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Dois especialistas dão conselhos sobre como explicar aos mais novos o que é uma guerra
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Dois especialistas dão conselhos sobre como explicar aos mais novos o que é uma guerra

© Ana Martingo /Observador

Dois especialistas dão conselhos sobre como explicar aos mais novos o que é uma guerra

© Ana Martingo /Observador

Preparar a conversa, desligar a TV e evitar os "bons e maus". 9 conselhos para falar da guerra com as crianças

“Vamos ser bombardeados?” ou "A guerra já chegou cá?" são perguntas que os filhos já fizeram aos pais. Não banalizar o conflito, mostrar compaixão e falar a verdade são dicas para a conversa difícil.

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Ligar a televisão e assistir às imagens da guerra na Ucrânia é, depois desta madrugada, uma probabilidade elevada, bem como enfrentar perguntas, dúvidas e preocupações dos mais novos que, ainda não chegados ao rescaldo de uma pandemia, podem sentir-se confusos ou amedrontados com a palavra “guerra”. Explicar o emaranhado que é um conflito à escala internacional a uma criança não é tarefa fácil, mas há formas de aligeirar o momento: desde preparar bem a conversa a falar sempre a verdade, ainda que a ajustando à idade do entrevistador.

À conversa com Tiago Pereira, membro da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses, e com Isabel Abreu Lima, professora na Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação do Porto, reunimos conselhos práticos e até propostas de respostas às perguntas mais difíceis. 

Devemos falar com as crianças só se elas fizerem perguntas?

Os pais devem sempre falar de temas difíceis como a presente guerra, assegura Tiago Pereira. O facto de a informação ser tão abundante, e vir de “todos os lados”, faz com que seja praticamente impossível que o tema não chegue aos ouvidos dos mais novos, e aí há dois pontos a ter em conta: se, por um lado, as crianças devem receber a informação de adultos de confiança, sendo esta uma oportunidade de ouro para filtrar o que lhes é transmitido, por outro, os adultos nunca podem dar a conversa por encerrada, mas sim mostrar que estão disponíveis para perguntas e dúvidas acrescidas. “As crianças muito pequenas não devem estar expostas as notícias desta natureza, a informação deve ser filtrada por adultos”, diz o psicólogo, defendendo que esta é uma forma de protegê-las de futuras ansiedades e medos.

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“No momento atual em que vivemos, acho que pode ser útil iniciar a conversa porque há um outro ponto importante: tentar perceber o que as crianças sabem sobre o assunto, saber o que ouviram na escola ou se sabem o que estão a sentir, porque isso permite-nos interferir”, continua. A conversa entre pai e filho, se for o caso, pode ser uma forma de perceber as expetativas da criança, sendo importante “abrir-se um canal de comunicação”. “Podemos até assumir se não soubermos alguma coisa, mas garantir que vamos tentar saber.”

Na opinião de Isabel Abreu Lima, a conversa sobre a guerra é mais óbvia considerando crianças de oito ou nove anos, por exemplo, e não tanto aquelas mais novas. A académica deixa, no entanto, o seguinte conselho: deve-se ficar atento à criança que, a certa altura, irá certamente fazer perguntas.

Ser espontâneo não é opção: porque devemos preparar a conversa?

Antes de qualquer conversa, é essencial ter noção do que se vai dizer e delinear objetivos concretos ao invés de ser espontâneo e deixar-se levar pelo momento — é uma questão de preparação. Outro conselho é não fazê-lo com a televisão ligada e com as notícias a serem transmitidas, não vá o adulto afastar-se do foco e distrair-se perante novos desenvolvimentos. É também essencial que os mais novos se apercebam do que os adultos estão a sentir, mesmo que haja preocupação à mistura. “Se estamos preocupados podemos mostrá-lo um pouco. O que pode ser um problema é se perdermos estabilidade emocional. Quando nos preparamos para a conversa devemos fazer uma pequena avaliação do nosso estado emocional. Por outro lado, é preciso cuidado para não invalidar o sentimento da criança”, diz o psicólogo.

