Em tempos de encruzilhada para a esquerda, que admite que o país virou à direita, os entendimentos entre partidos também não estão fáceis. Se os mais pequenos acham que este é o momento para aprofundar os diálogos à esquerda, as reuniões continuam por marcar e o PS arruma, ou pelo menos adia, a ideia: “Quando o PS quiser fazer convergências à esquerda toma a iniciativa”, ouve o Observador na direção do partido. Ainda assim, de um ponto de vista pragmático, começa a espalhar-se — também no topo do PS — a ideia de que uma coligação em Lisboa pode mesmo ser a hipótese mais realista para combater uma recandidatura de Carlos Moedas.
A tentativa da esquerda de se reorganizar não se fica, no entanto, pelas reuniões agora pedidas pelo Livre, nem pelos encontros marcados pelo Bloco de Esquerda em março: os partidos vão fazendo, a nível interno e após sucessivos baldes de água fria nas urnas, contas ao ciclo político virado à direita e tentando perceber qual é o espaço que têm para crescer.
Daí que a conferência nacional que o Bloco de Esquerda marcou para refletir sobre os maus resultados das europeias só vá acontecer no fim do ano: a ideia é perceber como é que o PS se posiciona sobre o Orçamento do Estado primeiro — se o chumbar, convicção que perde terreno entre os partidos vizinhos, pode abrir-se uma janela para uma frente à esquerda; se o aprovar, a tese que corre é que abrirá, então, espaço para os partidos mais pequenos correrem em pista própria e se diferenciarem do PS, tentando ganhar força na oposição.
Bloco convoca conferência nacional para tentar reverter perdas e discutir coligação em Lisboa
Partidos tentam conciliar agendas, mas PS deixa recado
O tema da convergência à esquerda voltou a ganhar força este fim de semana, quando Mariana Mortágua anunciou a realização da conferência nacional bloquista e a vontade do partido de discutir uma coligação alargada à Lisboa e, praticamente em simultâneo, o Livre divulgou a realização de convites dirigidos à esquerda precisamente para debater alianças autárquicas.
No entanto, essas reuniões continuam por marcar, confirma ao Observador fonte oficial do Livre, mencionando que está a existir uma tentativa de “conciliar agendas”. Já em março Mariana Mortágua tinha promovido encontros entre estes partidos e o PAN para procurar convergências neste lado do espectro político, e o PS tinha sido o último a encaixar o encontro na sua agenda, preferindo empurrar essa fotografia de família para depois da discussão do Programa de Governo.
A reação do PS é, no entanto, ainda menos entusiástica desta vez. Depois de fontes da direção do partido terem deixado clara a sua irritação com a iniciativa pública e de o PCP também ter criticado a divulgação das reuniões e a ideia de um partido se colocar “em bicos de pés”, como o Público escrevia aqui, um membro da cúpula do PS arruma assim o assunto em conversa com o Observador: “Quando o PS quiser fazer convergências à esquerda toma a iniciativa”.
Ou seja, para já, no PS este tipo de iniciativas é visto como uma tentativa de os “pequenos partidos fazerem prova de vida“, existindo a convicção de que uma ronda mais levada a sério acontecerá quando os socialistas quiserem. Para já, a direção socialista está a tentar posicionar-se neste novo ciclo, sob pressão para viabilizar o Orçamento do Estado de Luís Montenegro e para chegar a um acordo com o PSD sobre uma reforma para a Justiça, pelo que as convergências à esquerda não fazem parte das suas prioridades.
Coligação em Lisboa vista com bons olhos
No entanto, isto não significa que a ideia de uma megacoligação autárquica em Lisboa, em concreto, não pareça estar a ganhar terreno na direção do PS. Se em setembro Marta Temido, então presidente da concelhia lisboeta do PS, lançava o assunto em declarações ao Observador e lembrava a história da união à esquerda — então promovida por Jorge Sampaio — para conquistar a maior autarquia do país, agora são várias as fontes na cúpula socialista que falam numa “boa ideia” e numa conclusão pragmática: frente a Moedas, que o PS considera um autarca popular, “a constatação muito provável” é que se a esquerda se junta “ganha a Câmara de Lisboa”.
Marta Temido vê com bons olhos megacoligação para enfrentar Moedas. Esquerda dividida
Resta saber com que protagonista: tanto no PS como no resto da esquerda jura-se que o assunto está ainda numa fase muito “preliminar” e que não há decisões tomadas, continuando a circular os mesmos nomes: Duarte Cordeiro, que seria o preferido do PS mas disse este ano que não exerceria cargos públicos enquanto durar a Operação Influencer; Alexandra Leitão (atual líder parlamentar do PS) e Mariana Vieira da Silva (que ganha tração nalguns setores, embora mais à esquerda se prefira o nome de Leitão).
Como o Observador tinha contado aqui, os partidos à esquerda do PS (exceto o Livre, que é acusado pelos restantes de tentar capitalizar politicamente e de tentar ter “ganhos eleitorais” com esta iniciativa) têm passado os últimos tempos a fazer o diagnóstico das últimas derrotas e à procura das soluções para revertê-las, consciente de que não há fórmulas mágicas e que a recuperação pode levar tempo. A última reunião da Mesa Nacional do Bloco de Esquerda foi precisamente marcada por esse debate, com os críticos internos a exigirem mesmo à direção que marcasse uma nova convenção (o equivalente a um congresso noutros partidos) para breve.
A opção da direção bloquista passou, no entanto, por marcar uma conferência nacional — uma figura que está prevista nos estatutos do Bloco e que serve para alargar o debate a todos os militantes, mas sem fazer eleições para os órgãos do partido, como aconteceria numa convenção. E essa conferência acontecerá apenas no último trimestre do ano, uma opção que não é inocente: a ideia é esperar para perceber o que faz o PS em relação ao primeiro Orçamento do Estado de Luís Montenegro, documento visto como a “chave deste ciclo político”, em outubro e novembro, porque isso poderá abrir uma espécie de nova fase.
Ou seja, a convicção no Bloco é que, se Pedro Nuno Santos ceder a “pressões” para viabilizar o Orçamento, estará a cometer um “erro” — abrindo aí espaço para que a esquerda, que se sentiu esmagada e afetada pela má reação do eleitorado à maioria absoluta do PS, faça o seu caminho com mais espaço na oposição ao Governo da Aliança Democrática. No partido, é reconhecida a tendência do PS para sentir que Pedro Nuno ainda precisa de “tempo” para se posicionar como líder da oposição e, portanto, para se inclinar para uma viabilização. O cenário ideal para o PS seria ver o Chega a deixar passar o Orçamento, livrando-se desse problema e de uma crise política demasiado precoce, mas ninguém à esquerda arrisca fazer previsões sobre as opções de André Ventura — que podem ter um impacto significativo deste lado do espectro político.