russa. O dispositivo, que foi ativado remotamente, estava escondido numa trotinete elétrica. Teria uma carga de cerca de 300 gramas de TNT, disseram as autoridades russas à agência estatal TASS. Na explosão morreu também um assistente de Kirillov.
“O incidente foi classificado como um ato terrorista, assassinato e tráfico ilegal de armas e munições”, explicou a porta-voz. Andrei Kartapolov, o chefe do Comité de Defesa na Duma (a câmara baixa do parlamento russo), também já reagiu às notícias da morte de Kirillov, expressando as suas condolências à família. Garantiu que os responsáveis serão encontrados e punidos severamente.
У Москві пролунав вибух, внаслідок чого померли начальник військ радіаційного, хімічного та біологічного захисту ЗС РФ генерал-лейтенант Ігор Кирилов і його водій (за іншою версією – помічник). Відео з російського Telegram-каналу Astra pic.twitter.com/nowO33pUge
— Українська правда ✌️ (@ukrpravda_news) December 17, 2024
Ataque foi operação do SBU, revelam fontes de Kiev
No local foram recuperados componentes do engenho explosivo — o único detetado na altura por um robô dos sapadores, explicaram os serviços de emergência russos à agência RIA Novosti. As autoridades também já apreenderam as imagens das câmaras de vigilância dos edifícios naquela área.
Na segunda-feira, o SBU deu início a investigação contra Kirillov, acusando-o de permitir o uso de armas químicas proibidas em território ucraniano. “Sob as ordens de Kirillov, foram registados mais de 4.800 casos de uso de munições químicas pelo inimigo desde o início da guerra em larga escala”, disse a agência citada pelo jornal Ukrainska Pravda.
A morte de Kirillov é resultado de uma operação do SBU, reconheceram entretanto várias fontes da agência aos media ucranianos e internacionais. “Kirillov era um criminoso de guerra e um alvo completamente legítimo, já que deu ordens para usar armas químicas proibidas contra os militares ucranianos”, justificou uma fonte sob anonimato ao Kyiv Independent. “A retaliação por crimes de guerra é inevitável”, acrescentou.