Além disso, é importante ter em conta três fatores: a idade da criança, a sua personalidade (considerando, inclusive, inseguranças que ela possa ter) e as experiências. “Há muitas crianças em Portugal que têm colegas que são ucranianos e outras que são filhas de militares. É preciso ter em conta as diferentes vivências.”

"Se estamos preocupados podemos mostrá-lo um pouco. O que pode ser um problema é se perdermos estabilidade emocional. Quando nos preparamos para a conversa devemos fazer uma pequena avaliação do nosso estado emocional. Por outro lado, é preciso cuidado para não invalidar o sentimento da criança."
Tiago Pereira, membro da Ordem dos Psicólogos Portugueses

O registo da conversa varia consoante a idade?

Sim, varia. O membro da OPP afirma que os mais novos não devem ser expostos a notícias relacionadas com a guerra na Ucrânia, mesmo que acompanhadas por adultos, e destaca projetos de notícias aptos para as faixas etárias mais jovens — como a Rádio Zig Zag, uma web rádio feita para crianças, dos 5 aos 9 anos, do grupo RTP —, mas também filmes (como “Raya e o Último Dragão” ) e livros que ajudam a pensar sobre esta matéria (alguns exemplos são o espanhol “Por qué?”, de Nikolai Popov, da editora Kalandraka, ou “O meu primeiro grande livro das grandes questões”, da editora Edicare).

O conselho varia ligeiramente para as crianças com 11 ou 12 anos, por exemplo, numa altura em que já faz sentido existir procura de informação, embora a sua consulta deva ser sempre com “alguma monitorização”. O importante é que, de um momento para o outro, não cessem as notícias, uma vez que isso pode criar a sensação de que a situação é bastante má (também para estas faixas etárias há livros e filmes que podem ajudar a passar a mensagem, como “A Rapariga que Roubava Livros”).

Falar de bons e maus é uma boa ou má ideia?

Falar em bons e maus, alerta Tiago Pereira, é criar um estereótipo — é essencial colocar de lado esse discurso em contexto de guerra para não correr o risco de polarizar os mais novos e para que estes não olhem para o conflito de forma extremada. “Devemos dar um sentido de esperança e um propósito, explicar o que está a justificar a guerra, mesmo que pareça absurdo. E afastar a ideia de que isto aconteceu do nada, não vá a criança pensar que, de um dia para o outro, possa acontecer no seu país. A polarização não ajuda à ideia de que os conflitos podem ser resolvidos de várias formas não violentas”, reitera.

Esta é também a posição da professora na Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação do Porto, que vai faz a seguinte ressalva: “Também é preciso que as crianças percebam que não existem verdades absolutas, mas sim valores que defendemos enquanto sociedade. Os valores da vida, da democracia e da igualdade têm de ser preservados, mas não podemos impedir que as pessoas tomem decisões”.

"Devemos dar um sentido de esperança e um propósito, explicar o que está a justificar a guerra, mesmo que pareça absurdo. E afastar a ideia de que isto aconteceu do nada."
Tiago Pereira, membro da Ordem dos Psicólogos Portugueses

E dizer que a guerra está muito longe de nós?

É útil tentarmos aumentar a sensação de controlo, sobretudo numa situação de imprevisibilidade. Pelo contrário, não é boa ideia generalizar que a guerra pode chegar ao nosso país. Importante é mostrar compaixão pelo que está a acontecer, isto é, não despersonalizar. Para algumas idades, em que a distância é uma coisa muito abstrata, a conversa pode ser auxiliada com globos e até mapas (é favor tirar o jogo Risco da gaveta e dar-lhe uso para fins pedagógicos) — sempre com a dimensão da compaixão porque há, de facto, pessoas a sofrer. E caso as crianças que nos são mais próximas conheçam seus semelhantes ucranianos ou a viver em zonas atingidas pela guerra, o psicólogo aconselha a entrar em contacto com eles.

Que mensagens de esperança podemos passar?

Passar a mensagem de que não é previsível que a guerra dure para sempre é uma opção, bem como que há pessoas no mundo que não querem a guerra e que vão desenvolver esforços para que o conflito termine o mais depressa possível, exemplifica o psicólogo. Tranquilizar também passa por alertar as crianças de que não existem apenas resoluções violentas para os conflitos e que é possível chegar a um entendimento por via da diplomacia (ainda que o conceito precise, muito provavelmente, de tradução). Associar o humanismo a situações de catástrofes é essencial. A isso, Isabel Abreu Lima acrescenta a ideia que já antes houve guerras que conheceram sempre o seu fim.

“A incerteza que se vive nos dias de hoje não tem de passar para as crianças. A verdade deve ser contada sempre com conhecimento e não partir da ideia de que as crianças não conseguem perceber as coisas.”
Isabel Abreu Lima da Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação do Porto

E os professores, como podem ajudar os alunos?

Isabel Abreu Lima aconselharia um professor a falar “toda a verdade”, embora tendo sempre em conta a idade das crianças e o que estas estão capazes de perceber. E deixa ainda um alerta, isto é, encontrar um equilíbrio entre contar a verdade sem banalizar e sem criar angústias desnecessárias. “A incerteza que se vive nos dias de hoje não tem de passar para as crianças. A verdade deve ser contada sempre com conhecimento e não partir da ideia de que as crianças não conseguem perceber as coisas.” A académica vai ainda mais longe e comenta que o papel da escola é dar conhecimento aprofundado, incluindo factos, para que os mais novos exerçam o seu pensamento crítico, sobretudo a partir do terceiro e quarto ano de escolaridade.

“Porque é que aquelas pessoas estão a fazer mal às outras?” Exemplos de respostas a perguntas difíceis

“Vamos ser bombardeados?”, “Os miúdos vão ter que ir para lá lutar?” ou “Também vamos ser invadidos?” são perguntas reais feitas por crianças aos seus pais na manhã desta quinta-feira, quando o mundo acordou para uma guerra — ainda que esperada — na Europa. Tiago Pereira aconselha os pais a responderem com verdade e consoante a informação disponível, reiterando a mensagem que de não é previsível que o conflito chegue a Portugal.

À questão “Porque é que ele [Vladimir Putin] provocou uma guerra?”, o psicólogo ensaia duas possíveis respostas: “Devemos dizer a verdade concreta, que a Rússia provavelmente quererá uma parte daquele país”, a crianças de quarto e cinco anos, por exemplo; “Podemos explicar um pouco mais do motivo, contextualizar com informações adequadas” às que já têm nove ou 10 anos. Perante a pergunta “A guerra pode chegar ao nosso país?”, o especialista em saúde mental responde uma vez mais que é preciso dizer a verdade e ensaia outra hipótese: “Não há nada que torne previsível a chegada do conflito ao nosso país”.

"As perguntas que são colocadas devem ser usadas de maneira a compreender a preocupação de quem as faz, mas também para dar notas de esperança e de compaixão."
Tiago Pereira, membro da Ordem dos Psicólogos Portugueses

“As perguntas que são colocadas devem ser usadas de maneira a compreender a preocupação de quem as faz, mas também para dar notas de esperança e de compaixão.” E se por um lado a questão “Vamos continuar a ter aulas?” mostra preocupação em perder o convívio dos colegas, sobretudo após uma pandemia marcada pela telescola, por outro, a pergunta “Pai, vão cancelar os jogos do Sporting?” denota o quão informada está a criança. “É uma excelente pergunta. O Sporting tinha um jogo agendado em Kiev nos próximos dias. A questão mostra exposição às notícias do dia a dia. É uma criança informada.”

Há uma nova emergência e ainda a pandemia não acabou. E agora?

A dupla ambiguidade, com a pandemia a ser sucedida por uma guerra no velho continente, é motivo de preocupação e desgaste para todos, não só para as crianças. “Em situações de incerteza o que devemos tentar fazer é reforçar alguma dimensão de controlo, pensar no que podemos fazer para estarmos bem. Outra nota é ter isto em mente: nós vamos caminhar para um mundo cada vez mais incerto e ambíguo, sendo que também há aprendizagens para o que aí vem”, diz Tiago Pereira, ao mesmo tempo que enfatiza a importância da saúde e do bem-estar, da resiliência e do suporte social.

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